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quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

A longa volta por fora


A propósito do post de ontem do João Carmo... E pensando em transmitir para o pessoal leigo este que foi o maior avanço dos últimos anos

Quem nunca teve a impressão de estar fazendo um caminho muito mais longo e difícil do que poderia ter feito, se tivesse divisado a rota antes de iniciar a jornada?

Desde que me conheço por gente, um diagnóstico de câncer era uma das piores coisas que poderiamos imaginar acontecer. Não apenas porque não havia grandes chances de cura, mas porque o tratamento em si era debilitante e os efeitos colaterais, assustadores.

Tumores surgem porque às vezes os mesmos mecanismos biológicos que nos permitiram evoluir a partir de uma única célula falham momentaneamente. Uma única falha não gera um tumor; é preciso que se acumulem várias falhas em algumas células. Por isso, na maioria das vezes, o câncer ocorre na idade adulta ou velhice, mas nem sempre, há cânceres infantis. Células tumorais são rebeldes que não se conformam mais com as regras definidas geneticamente para habitar um mesmo corpo.  Os cientistas que estudam o câncer, na sua maioria, focaram em entender os mecanismos dessa rebeldia, e as drogas anti-câncer sempre visavam impedir a divisão desenfreada dos tumores. Essas drogas salvaram e prolongaram muitas vidas, mas sempre debilitaram muito a pessoa que as recebe.

No nosso corpo, as células que se dividem mais rápido, depois de um tumor, são as células do sistema imune. Nossas defesas funcionam como um mercado econômico regulado por oferta e demanda. As células imunes se dividem quando temos uma infecção, e voltam ao numero normal quando não são mais necessárias. Ao impedir a expansão do câncer, algumas drogas impediam também as nossas defesas.

Nos últimos dez anos, depois de mais de um século de debate, surgiu o mais revolucionário tratamento anti-tumoral: a ativação da resposta imune. Resulta que os tumores, ao crescer, são vistos e inicialmente contidos pelas nossas defesas, mas acham maneiras de bloquear as mesmas, e voltam a se expandir. Os novos medicamentos anti-câncer desfazem esse bloqueio, deixando que o próprio corpo controle o tumor. O medicamento não age no tumor, age na resposta. Tudo ainda inicial, tudo ainda com efeitos colaterais, muito ainda a ser melhorado. Mas, que volta comprida tivemos de fazer, ao ignorar o potencial que a evolução nos deu. Nossas defesas agem para conter o desequilíbrio, venha ele de fora ou de dentro do corpo.  

Por séculos, muitos estudiosos de tumores e especialistas em infecções não acreditaram que existisse uma conexão tão profunda entre seus respectivos  campos de trabalho. 

Como em uma fábula zen, a cura estava dentro de nós, ao invés de na sabedoria de outro ou em alguma poção mágica. Estava amortecida e precisava de uma cutucadinha, mas sempre esteve lá.   Esperemos que esse seja o caminho mais curto.

Coluna publicada no Jornal Zero Hora, 30 de novembro de 2014

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