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segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

O zika-virus

O atual Ministro da Saúde, Marcelo Castro é formado em Medicina pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) e doutor em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A Folha de são Paulo de ontem (17/01/2016) destaca um comentário seu sobre o Zika-vírus: “Vamos torcer para que antes de entrar no período fértil as mulheres peguem a zika, para ficarem imunizadas pelo próprio mosquito. Aí não precisa da vacina”. Ao fazer este comentário infeliz de torcer para que as mocinhas brasileiras sejam infectadas, o ministro expressa a visão popular sobre a imunidade mediada por anticorpos. Esta também é a ideia de leigos educados e não-especialistas e mesmo de boa parte dos imunologistas profissionais: a imunidade depende de anticorpos. Infelizmente, ela está errada, ou melhor, corresponde à realidade em tão poucos exemplos que pode ser considerada falsa. Anticorpos funcionam bem contra toxinas bacterianas e venenos animais (de serpentes, escorpiões) e algumas outras viroses que também dependem de uma fase de viremia e têm um período de incubação mais longo. Em geral, podemos dizer que não sabemos ao certo como funcionam as vacinas que utilizamos com sucesso, nem porque falha a grande maioria de tentativas de produzir novas vacinas – vide HIV, malária, esquistosomose, etc. Mas é lamentável que o ministro, em particular, e a mídia, em geral, não aproveitem este trágico período da saúde pública brasileira para educar um pouco mais a população.

Porque, decerto, aqui e ali, o povo deve ficar intrigado como de repente surgiu este mosquito que pode levar três vírus perigosos – denge, chikungunya e zika – sem adoecer ele mesmo, o mosquito! E não são três vírus, como alardeado: são quatro! E o quarto vírus, que já não se menciona, é o mais ameaçador de todos: o vírus da febre amarela, que pode voltar a qualquer momento, porque permanece ativo em reservatórios silvestres na mata atlântica. Deus é brasileiro. Por que não se fala mais no vírus da febre amarela? Porque há uma vacina muito efetiva contra o mesmo. A vacina contra a febre amarela e tão eficaz que já se cogitou associar à mesma produtos do HIV, ou do parasita da malária, como recurso de vacinação contra estas doenças, para quais a imunização se tornou muito difícil.

Isto leva à pergunta seguinte: Por que não temos ainda vacinas efetivas assim contra os outros três vírus? A resposta é a que já citei acima: não sabemos ao certo como funcionam as vacinas que utilizamos e, a cada caso, a cada vírus, micróbio ou parasita, a invenção de novas vacinas progride por experiência e erro. A ciência não chegou a entender um mecanismo geral de proteção contra doenças infecciosas, se é que existe um. A recente epidemia de Ebola, na África ocidental levou a invenção de uma vacina que mostrou ser efetiva. Que sorte! Mas a transferência de soro de sobreviventes da infecção pelo Ebola, contendo anticorpos, não é protetora contra o Ebola.

Pela mesma razão, não existem vacinas contra o HIV e a malária, apesar de imensos e prolongados esforços de pesquisa. Exceto em alguns casos, não sabemos ao certo como funcionam as vacinas em uso médico; elas são usadas porque há evidências empíricas e epidemiológicas de que elas funcionam. Como se resolve esta situação? A longo e a médio prazo, através de investimento maciço em pesquisa básica e por medidas, mais complexas, de saneamento, como matar os mosquitos. Não há solução a curto prazo.

O ministro da saúde, como médico, sabe que se pode ter dengue duas vezes e que a segunda infecção tem um risco aumentado de gerar a forma hemorrágica, mais grave. A infecção pelo vírus da dengue não protege da infecção por uma segunda linhagem. Na poliomielite também é assim: é preciso incluir as três cepas do vírus (A, B, C) na vacina porque a infecção por um deles não protege dos outros dois. Nem sempre é assim. A mais potente de todas as vacinas, a vacina contra a varíola (smallpox), continha um vírus de outra doença, a varíola das vacas (cowpox), hoje chamada vaccínia. Eu seu trabalho original, Edward Jenner relata este fato espantoso: a vacina protege contra a varíola, mas não protege contra a própria vaccínia (cowpox)! A imunologia já nasceu esquizofrênica.

E por que cargas dágua haveria o zika-vírus de causar a microcefalia e também a síndrome de Guillain-Barré? Qual é a relação entre estas duas coisas? E entre elas e a doença – a febre, a coceira - que o vírus desencadeia? Por que somente uma entre quatro pessoas infectadas desenvolve sintomas da zika-virose? A síndrome de Guillain-Barré é autoimune? Autoimune - o que é isso? Seria bom que o povão escutasse conversas e comentários sobre estas perguntas e respostas.

O caso da vacina contra influenza é interessante por vários motivos. Vou citar apenas um que pode dar uma ideia de onde estamos. A influenza se repete ano a ano porque o vírus é altamente mutável e surgem sempre novas variedades. Mas o vírus não pode variar de qualquer maneira: não pode perder as características que permitem que ele se ligue e penetre em células humanas – não pode perder um carrapicho molecular especial que se liga a detalhes da membrana celular, como chave em fechadura. Porque não inventar uma vacina que induza anticorpos contra este carrapicho, que dariam proteção contra todas a variedades do vírus da influenza? Uma equipe européia liderada por Antonio Lanzavecchia analisou centenas de anticorpos anti-influenza e achou um, um único, entre cerca de 800, capaz de se ligar ao tal carrapicho. A transferência deste anticorpo, que é monoclonal e pode ser produzido em culturas de linfócitos, foi capaz de proteger contra todas as formas influenza. Esta é uma boa notícia, desde que não estamos mais desprotegidos frente a ameaça de uma epidemia de influenza como “a espanhola”, de 1918, que matou 40 milhões de pessoas. Este anticorpo pode nos proteger. Mas não se sabe ainda como fabricar uma vacina que induza o organismo a forma este anticorpo, em particular. Exposto ao vírus da influenza, o organismo forma outros anticorpos. Não entendemos ainda o que se passa. O corpo tem razões que a imunologia desconhece.


Nelson Vaz <nvaznvaz@gmail.com>

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4 comentários:

  1. E o mais engraçado é que temos imunologistas entre nós que pensam que vacinologia é outra coisa mas não imunologia... Precisamos ainda de muita mais imunologia para saber alguma coisa das vacinas...

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  2. Quando eu digo que médico não faz a menor ideia do que é IMUNOLOGIA, falo sério.
    Ainda bem que nosso querido Nelson esclarece para não imunologistas o porque não criamos novas vacinas. Vale a pena ler e refletir para saber em quem acreditar!

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  3. excelente, prof. precisamos de mais posta como esse, fomentando uma discussão com a sociedade em geral.

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  4. Agora só faltam vir os 3 mosqueteiros pra comentar aqui. Bela colocação professor.

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