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segunda-feira, 28 de abril de 2014

"Loucura sim, mas tem seu método" (Shakespeare, in Hamlet, 1599-1601)


"Every actor needs an audience; every action is a performance" - Todo ator (cientista, inclusive) precisa de uma audiência; toda ação (ciência/experimento/pesquisa/aula) é uma performance. (Neils Tennant/Chris Lowe, in Flamboyant, United Kingdom, 2003).


Vitor Pordeus vai mostrar em Londres como ele criou um espaço livre de criação. Antes de chegar à psiquiatria revolucionária introduzida pela Dra. Nise da Silveira, ele se formou em Medicina, estudou no Instituto Wiezmannn, em Israel, e entrou numa crise filosófica quando fazia Doutorado em Imunologia, o que o levou a ingressar no teatro. Hoje ele tenta implantar um novo conceito de saúde pública como coordenador do Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde da Prefeitura do Rio de Janeiro, e quando foi a Nice, na França, participar de um Congresso Internacional de Imunologia, concedeu esta entrevista à Revista Leros, de Londres, por Skype, para falar da ocupação do espaço onde ele atua há quase dois anos. 
(A seguir, trechos da entrevista):

"Se você olhar política pública que é o que nos interessa discutir, é uma política pública completamente anti-freiriana (Paulo Freire), mesmo os setores que dizem que fazem Educação e Saúde e que fazem educação popular em Saúde, quando você vai ver estão fazendo educação didática prescritiva, educação bancária, que é o oposto do que o mestre falou. Então no Brasil, eu acho que talvez você possa ajudar a gente entender melhor essa perspectiva, da colonização científica, da colonização cultural, o Brasil não valoriza seus cientistas. Quase não se ouve dos maiores intelectuais do Brasil que fizeram contribuições internacionais como a Nise, o Paulo Freire, o Darcy Ribeiro. O Josué de Castro, por exemplo, que foi um dos intelectuais mais eminentes do país, totalmente ignorado, foi apagado pela ditadura militar. O Glauber Rocha, o próprio Hélio Oiticica, a Lygia Clark, os brasileiros que fizeram coisas extraordinárias, no Brasil, quando são conhecidos, é por um pequeno grupo de pessoas, não pelo povão brasileiro, que é o povão que nos interessa que conheça esses cientistas.

(...) Shakespeare é lotado de loucura, de bruxas, de fantasmas, de demônios. Não é à toa que ele é quem é, justamente porque ele dá vazão a esses desejos, a esses impulsos, a essas fantasias, a essas vozes que existem dentro de nós... Ele não é da sala fechada de espetáculo com bilheteria na porta. Ele é dos espaços abertos, da loucura, do ser humano. Dizem que Londres, quando Shakespeare chegou, era uma favela, as pessoas jogavam cocô pela janela, se esfaqueavam, era violência, era morte, peste bubônica, explodiam epidemias de peste, as pessoas tinham que fugir, eles iam pra todo lado, então nesse lugar é que ele chegou e fez a alquimia da poesia, do teatro, e é realmente muito poderoso. Eu estou aqui com o livro que eu estou lendo que confirma nossa experiência, que é “Shakespeare as a prompter”, que é de um psiquiatra inglês Murray Cox, que trabalhou no Hospital Psiquiátrico Criminal de Londres, o Broadmoor Hospital, que é um presídio psiquiátrico, que trabalha com loucos, criminosos, e ele encenou Shakespeare lá, fez várias peças e ele diz (...) e eu confirmo essa teoria, que o Shakespeare é excelente disparador do processo terapêutico... Ele desenrola conteúdos, por parte dos pacientes, mesmo os que não sabem ler, mesmo os que nunca ouviram falar dele. Estamos lidando com um negócio que é maior, mais antigo e está na tradição. 

Eu estudo muito medicina popular, medicina tradicional, leio sobre medicina grega e vejo como a medicina grega que é a base da nossa medicina ocidental, como era toda trabalhada com poesia, música, revelação. Eles falavam de catarse, dialética e êxtase, são as três fases da cura, segundo a medicina grega. Então a catarse é a fase dionisíaca, é a fase de botar os demônios pra fora, deixar as substâncias obscuras serem colocadas pra fora. A Dialética é o diálogo, é a troca de conteúdo, é a troca de ideias, é a conversa, o espelho da natureza. E finalmente o êxtase, que é “ecstasy” em grego, que quer dizer elevação... Lendo Shakespeare você tem a nítida sensação que ele entende absolutamente tudo isso. Tem uma fala do Hamlet que é assim “ouvi dizer que certos criminosos ao verem seus crimes encenados foram tão perturbados pelas sugestões das cenas que confessaram imediatamente os seus crimes”, então o negócio é esse “the play is the thing”. O negócio é a peça. Vou pegar os atores e vou encenar a morte de meu pai diante do meu tio e observar a reação dele. Se a gente substituir criminoso por doente, casa lindamente. Se a gente encenar a doença na frente dos doentes eles podem ficar tão perturbados pelas sugestões das cenas que confessam imediatamente o seu crime e se curam da sua doença, se curam da sua contradição. Então você começa a entender como a poesia entra nessa questão dos conteúdos, dos sentimentos, do que a pessoa está vivendo. A dança mobiliza, o teatro é importante, o teatro é a elevação poética, e é na hora que a poesia entra que você organiza o pensamento, que a consciência vem, a clareza, a poesia é que cura."


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Post por Vítor Pordeus

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