quarta-feira, 30 de junho de 2010

Genes, vírus, microbiota e Doença de Crohn

Em um artigo publicado nesta semana na revista Cell, o grupo liderado pelo Professor Herbert “Skip” Virgin, da Washington University of Medicine, descreve o desenvolvimento de inflamação intestinal com diversas características da Doença de Crohn em camundongos mutantes no gene Atg16L1 quando infectados com um determinado vírus entérico. Diversos polimorfismos genéticos foram associados ao aumento do risco de desenvolver a Doença de Crohn. Um desses alelos associados ao aumento de suscetibilidade para doença de Crohn é o ATGL1, gene envolvido no processo de autofagia. Esta variante apesar de muito freqüente confere um aumento que não chega a 2 vezes na suscetibilidade à doença. O que determina que certos indivíduos com este alelo sejam saudáveis e outros desenvolvam a doença não esta claro.
Os camundongos mutantes no gene AtgL1, que apresentam menor expressão da proteína e redução de autofagia, desenvolveram alterações nas células de Paneth quando mantidos em um biotério convencional. As alterações nestas células epiteliais da base das criptas do íleo incluíam defeito no empacotamento e exocitose de grânulos e aumento nos transcritos envolvidos em metabolismo lipídico e de citocinas inflamatórias. Alterações semelhantes foram observadas em pacientes com a Doença de Crohn homozigotos para o alelo de risco ATGL1. A rederivação de camundongos AtgL1 mutantes para um biotério com maiores barreiras sanitárias levou ao desaparecimento das alterações observadas nas células de Paneth, sugerindo o envolvimento de um agente infeccioso presente no biotério convencional. Camundongos mantidos no biotério convencional apresentavam infecção com o vírus entérico murino Norovírus. A infecção oral com uma determinada cepa de Norovírus de camundongos mantidos no ambiente limpo levou as mesmas alterações nas células de Paneth nos camundongos mutantes para AtgL1 mas não nos selvagens.
A indução de uma resposta inflamatória intestinal com baixas doses de dextran desencadeou uma resposta inflamatória na região do cólon nos mutantes de Atg16L1 não infectados com o Norovírus e nos selvagens infectados ou não. Por outro lado, os mutantes de Atg16L1 infectados com Norovírus e desafiados com dextran apresentaram uma inflamação intestinal com diversas características da Doença de Crohn humana, tanto no cólon quanto no íleo. Cabe ressaltar que os camundongos mutantes em AtgL1 não apresentaram maior carga viral que os selvagens apos o desafio com dextran. A maior inflamação destes animais envolveu uma maior produção de TNF e IFNg, duas citocinas consideradas centrais na patogênese da Doença de Crohn. A participação de bactérias comensais no desenvolvimento de doenças inflamatórias intestinais foi previamente demonstrado. O tratamento com antibiótico de amplo espectro dos camundongos mutantes em AtgL1 infectados com Noravírus demonstrou o papel central da presença da microbiota nas alterações inflamatórias intestinais observadas nestes animais. Em conjunto estes resultados demonstram o efeito combinatório da presença de um gene de suscetibilidade, da infecção por um determinado vírus, da lesão do epitélio intestinal por um agente tóxico e da presença da microbiota intestinal para o estabelecimento da resposta inflamatória com diversas características de uma doença de etiologia complexa como a Doença de Crohn. De maneira muito elegante este estudo reabre a antiga questão da associação de fatores genéticos e fatores ambientais especialmente infecções virais no estabelecimento de doenças.

terça-feira, 29 de junho de 2010

10 anos de genoma: Sequenciar é uma coisa, entender é outra


"Muito se avançou, mas uma década ainda é pouco para desvendar a complexidade do genoma e entender como ele se relaciona com as doenças e a vida"

Herton Escobar é jornalista. Artigo publicado em "O Estado de SP":


A grande promessa anunciada pelo sequenciamento do genoma humano era a medicina personalizada. Num futuro não muito distante, diziam, seríamos capazes de diagnosticar riscos e prescrever tratamentos perfeitamente adaptados ao DNA de cada paciente. Dez anos depois, a grande reclamação é que essa promessa não foi cumprida. Até agora. Não da maneira nem na escala que se gostaria, pelo menos.

Fracasso? Dinheiro jogado no lixo? De maneira alguma. O Projeto Genoma Humano foi, ainda é e sempre será um dos maiores feitos da história da ciência. A sequência de 3 bilhões de letrinhas, por si só, não resolve nada. É apenas uma lista de referência, um livro de consultas. Não soluciona nenhum problema. Não cura nenhuma doença. Mas faz o que toda boa ciência faz: levanta um monte de perguntas importantes, que não podiam ser feitas antes e abrem caminho - essas sim! - para uma série de aplicações científicas e tecnológicas.


Entre elas, a tal medicina personalizada. Que, de fato, já existe, mas sua aplicação ainda é limitada por uma série de complicações de ordem científica, econômica e tecnológica. O principal problema é que o genoma humano é muito mais complexo do que se pensava. Mas só sabemos disso porque resolvemos sequenciá-lo.


Há casos de doenças que podem ser relacionadas a um único gene, uma única mutação. Mas elas são a exceção. Quase tudo que acontece no nosso organismo, na verdade, envolve a atividade de vários genes e também de regiões não gênicas, que não codificam proteínas, mas codificam mensagens internas de RNA, que controlam o funcionamento de um ou mais genes, que podem estar inseridos em pontos completamente diferentes do genoma.


Soa complicado? Pois é. O que vai trazer benefícios clínicos para o ser humano não é o sequenciamento do genoma, mas a compreensão das informações contidas nessa sequência. E, principalmente, das implicações de como ela varia de uma pessoa para outra. Pois é disso que depende a medicina personalizada. Se uma tal pessoa tem um A no lugar de um C, o que isso significa? Pode significar que o tumor dela vai entrar em metástase, em vez de ficar quietinho onde está. Ou que esse quimioterápico não vai funcionar para ela. Mas aquele outro vai. Ou pode não significar absolutamente nada.


É difícil saber. A medicina personalizada vai chegar, sem milagres, aonde for possível. Se não chegar, terá valido a pena assim mesmo. Esse "futuro não muito distante" da promessa precisa ser definido com cuidado. Dez anos, em ciência, não é tanto tempo assim. Ainda mais para um tema tão complexo quanto esse.


Além de entender melhor o genoma, é preciso baratear o sequenciamento. Hoje ele custa cerca de US$ 10 mil para um genoma humano completo. A meta é chegar abaixo de US$ 1 mil. E já tem gente falando em US$ 100. Mas esse é o menor dos problemas. A tecnologia avança rapidamente, e o sequenciamento pode ser feito por máquinas robóticas. Compreender e fazer uso das informações produzidas por elas, porém, é um desafio muito mais complexo, que só cabe ao cérebro humano resolver.


(O Estado de SP, 27/6)

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Immunological Genome


Para quem faz microarray ou quer saber mais sobre a expressão de determinados genes nas diferentes populações de leucócitos, um site interessante e bastante útil é o Immunological Genome (ou ImmGen). O projeto está sendo desenvolvido por vários laboratórios dos EUA, cada um dos quais contribui com dados de expressão gênica das populações celulares em que é especialista. O objetivo geral do projeto é “gerar um compêndio de dados de microarray para a grande maioria das populações celulares dos sistemas imunes inato e adaptativo do camundongo em diversos estágios de diferenciação e ativação”.

Mesmo incompleto, o site já contém muita informação útil pra quem trabalha com expressão genica. Por exemplo, a figura acima mostra a variação nos níveis de expressão de GAPDH (isso mesmo, aquele gene que todo mundo usa como controle “invariável”) em diversos tipos de células T.

O site também têm outras ferramentas de biologia computacional, como geradores de redes genéticas específicas de cada tipo celular, e tutoriais ensinando como usá-las. O objetivo final do projeto é identificar as “assinaturas moleculares” que conferem identidade a cada tipo celular. Mas enquanto isso nao acontece, vale a pena conferir e utilizar a enorme quantidade de dados já depositada no site.

domingo, 27 de junho de 2010

Domingão de Alemanha e Argentina classificadas para as quartas de final...

Ai meu Deus...



"Se ganharmos a Copa, ficarei nu em frente ao Obelisco"
Diego Maradona.
Charge: Gazeta Press

sábado, 26 de junho de 2010

Softwares para análises de citometria de fluxo: um balanço


FlowJo, FCS Express, Kaluza, WinList, BD FACSDiva? A revista The Scientist publicou recentemente um artigo trazendo um balanço destes diferentes softwares para análise de dados de citometria de fluxo. Vale a pena a leitura!



sexta-feira, 25 de junho de 2010

Será que a dificuldade em diferenciar fagócitos mononucleares é só um problema meu???

Neste mês foi publicado na Nature Reviews Immunology um artigo levantando um problema que pesquisadores vem enfrentando, muitas vezes sem saber, ao trabalhar com populações de fagócitos mononucleares. Neste comentário, cinco super-experts, Frédéric Geissmann, Siamon Gordon, David A. Hume, Allan M. Mowat e Gwendalyn J. Randolph, dão suas opiniões sobre a heterogeneidade no sistema fagocítico mononuclear e a importância em se definir melhor suas populações para pesquisas futuras.
Em Unravelling mononuclear phagocyte heterogeneity, Geissmann aponta que as células mielóides não são mais heterogêneas do que a maioria dos tipos celulares. No entanto, muitas confusões são geradas com a utilização de marcadores fenotípicos inespecíficos. Um bom exemplo é o CD11c, que pode não só ser expresso por células dendríticas, mas também por alguns macrófagos teciduais, monócitos ativados e até mesmo algumas células NK e eosinófilos. Hume também critica a utilização de CD11c como único marcador para a identificação de DCs. Com isto, recrimina o uso do camundongo CD11c-DTR (diphtheria toxin receptor) para depleção seletiva de DCs. Este tópico também é abordado por Hume em um artigo de revisão, Macrophages as APC and the dendritic cell myth, publicado pelo Journal of Immunology em 2008.
Para Randolph os cientistas erram quando assumem que a caracterização fenotípica das DCs e sua distinção dos macrófagos nos órgãos linfóides, podem ser aplicadas a todos os outros tipos teciduais. Além disto, geralmente não são consideradas as alterações fenotípicas que sabidamente ocorrem durante um processo inflamatório em comparação a condições homeostáticas. Esta opinião é compartilhada por Siamon Gordon, que aponta que parte da confusão é gerada pela adaptabilidade e plasticidade dos macrófagos. Assim, em função destas células expressarem um enorme repertório de receptores e, portanto, sofrerem intensa ação dos microambientes em que se encontram, apresentam seus fenótipos modulados. Para Mowat, muitas das subpopulações de DCs não são claramente definidas, além de suas obtenções e caracterizações serem realizadas por diferentes métodos, por diferentes grupos de pesquisadores. Subpopulações têm sido estabelecidas em função de suas habilidades em induzir por exemplo diferenciação de células Th17, células T reguladoras, ou produzir TNF- α, IL-23 e NO. No entanto, muitos dos conceitos precisarão ser re-interpretados, pois, por muitas vezes, as população utilizadas para estas caracterizações foram pré-selecionadas arbitrariamente por marcadores que podem ser expressos tanto por DCs quanto por macrófagos.

As opiniões destes cientistas de renome também são reveladas em outras perguntas como:

- Existem bons marcadores fenotípicos para macrófagos e DCs, ou suas distinções deverão ser baseadas somente em suas funções? Se o último for verdade, o que um macrófago faz que uma DC não faz e vice-versa?

- Quais as condições de cultura que um pesquisador deve usar para gerar macrófagos e células dendríticas in vitro?

- Qual é a importância de se definir macrófagos e DCs para pesquisas e potenciais terapias futuras?

Pessoalmente concordo com Randolph quando ele diz queue “DC and macrophage biologists don't talk with each other enough. Indeed, if a cell is called a DC in a paper, I think that it is less likely that a macrophage biologist will read it and vice versa”.
doi:10.1038/nri2784

quinta-feira, 24 de junho de 2010

quarta-feira, 23 de junho de 2010

A ciência Brasileira perde um de seus principais virologista com o falecimento do Dr. Hermann Schatzmayr.




A ciência Brasileira perde um de seus principais virologista com o falecimento nesta segunda-feira, dia 21 de junho, do virologista Hermann Schatzmayr. Dr. Schatzmayr era Pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz e Pesquisador 1 A do CNPq, Membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Medicina Veterinária. Hermann foi sócio fundador e o primeiro presidente da Sociedade Brasileira de Virologia.

Dr. Schatzmayr fez inúmeras contribuições seminais a virologia brasileira traduzida na publicação de mais de 200 artigos científicos e orientação de cerca de 40 alunos entre mestrado e doutorado. Hermann iniciou seus estudos em virologia durante a pandemia de gripe de 1957-8 no Rio de Janeiro, e participou ativamente dos esforços de erradicação da varíola e de combate à poliomielite no país. Especial destaque para os estudos do Dr. Schatzmayr em dengue, onde junto com sua equipe, foi o responsável pelo isolamento dos vírus do dengue 1, 2 e 3 no Brasil.

Recentemente, Dr. Schatzmayr lançou o livro A virologia no estado do Rio de Janeiro –uma visão global, onde apresenta uma perspectiva global e histórica desse campo de pesquisa, desde seus primeiros fatos registrados até as epidemias recentes que está disponível na íntegra para download aqui.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Portal SciDev destaca ciência brasileira


Um recente Editorial publicado no site SciDev afirma o bom momento da ciência nacional, mas alerta para a necessidade de tornar o apoio permanente

O texto assinado por Luisa Massarani, que é editora de América Latina do portal SciDev e diretora do Museu da Vida, da Fundação Oswaldo Cruz, aponta o crescimento de verbas para pesquisa e desenvolvimento, porém recorda as dificuldades de manter o ritmo de crescimento e a persistência de alguns desafios, como aumentar a quantidade de mulheres em equipes científicas.

O artigo pode ser lido, na íntegra, em inglês ou espanhol, no link: http://www.scidev.net/en/editorials/brazil-s-lessons-on-science-for-development.html


Fonte da figura: Jornal da Ciência - Edição 668, de 11 de Junho de 2010 (http://www.jornaldaciencia.org.br/index2.jsp)

Pew Latin American Fellows Program in the Biomedical Sciences

Para quem quer começar o pós-doutorado nos Estados Unidos em 2011 segue uma dica para financiamento fornecido pela fundação americana Pew Charitable Trusts para estudantes da América Latina (http://www.pewtrusts.org/our_work_detail.aspx?id=500).

O prazo para envio de propostas é dia 1 de outubro, mas a partir de 15 de julho você já pode enviar a sua proposta. Para aplicar, você precisa escolher e ser escolhido por um mentor de uma instituição norte-americana, e entrar em contato com a responsável pelo programa para conseguir acesso ao sistema eletrônico. Ela também poderá ajudar na escolha de um mentor para a realização do pós-doutorado. Os interessados podem entrar em contato com os membros brasileiros do comitê regional da Pew: Sandro de Souza, Katia Gondim, Carlos Henrique Ramos e Sidarta Ribeiro (http://www.pewtrusts.org/uploadedFiles/wwwpewtrustsorg/Fact_Sheets/Health_and_Human_Services/LAFP%20Regional%20Committee%20List%20June%202009.pdf). Em abril de 2011, a Pew nomeará os pós-doutorandos que iniciarão seus treinamentos a partir de julho de 2011.

O programa da Pew para pós-doutorandos da América Latina foi fundado em 1990, e todos os anos, 10 candidatos de todas as áreas biomédicas são selecionados de todos os países da América Latina para serem financiados por dois anos em instituições de pesquisa norte-americanas. Além disso, após o término do pós-doutorado nos Estados Unidos, a pew oferece um “enxoval” de U$35.000 para a compra de reagentes e equipamentos para que o pesquisador possa iniciar seu próprio laborátorio em algum país da América Latina. Para saber mais sobre o programa, clique aqui http://www.pewtrusts.org/our_work_category.aspx?id=672 . Essa é uma excelente iniciativa da fundação Pew Charitable Trusts para o avanço da pesquisa na América Latina. Muitos dos nossos colegas imunologistas que receberam bolsa da Pew retornaram ao Brasil e agora ocupam posições como pesquisadores independentes e professores em universidades ou instituições de pesquisa de peso no Brasil, como é o caso de dois de nossos blogueiros, Dario Zamboni e Patrícia Bozza. Para ver a lista de todos os Pew fellows passados e presentes acesse o link http://www.pewtrusts.org/our_work_detail.aspx?id=666 .

Eu fui bolsista da Pew pelo período de 2007-2009 e recomendo imensamente para quem quer fazer um treinamento nos Estados Unidos. E mais, os bolsistas participam de duas reuniões da Pew (uma em cada ano) sempre em algum lugar espetacular no Caribe. Além de poder conhecer e interagir com outros membros da Pew, você ainda aproveita uma praia caribenha, nada mal, não?

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Novas tendências na microscopia nanométrica



Tem sido motivo de discussão aqui neste blog o uso de nanocoisas para "drug-delivery", fabricação de anticorpos de plástico, sistema imune biônico, etc postados por Barral e Cristina. Com o avanço da nanotecnologia, novas técnicas de observação de sistemas biológicos tem recebido considerada atenção.

Neste contexto, novos avanços sobre "microscopia de sistemas biológicos" foram recentemente abordados no NanoBioEurope 2010, cidade de Munster, Alemanha. Um congresso pequeno, porém rico em detalhes da ciência nanotecnológica. Diferentemente do que a maioria possa pensar, não foram abordados apenas estruturas nanométricas sintéticas como lipossomos, nanopartículas e dendrímeros.

Foram discutidos novos avanços na detecção e observação de inúmeras estruturas/processos biológicos como apresentação antigênica, maturação de fagossomo, estruturas subcelulares (ex.: lisossomos) e métodos diagnósticos de agentes infecciosos. Para minha surpresa, até a entrada de Ca+2 intracelular foi vista através de microscopia de forma atômica (AFM). A tendência geral dos palestrantes foi a de mudar o cenário de "kits e reações" para técnicas de microscopia, principamente a AFM. Ou seja, estamos entrando literalmente no "ver para crer".

Esta aí um novo desafio para utilizarmos em nossas pesquisas, acoplando ensaios funcionais a técnicas que observam a escala nanométrica.


Literatura sugerida:

Müller & Dufrêne. Nature Nanotechnology 3, 261 - 269 (2008) doi:10.1038/nnano.2008.100


Tatiany Faria e André Báfica

*Ilustração: Observando a maquinaria celular em alta resolução. Note o painel "e" com a abertura dos canais induzida por alterações no pH.

domingo, 20 de junho de 2010

Uma boa ajuda para enfrentar um importante desafio para o crescimento da ciência no Brasil: escrever!

Todos nós sabemos a importância de aprimorarmos a escrita científica como parte das estratégias para darmos mais um passo no crescimento da ciência no Brasil: publicar em revistas internacionais de alto impacto.

Certamente, em primeiro lugar, é preciso fazer ciência de qualidade.
Mas, sabemos também que, além da novidade e consistência da descoberta científica e do rigor metodológico da pesquisa, como escrever a história daquela descoberta científica é fundamental.

Você concorda que para a grande maioria dos alunos, escrever o paper é um enorme sofrimento que, na maioria das vezes, demora muito mais do que a velocidade do fazer ciência permite? Você concorda que escrever é uma das grandes dificuldades que enfrentamos com nossos alunos e pós-docs?

Então, pergunto: o que podemos fazer para melhorar a qualidade da nossa escrita científica? E mais, o que podemos fazer para despertar em nossos alunos o gosto por escrever?

É verdade que ainda somos um país de pouca leitura e isto repercute diretamente na nossa prática de escrever. Quem lê pouco, pouco escreve.
Tem menos oportunidade de aprender a desenvolver as ideias por escrito.
Mas, certamente isso pode ser mudado. Acho que podemos e devemos ajudar a construir uma cultura de mais leitura em nossa comunidade científica.
E você, o que pensa sobre este assunto?

Para quem ainda não teve o privilégio de conhecer, quero apresentar, aqui no Blog da SBI, o professor Gilson Volpato que vem há quase 25 anos dedicando-se ao estudo e ensino da redação e metodologia científica. Gilson tem viajado o Brasil afora realizando cursos e oficinas de escrita científica, plantando sementes entre alunos e pesquisadores. Gilson tem sido um grande aliado no desafio da escrita científica no Brasil.

No último congresso da SBI tivemos o privilégio de oferecer o seu curso de escrita científica como uma atividade pré-congresso e foi um enorme sucesso. Eu tive a oportunidade de organizar três cursos de escrita científica com o Gilson (atividades da plataforma de Ensino do pelo o iii-INCT) e testemunhei o impacto tão positivo em cada participante do curso, seja ele aluno ou pesquisador. Quem teve a oportunidade de fazer o curso sabe do que estou falando. Quem não o conheceu, recomendo que leia os seus livros!

Gilson desenvolveu um método próprio para ensino e abordagem da escrita científica, colocando a escrita científica como uma continuidade do processo de fazer ciência. Tem uma contribuição original na área e estimula a ação de sujeito pensante no ato de escrever. Gilson tem vários livros escritos sobre o assunto e acabou de lançar a 3ª edição revisada e ampliada do livro Dicas para Redação Científica, Editora Cultura Acadêmica, 2010. Veja abaixo alguns trechos do Prefácio deste livro, do professor Ivan França Junior da Faculdade de Saúde Pública da USP. Não perca a oportunidade de conferir!
Veja no site: http://www.bestwriting.com.br
Recomendo muito também o livro Bases Teóricas para Redação Científica.
Boa leitura e ótima escrita!

Trechos do Prefácio do livro Dicas para Redação Científica:

“Em sua versão amplamente reformulada, “Dicas” é uma excelente introdução às reflexões organizadas e desenvolvidas originalmente pelo Professor Gilson Volpato. Sinteticamente, este livro contém dois tipos de reflexões.


O primeiro tipo de reflexão, exposta nos capítulos I a III, aborda os fundamentos teóricos e epistemológicos do fazer e escrever ciência. Esta parte, inexistente na 2ª. Edição, deve ser lida antes das demais, de modo pausado e autocrítico. É prudente que o leitor não avance diretamente pelo “Dicas”, mas leia estes capítulos iniciais com calma, como uma atividade de formação intelectual, de aprofundamento no significado da ciência.


Sugiro que, na medida em que avance na leitura, o leitor reflita sobre a sua experiência em pesquisa. Sendo iniciante ou pesquisador experiente, anote os pontos em que percebe lacunas e dificuldades na sua trajetória:
o
Não tenho conseguido publicar?

o Mesmo publicando, não tenho sido citado?

o Não havia percebido a centralidade da teoria nas ciências empíricas?

o Não tive oportunidade de ler e refletir sobre os aspectos filosóficos das ciências?

o Não me ocorreu haver nos artigos dois grandes argumentos lógicos (introdução como premissa de objetivo/conclusão & métodos e resultados como premissas da discussão/conclusões)?

o Meus trabalhos não têm sido bem aceitos (publicados ou citados) por não terem dados sólidos, por não estarem bem apresentados, por terem sido considerados irrelevantes ou por eu não ter sido econômico no uso das palavras?

o Não conhecia a didática, extremamente sagaz, da divisão das pesquisas em descritivas, de associação e de relação de interferência (ou de causa e efeito)?

Percorrer estas e outras perguntas suscitadas por Gilson Volpato fornece uma agenda de estudo, reflexão e trabalho, que redundará em trabalhos científicos mais fortes. Para cada questão identificada, o leitor deverá procurar cursos, frequentar e promover grupos de pesquisa e ler muitos outros livros...


Dentre as várias soluções criativas de Gilson Volpato, chamam a atenção a inteligente classificação das pesquisas científicas em três tipos (descrição, associação e relação de interferência) e o uso da analogia dos argumentos lógicos (premissas e conclusões) para o texto científico. Estas contribuições originais de Gilson já valeriam a leitura deste e de seus outros livros.
.......


Como grande educador, Gilson Volpato nos provoca a refletir e identificar, como sujeitos, o que temos como obstáculos e oferece alguns modos para superá-los. Após 25 anos de andança pela área da redação científica, Gilson Volpato ainda é um incansável professor. E dos melhores que já vi em minha acadêmica”.

Prefácio escrito por Ivan França Junior
Professor da Faculdade de Saúde Pública da USP


sábado, 19 de junho de 2010

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Patrícia Bozza recebe Guggenheim Foundation Fellowship

Parabéns a Patrícia, que além de sócia da SBI é blogueira do SBlogI.
"The John Simon Guggenheim Memorial Foundation has awarded thirty-seven Fellowships to artists, scholars, and scientists from Latin America and the Caribbean, according to Edward Hirsch, Foundation president.  The successful Fellows were chosen from almost 500 applicants.  This year’s new Fellows are from Argentina, Brazil, Chile, Colombia, Ecuador, Guatemala, Jamaica, Mexico, Peru, Puerto Rico, Trinidad and Tobago, Uruguay, and Venezuela. 

The Foundation grants Fellowships through two annual competitions:  one for citizens and permanent residents of the United States and Canada; the other for citizens and permanent residents of Latin America and the Caribbean.  Guggenheim Fellows are appointed on the basis of stellar achievement and exceptional promise for continued accomplishment.  In its selection process, the Foundation consults with distinguished scholars and artists regarding the accomplishments of the applicants and the significance of their proposed projects, and presents these evaluations to a Committee of Selection, all of whose members are past Guggenheim Fellows. "



2010 - Latin America and Caribbean Fellows

Oscar E. Aguilera F., Researcher, Fundación para el Desarrollo de la XII Región (FIDE XII): A monograph on the Kawesqars, the last Fueguian inhabitants of Western Patagonia
Ana Amado, Associate Professor, Department of Art, Faculty of Philosophy and Letters, Universidad de Buenos Aires: Political insurgency and the popular imagination as seen in the visual arts of Argentina
Robert Antoni, Writer, New York City; Assistant Professor, MFA Program in Creative Writing, The New School University: Fiction
Liliana Arrachea, Professor, Department of Physics, Faculty of Exact and Natural Sciences, Universidad de Buenos Aires and Physics Institute of Buenos Aires; Independent Researcher, CONICET: Quantum transport in mesoscopic systems and nanostructures

John Ayotunde (Tunde) Isola Bewaji, Senior Lecturer in Philosophy and Coordinator, Philosophy Program, University of the West Indies: Themes in Africana philosophy: a critical engagement
Francisco Bozinovic, Professor, Center for Advanced Studies in Ecology and Biodiversity, Department of Ecology, Faculty of Biological Sciences, Pontificia Universidad Católica de Chile: Mechanistic insights into global change biology
Patrícia T. Bozza, Senior Investigator, Immunopharmacology Laboratory, Instituto Oswaldo Cruz: Biogenesis and functions of lipid droplets in host-pathogen interaction in mycobacterial infection

caraballo-farman, Artist, Ossining, New York: Film and Video
Rossina Cazali, Independent Researcher, Guatemala City, Guatemala: Contemporary arts and thought in Guatemala, 2000-2010
Enrico Chapela, Composer, Mexico City, Mexico; Instructor, Centro de Investigación y Estudios de la Música (CIEM), Mexico City: Music composition
Abraham C.-L. Chian, Senior Scientist, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais: Nonlinear dynamics of the earth-ocean-space environment: Impact on climate change

Carlos de la Torre, Professor of Political Studies, FLACSO-Ecuador: Understanding popular support for radical populist regimes
Edgardo Dobry, Poet, Barcelona, Spain; Associate Professor of Hispanoamerican Literature, Department of Hispanic Philology, Faculty of Letters, Universidad de Barcelona: Poetry

Eduardo Espina, Poet, College Station, Texas; Professor of Hispanic Studies, Texas A&M University: Poetry

Alberto Fuguet, Writer, Santiago, Chile: Fiction

Mario D. Galigniana, Professor, Department of Biological Chemistry, Faculty of Exact and Natural Sciences, Universidad de Buenos Aires; Principal Investigator, CONICET: Role of the hsp90-binding immunophilin FKBP51 in apoptosis and tumor progression
Enrique González González, Subject Professor, Faculty of Philosophy and Letters, Universidad Nacional Autónoma de México; Level C Investigator, Instituto de Investigaciones sobre la Universidad y la Educación: The emergence of universities in the New World, from the 16th to 18th century
Marlon Griffith, Artist, Port of Spain, Trinidad and Tobago: Fine arts
Jorge Villavicencio Grossmann, Composer, Ithaca, New York; Assistant Professor of Music Composition, Ithaca College: Music composition

Pablo Irarrazaval, Professor, Department of Electrical Engineering, Pontificia Universidad Católica de Chile: Fast magnetic resonance imaging applied to obesity-related diseases

Myriam Jimeno, Professor, Department of Anthropology, Universidad Nacional de Colombia, Ciudad Universitaria: Culture, ethnicity, and violence

Tamara Kostianovsky, Artist, Brooklyn, New York; Professor of Art History, School of Visual Arts, New York City: Sculpture

Jorge Lanzaro, Professor of Political Science, Institute of Political Science, Faculty of Social Sciences, Universidad de la República, Montevideo: Social democratic governments in Latin America
Laurent Loinard, Title C Investigator, Centro de Radioastronomia y Astrofísica, Universidad Nacional Autónoma de México: Radio observations of star-forming regions
Hugo Daniel Lujan, Professor, Universidad Católica de Córdoba; Principal Investigator, CONICET: Development of a vaccine against Giardia lamblia based on the manipulation of the mechanism of antigenic variation

Zoila S. Mendoza, Professor of Native American Studies, University of California, Davis: Pilgrimage, music, and dance among Quechua-speaking people of Cuzco
João Ricardo Mendes de Oliveira, Professor of Neuropsychiatry, Universidade Federal de Pernambuco: Neurogenetics and brain resilience against basal ganglia calcification

Carmen Oquendo-Villar, Video Artist, Guaynabo, Puerto Rico; Fellow, Hemispheric Institute of Performance and Politics, New York University: Film and Video

Simone Pinet, Associate Professor of Spanish and Medieval Studies, Cornell University: Cartographic culture and rhetoric in 12th- and 13th-century Castile
Mariano Ben Plotkin, President and Senior Researcher, Instituto de Desarrollo Economico y Social: The diffusion of psychoanalysis in Argentina under authoritarian regimes
Jorge Ricardo Ponte, Independent Investigator, Instituto de Ciencias Humanas, Sociales y Ambientales, CONICET: A comparative study of oasis cities in Argentina and elsewhere in the Americas

Federico Rubio, Photographer, Montevideo, Uruguay: Photography

Alejandro F. Schinder, Head, Laboratory of Neuronal Plasticity, Fundación Instituto Leloir, Buenos Aires; Independent Investigator, CONICET; International Research Scholar, Howard Hughes Medical Institute: Adult neurogenesis as a system model to study neurodegeneration
Sebastian Szyd, Photographer, Buenos Aires, Argentina: Photography

Sebastián van Doesburg, Academic Coordinator, Francisco de Burgoa Library, Universidad Autónoma “Benito Juárez” de Oaxaca; Director and Senior Advisor, Casa de la Ciudad, Alfredo Harp Helú Oaxaca Fundación: Pictographic documents of the Coixtlahuaca valley and southern Puebla
Víctor Vich, Associate Professor, Department of the Humanities, Pontificia Universidad Católica del Perú: The power of artistic representation: politics and national discourse in Peru

David Zambrano, Choreographer, Amsterdam, The Netherlands: Choreography


quarta-feira, 16 de junho de 2010

Anticorpos plásticos reconhecem e removem toxinas in vivo


Foi relatado recentemente, pela primeira vez, que nanopartículas de plástico, modeladas por imprint molecular como anticrpos sintéticos, funcionam in vivo. O trabalho Recognition, Neutralization, and Clearance of Target Peptides in the Bloodstream of Living Mice by Molecularly Imprinted Polymer Nanoparticles: A Plastic Antibody  foi publicado no J. Am. Chem. Soc. (2010, 132: 6644–6645. DOI: 10.1021/ja102148f).
A melitina (um peptídeo citolítico de 26 aminoácidos é o principal componente ativo do veneno da abelha) foi colocada sobre uma solução contendo monomeros plásticos, os quais ao se ligarem entre si em volta da molécula formavam um molde da melitina. Após a retirada da melitina restava uma estrutura plástica que reconhecia as saliências e reentrâncias da molécula alvo. Estas técnicas de imprinting molecular têm evoluido e começam a ser usadas para peptídeos. Os autores mostram que as moléculas obtidas neste estudo apresentam afinidade e seletividade, assim como tamanho, semelhante às dos anticorpos naturais.
O grande desafio das moléculas de anticorpos sintéticos é o seu uso in vivo. Além dos problemas de afinidade há outros fatores que podem influir na atividade destas moléculas numa situação real: tanto o seu “encapsulamento” por moléculas do soro quanto a possibilidade da molécula sintética induzir toxicidade, ou ativar mecanismos inflamatórios ou, ainda, estimular uma resposta imune contra ela. 
Um dos destaques do trabalho é justamente demonstrar que a injeção in vivo destas nanopartículas foi capaz de proteger camundongos que receberam doses letais de melitina. A injeção de melitina em dose elevada levou à mortalidade de 100% dos animais, enquanto nos camundongos injetados com a mesma dose de melitina e 20s depois com a nanopartícula derivada do imprinting de melitina (MIP-NP) tiveram uma redução de mortalidade que foi estatisticamente significante. Aqui, contudo, há um problema sério no trabalho: nanopartículas de mesma composição feitassem a presença da melitina (NIP-NP) também levam à proteção, embora menor que a observada com a nanopartículas do imprinting com melitina. Na figura ao lado a linha  verde representa os animais injetados som com a melitina, enquanto as outras representam os animais injetados com melitina e MIP (vermelha) e NIP (cinza). Os autores comparam a linha de MIP contra a do controle e mostram que há uma diferença siginficante pelo teste de Wilcoxon. A mesma comparação feita com a linha do NIP mostra diferença não significante. Contudo, noções elementares de estatística indicam que a comparação de resultados de 3 grupos não pode ser feita desta forma. Os autores precisariam demonstrar que há diferença por uma análise de variância ou por um teste de Kruskal-Wallis, no caso de uma análise não paramétrica.
Não vi nada no artigo sobre ausência de resposta imune contra as partículas, mas isto não era mesmo esperado tratando-se de uma molécula de plástico.  As NP não induziram toxicidade e foram removidas no fígado.
Não é um resultado espetacular (já que as NP não derivadas de melitina parecem estragar um pouco os dados) mas é promissor.
blog da Nature comenta sobre o progresso observado na biologia sintética, ao relembrar o sucesso do genoma sintetizado relato pelo Venter Institute (post diferentes no Totum e no SBlogI) e diz que o governo americano tem investido pesadamente nesta área: “The US government already leads the world in funding for synthetic biological research, having sunk $430 million into the still hazily-defined field over the past five years. European synthetic biologists only got $160 million over that same time period.”
Hoshino, Y., Koide, H., Urakami, T., Kanazawa, H., Kodama, T., Oku, N., & Shea, K. (2010). Recognition, Neutralization, and Clearance of Target Peptides in the Bloodstream of Living Mice by Molecularly Imprinted Polymer Nanoparticles: A Plastic Antibody Journal of the American Chemical Society, 132 (19), 6644-6645 DOI:10.1021/ja102148f

O que é vida?


Trata-se de uma simples pergunta. Mas a resposta, a depender de quem a elabora, pode ser bastante complicada, se não incompreensível. Quando eu era um estudante de medicina, vi pela TV uma interessante discussão a respeito do tema. Os interlocutores eram um médico que trabalha com medicina reprodutiva, muito famoso (e um tanto polêmico) na Bahia e no Brasil, e um Arcebispo da Igreja Católica (quem nunca viu este vídeo tem que ver!). O tempo passa, os personagens mudam, mas a pergunta permanece sarcasticamente a mesma. Tem gente que diz: “Pra que responder isto? Eu hein..”. A verdade é que esta pergunta incomoda. Não é todo mundo que gostaria de ser entrevistado respeito do tema. Há alguns, porém, que se sentem muito à vontade, e apresentam segurança (considerada por outros questionável) em explicar o que é vida.

Neste contexto, a BMC Biology publica um artigo não usual, em estrutura de entrevista, com o Dr. Steven Benner, da Foundation for Applied Molecular Evolution (Florida, US). O Dr. Benner simplesmente iniciou a biologia sintética como campo de estudo científico. Como assim? O grupo deste pesquisador foi o primeiro a sintetizar um gene de uma enzima e a usar uma síntese orgânica para preparar os primeiros sistemas genéticos artificiais. Além disso, este pesquisador inventou o que o mesmo chama de “dynamic combinatorial chemistry”, que combina idéias de evolução molecular, enzimologia, química analítica e química orgânica para gerar estratégias de descobertas de pequenas moléculas como alvos terapêuticos. O cara fez um monte de outras coisas e quem tiver interesse pode consultar no website na FAME.

No artigo do BMC, Benner elabora respostas inteligentes, intrigantes e algumas polêmicas (a depender do ponto de vista do leitor). Há de tudo, inclusive uma explanação sobre o “risco” potencial do desenvolvimento de vida sintética, ilustrado aqui pela figura que encabeça o texto deste Blog. Provavelmente esta entrevista se dá em razão dos recentes acontecimentos na biologia artificial, tais como a publicação do artigo sobre a criação de uma bactéria controlada por um genoma sintético, que recebeu comentário neste Blog.

Seguem alguns trechos da entrevista, que pode ser baixada no site da BMC Biology.

Recent achievements in synthetic biology have raised the question of what we mean by 'life'. Is a definition possible?

Benner: Yes, one can always write out a definition for an abstract concept like 'life'. But a definition has value only if it is set within the context of a theory that gives its terms meaning, as Carol Cleland and Chris Chyba argue in their paper published in 2002. And a definition is most useful if it provides what a scientist needs.

For example?

Benner: Well, water can be defined as a molecule built from two atoms of hydrogen and one atom of water. But this definition must be set in the context of atomic theory from chemistry to have meaning. Further, for a scientist wishing to identify water, this definition may be less useful than an operational definition - for example, that water is a substance that freezes at 0°C, boils at 100°C, has a density of 1 gram per cubic centimeter, and the like.

How does this apply to life?

Benner: Consider this definition from a group of scientists empanelled by NASA in 1994 who suggested that life could be defined as a 'self-sustaining chemical system capable of Darwinian evolution'.

Self-sustaining? But doesn't most life need to eat something from outside itself?

Benner: Yes. But the panelists, when asked, pointed out that 'self-sustaining' was not used to mean that the life must not eat. Rather, the term means only that life must not need to be provided its sustenance through the action of an intelligent being, a gardener or a keeper.

Aren't you just defining life as we know it? Is this not a bit Earth-o-centric?

Benner: This definition is grounded in a deeply held theory of life, as I argue in my book Life, the Universe and the Scientific Method. It tells us what we definers believe about what is possible in reality and what is not. Thus, we can conceive, and many science fiction authors have conceived, of life made from pure energy or not requiring Darwinian evolution to exist. Surely, if we encountered such beings during a real (not fictional) star trek, and if they were to talk to us (as aliens generally do in science fiction), we would instantly revise our definition to include them. We do not do so now because we do not believe that they could possibly exist. That is, we believe that anything that has the attributes of life would be chemical and would have come to exist via Darwinian evolution. Admittedly, those beliefs are based on our knowledge of Earth life, and of no other.

Algumas perguntas à frente…

The Economist claims that with Venter's synthesis of a cell, a 'new era of synthetic biology is dawning'. Is this true?

Benner: Certainly not. Synthetic biology has been with us ever since recombinant DNA technology first allowed biologists to synthesize new forms of life - at least in the sense of constructing new DNA molecules and putting them into cells. In fact, the term 'synthetic biology' was coined in 1974 by Waclaw Syzbalsky to describe the application of recombinant DNA technology to generate organisms with new genetic properties. What Venter demonstrated is that it can be extended to replacement of the entire genome of a cell, not just changing parts of it.

Is there value in doing this synthesis?

Essa resposta eu deixo vocês lerem no paper...

Fonte: Benner SA: Q&A: Life, synthetic biology and risk. BMC Biology 2010, 8:77. doi:10.1186/1741-7007-8-77.

terça-feira, 15 de junho de 2010

90 milhões (de leucócitos) em ação!

No clima da estréia do Brasil na copa:


Foto que uma colega minha (Janelle Waite, do lab do Mike Dustin) tirou de uma imunofluorescência de um baço de camundongo. Nao é photoshop, não, a foto saiu assim mesmo!

Nessa copa até baço de camundongo é Brasil!!

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Reflexões sobre a Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil

Caros, segue mais um Post com intuito de fomentar a discussão acerca da qualidade da Ciência feita no Brasil e sugestões para melhorá-la. Foi escrito pelo Prof. Dr. Mauricio Rodrigues, UNIFESP, que participou da 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação, em Brasília.
Vale ressaltar que esse blog é da comunidade: Comente! Sugestões comentários e criticas construtivas são sempre bem vindas.



Post de Mauricio Rodrigues

Em recente discussão sobre a ciência básica que ocorreu por ocasião da 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação (Maio/2010), o Prof. Dr. Sérgio D. Pena (UFMG) expressou os pensamentos que transcrevo abaixo e os quais trago para discussão por considerá-los úteis para o debate sobre a ciência no Brasil e o papel da pós-graduação.

Transcrito: Sergio Danilo J. Pena, professor da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), destacou que o Brasil chegou ao 13º lugar em número de
publicações - tendo ultrapassado recentemente a Holanda e a Rússia -,
mas está apenas em 24º no ranking de citações. Segundo ele, vários
fatores explicam o descompasso entre a força da ciência nacional e sua
influência no cenário internacional.

"Um desses fatores é que a nossa pesquisa está baseada na pós-graduação. O aluno precisa partir de um projeto, com um fim já em mente e com um prazo imposto para terminar. A pesquisa resultante é muito conservadora, desprovida de inovação", disse.

Outro desafio a ser enfrentado seria repensar o tipo de demanda feito pelas agências de fomento, que exigem projetos com começo, meio e fim perceptíveis para os avaliadores.

"Chamo isso de demanda criacionista, porque parte do pressuposto de que a ciência tem um 'design inteligente'. A metodologia da ciência não é um desenho, ela ocorre naturalmente, por seleção natural de idéias. Precisamos ser evolucionistas nesse sentido", disse.

Pena citou o cientista Linus Pauling, que dava a receita para a concepção de boas idéias: ter muitas idéias e jogar fora as ruins. "Para identificar as idéias ruins, é preciso ter experimentação e, para isso, é preciso ter recursos. Na pesquisa de risco, é preciso apostar de vez em quando em idéias inovadoras e não apenas naquilo que já se mostra bom a priori. A solução adequada seria voltar o foco, pelo menos em alguns casos, para a trajetória do pesquisador e não exclusivamente para o projeto", disse.

Eu estendo o que o Prof. Sergio mencionou também para os projetos de pós-doutoramento assim como para os projetos de pesquisas da maioria das agências financiadoras. Esta mentalidade que se incutiu na ciência brasileira nos últimos 25 anos tem que ser analisada sobre o prisma de seus benefícios e desvantagens assim como no seu tempo. O fato do pesquisador e estudante terem que solicitar recursos de pesquisa e bolsas para algo que já se mostre factível e bom a priori certamente traz uma série de garantias às agências financiadoras e também a credibilidade do sistema de pós-graduação. Graças a esta estratégia, a maioria das teses são “executadas” e “terminadas” e geram títulos e resultados.
Possivelmente esta estratégia foi importante num determinado momento para que a ciência saísse do patamar muito baixo em que se encontrava e, mesmo com recursos limitados, fosse para um patamar médio que se encontra hoje. Neste sentido esta estratégia foi importante e deve ser aplaudida. O problema é que se colocar no patamar médio não é o suficiente no mundo de hoje. O objetivo da ciência assim como das demais atividades humanas não deve ser o de alcançar à média (mediocridade), deve sim buscar fronteiras impensáveis até pouco tempo atrás (inovação). Neste momento, o modelo de projetos atuais passa a não ser tão útil. Pelo contrário passa a ser um fardo que nos impede de progredir como mencionado pelo Prof. Sergio.
Admito que a ciência brasileira progrediu graças em grande parte à organização da pós-graduação. Entretanto, agora o que eu vejo é que a ciência está impedida de continuar a progredir por estar demasiado atrelada a ela. É muito difícil ver que a ciência brasileira será um dia um exemplo de ciência de ponta com a estrutura baseada em estudantes de 23 a 27 anos que estão tendo seu primeiro contato com a ciência na vida. Se fosse possível fazer isto, outros países já o teriam feito. O que se vê em países que de fato fazem a ciência de ponta, é outro quadro. Nestes países, o programa de pós-graduação é universitário. Ou seja, serve para o ensino. Não visa sustentar a produção científica e muito menos a produção científica de ponta. Com base nesta premissa, a tarefa principal do estudante de PhD é o de estudar e aprender os conceitos científicos na prática. Este estudo o prepara para o desafio posterior, muito maior, que é o de produzir a ciência de ponta que nós, em geral, infelizmente, somente lemos nos periódicos mais conceituados. Este indivíduo já tem PhD e está no programa de pós-doutoramento. Sua idade média é na faixa de mais de 30 anos. Nos bons laboratórios de pesquisa onde se faz pesquisa de ponta, os estudantes de pós-doutorados trabalham por no mínimo 3 anos. Em vários casos este tempo até dobra para 6 anos. Não é também incomum ver pós-docs que já estejam no seu segundo ou terceiro pós-doc, portanto podendo chegar a até mais de 9 anos. Este grupo de pesquisadores dá uma característica importante e são os responsáveis pela ciência de ponta no mundo. Infelizmente, esta população de cientista está faltando no Brasil e certamente nos impede de subir além de um medíocre 24º no ranking de citações.
Bem neste cenário quais seriam as soluções para sairmos deste medíocre 240 lugar no ranking das citações e tentar se mover adiante rumo a uma ciência de ponta?
Infelizmente, nem eu, nem ninguém, tem um coelho dentro da cartola que acho que vai resolver este problema de uma só vez ou num tempo menor que 10 anos. Assim acho que deveríamos tentar buscar soluções com o maior numero de pessoas possíveis e discuti-las o mais rapidamente possível. Neste sentido as Sociedades Científicas como a SBI teriam um papel fundamental neste processo para agilizar e difundir o debate em busca das soluções.
Infelizmente vejo pouca mobilização neste sentido, pois a luta diária para conseguir recursos mínimos para pesquisa serve como uma inércia enorme. Ou seja, vale o pensamento “antes um diabo conhecido que um anjo desconhecido”.

Como mencionado acima pelo Prof. Sergio “A solução adequada seria voltar o foco, pelo menos em alguns casos, para a trajetória do pesquisador e não exclusivamente para o projeto". Esta solução é possível, mas certamente também polêmica, pois divergiriam estes fundos aos pesquisadores mais velhos que já tem “trajetórias”. Assim os mais novos seriam denominados “sem trajetórias” e poderiam iniciar um “movimento dos sem trajetórias (MST) em busca de espaço intelectual.
Eu pessoalmente preferiria levar estes fundos para os pesquisadores com alto impacto de citações. Estes indivíduos seriam identificados pelo número de citações por trabalho o que daria valores independentes da idade. Este grupo certamente elevaria o Brasil nos ranking das citações o que pode ser um dos objetivos tangíveis da ciência brasileira. Outra proposta seria o de dar auxílios proporcionais ao desempenho. Estes prêmios poderiam ser dados por ocasião de trabalhos publicados em revistas de alto impacto assim como após o trabalho ter atingido determinado número de citações num determinado período de tempo. Também proporia um auxílio emergencial para que os pesquisadores com dados muito promissores recebessem alguns recursos rápidos para terminar uma publicação visando uma revista de alto impacto. Por último investir num programa de pós-doutoramento de longo prazo com bolsas de 3 a 6 anos certamente teria um impacto na melhora do desempenho da ciência brasileira.
Certamente outras soluções podem ser sugeridas ao longo de um debate ágil e civilizado em busca de objetivos tangíveis e mensuráveis que não apavorariam os burocratas da ciência brasileira.

domingo, 13 de junho de 2010

Discriminação contra o sexo feminino na ciência

Na maioria dos ensaios clínicos bem como na maioria das disciplinas de pesquisa básica existe um viés para o sexo masculino em detrimento do feminino. Será que isso representa um risco contra a saúde da mulher? Uma série de três artigos publicados na Nature dessa semana discute as implicações da exclusão da mulher (bem com de grávidas) de ensaios clínicos e de fêmeas de estudos de cunho básico, e propõe alternativas para diminuir essa inequidade.

O artigo de Kim, Tingen and Woodruff (http://www.nature.com.ezproxy.med.nyu.edu/nature/journal/v465/n7299/full/465688a.html) ressalta a quase ausência de ensaios clínicos com um número significativo de mulheres, mesmo quando o tratamento a ser avaliado seja para tratar doenças que afetam mais as mulheres do que os homens. Considerando as inúmeras (e óbvias) diferenças entre homem e mulher, muitas das conclusões tiradas com esses ensaios podem não se aplicar às mulheres, colocando a sua saúde em risco. O artigo de Baylis (http://www.nature.com.ezproxy.med.nyu.edu/nature/journal/v465/n7299/full/465689a.html) discute os problemas causados pela falta de ensaios clínicos para mulheres grávidas, privando as gestantes de tratamentos mais adequados. Ambos os artigos propõem que os órgãos regulamentadores de ensaios clínicos estabeleçam critérios mais rígidos que permitiriam a inclusão das mulheres nos ensaios clínicos.

As explicações para esse exclusão sexista parecem razoáveis ao primeiro olhar: (1) variáveis introduzidas pelas flutuações hormonais; (2) o que for benéfico ou maléfico para os homens pode ser aplicado também para as mulheres; (3) no caso de mulheres grávidas, os potenciais riscos ao feto. Por outro lado, segundo os autores dos artigos, essas explicações não superam as desvantagens que a exclusão do sexo feminino de ensaios clínicos e da pesquisa básica pode causar à mulher.

Um fato interessante comentado no artigo de Zucker e Beery (http://www.nature.com/nature/journal/v465/n7299/full/465690a.html) é que enquanto em diversas áreas da ciência (especialmente neurociência, farmacologia e fisiologia) a proporção de uso de machos/fêmeas chega a ser de 5/1, eles identificaram um viés para o lado das fêmeas nos artigos de imunologia, quando esses indicavam o sexo dos animais utilizados. Por outro lado, 75% dos artigos de imunologia básica publicados em revistas de alto impacto não especificavam o sexo dos animais, o que geralmente significa que ambos os sexos foram utilizados sem preferência. Segundo os autores, deve haver uma sistematização, e os editores das revistas deveriam exigir que os artigos expliquem o por que da escolha de um dos sexos para os seus experimentos.

Claramente, entender melhor as diferenças ligadas ao sexo com desenhos experimentais direcionados é de fundamental importância para o avanço da ciência e para a busca de tratamentos mais eficientes para homens e mulheres. Mas será mesmo que a exclusão de fêmeas em algumas áreas da pesquisa básica é tão relevante assim, ou é simplesmente uma abordagem reducionista para tentar controlar pelo menos uma variável das inúmeras existentes?

sábado, 12 de junho de 2010

Suscetibilidade Genética a Doenças Infecciosas


A revista New England Journal of Medicine publicou recentemente um trabalho muito interessante do grupo de autores liderado por Adrian Hill (University of Oxford) em colaboração com o Genome Institute of Singapore. Os autores testaram a associação entre polimorfismos do CISH (que quer dizer “Cytokine-Inducible SRC Homology 2 (SH2) domain protein”), e três das mais importantes doenças infecciosas do mundo, a bacteremia, a tuberculose e a malária. A justificativa para o estudo deste polimorfismo é fundamentada pelo fato que as respostas imunes mediadas pela IL-2 são fundamentais para uma adequada defesa do hospedeiro contra diversos patógenos. O CISH é um supressor da sinalização induzida por citocinas e controla a sinalização da IL-2.

Para testar esta associação, os autores realizaram um estudo de caso-controle utilizando amostras de sangue de 8.402 indivíduos recrutados em várias localidades (Gâmbia, Hong Kong, Kênia, Malauí e Vietnã). O estudo descreve fortes associações entre variantes alélicas de múltiplos polimorfismos do CISH e uma maior suscetibilidade às diferentes doenças infecciosas estudadas nas diversas populações. Dentre os diversos polimorfismos, cinco SNPs mostraram maior relevância, cada um em uma população de uma região diferente. Assim, os SNPs no lócus do CISH mais importantes foram os das posições -639, -292, -163, 1320 e 3415. Quando estes cinco SNPs foram considerados em conjunto em um escore de SNP elaborado pelo grupo, a associação com a suscetibilidade à cada uma das doenças estudadas mostrou-se significativa (P=3,8 x 10-11 para todas as comparações). Por fim, o trabalho mostra que risco global de um dessas doenças infecciosas foi aumentado em pelo menos 18% entre pessoas que apresentam os estes alelos variantes CISH.

Estes resultados sugerem fortemente que os genes moduladores da sinalização induzida por citocinas têm um papel muito relevante contra várias doenças infecciosas.

Trata-se de um grande estudo com importante poder estatístico que vale a pena ser lido.

Acesse o trabalho aqui.

Artigo: Khor CC et al. CISH and susceptibility to infectious diseases. N Engl J Med 2010 3;362(22):2092-101.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Curiosidades sobre o eixo HPA e a regulação da resposta imune


Mês passado o Gabriel escreveu um post muito interessante sobre um artigo publicado pelo grupo do incrível Ruslan Medzhitov. Relembrando, o artigo demonstra que a maior susceptibilidade a infecções bacterianas que se segue a uma infecção por influenza se deve à ativação do eixo hipotálamo-pituitária(hipófise)-adrenal (HPA). A imunossupressão sistêmica consiste, na verdade, em um importante mecanismo de controle da resposta efetora que evita lesões teciduais decorrentes de uma ativação exagerada do sistema imune. Isto também é demonstrado no artigo e comentado no post do Gabriel. Resolvi então pegar esse gancho para escrever um pouco mais sobre o assunto. Atribui-se a descoberta da ativação do eixo HPA por citocinas inflamatórias, em especial a IL-1, e da sua importância na regulação da resposta imune à esse sujeito simpático que aprece na foto acima. O nome dele é Hugo Oscar Besedovsky. Ao fundo, de perfil, aparece a mulher dele, Adriana del Rey. São também companheiros no fazer ciência. A foto foi tirada em uma das visitas que eles fizeram ao Brasil, mais especificamente ao grupo de pesquisa liderado pelo Prof. João Palermo Neto. Os dois são argentinos, mas fizeram toda a carreira científica na Europa, em especial Suiça e mais recentemente Alemanha. Na Suiça, passaram por Davos e Basileia (ou Basel). Aí conviveram com o famoso ambiente do Instituto de Imunologia de Basel, fundado e liderado por muito tempo por Niels Jerne. Hugo diz que nunca se considerou um imunologista de carteirinha, mas muito mais um fisiologista. Um tanto na contramão da maior parte do que se fazia por ali, eles já estavam interessados em olhar para o sistema imune em um contexto diferente. Apesar da reconhecida plasticidade do sistema imune e, a partir daí, da enorme capacidade de regular a si mesmo, Hugo sempre esteve interessado em outros níveis de controle ou regulação, ou seja, aquela que ocorreria a partir da interação do sistema imune com outros órgãos ou sistemas. A partir dessa idéia, o grupo liderado por Hugo e Adriana construiu o que hoje é uma longa história descrevendo interações do sistema imune com o sistema nervoso, em ambos os sentidos, ou seja, como este influencia aquele e vice-versa. Visitar os artigos deles é um passeio legal para os que gostam do assunto. Aqui está o link para o que consolida o conceito de regulação da resposta imune pela ativação do eixo HPA. Acho que o grupo deles pode ser considerado um dos pilares fundadores da linha de pesquisa que hoje ganha o nome de neuroimunomodulação para uns ou psiconeuroimunologia para outros. No entanto, não poderia deixar de lembrar aqui um brasileiro que alguns anos antes do artigo do grupo do Hugo na Science já publicava dados que indicavam a participação de glicocorticoides endógenos no controle da inflamação. Em 1982, o Prof. João Garcia Leme demonstrou que a inflamação induzida por carragenina em uma pata inibia a resposta inflamatória na pata contra lateral injetada com o mesmo agente. A inibição do edema inflamatório estava associada ao aumento sérico de corticosterona e na discussão os autores já sugeriam uma possível participação do ACTH e do eixo HPA. Na verdade, já em 1975 o Prof. João Garcia Leme publicava o artigo intitulado ‘Stimulation of the hypothalamo-pituitary-adrenal axis by compounds formed in inflamed tissue’ com fortes evidências de que fatores solúveis presentes no tecido inflamado eram capazes de ativar o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal e desta forma, controlar a resposta inflamatória. Aí talvez o conceito tenha sido de fato inaugurado, por um brasileiro trabalhando aqui mesmo no Brasil. Infelizmente não tinha uma boa foto do já falecido Prof. João Garcia Leme para ilustrar o post.