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sexta-feira, 11 de julho de 2014

A Pré-Iniciação Científica

Fonte desta figura: http://desimbloglio.blogspot.com.br/2012/07/atrativos-da-ciencia-em-amsterdam.html
Colaboração: João Paulo do Carmo

Texto de Daniel Manzoni

Como despertar o interesse dos nossos adolescentes para a Ciência? É uma pergunta que sempre estamos nos fazendo nas últimas décadas com o objetivo de recrutar mais, e bons, cérebros para a ciência brasileira. A questão central não é apenas o despertar o interesse para ciência e sim como inserir o adolescente no mundo científico. Visto que, o simples interesse em fazer ciência é só um começo. 
Os alunos do ensino médio sempre ficam encantados com toda a ciência que mostramos e possibilitamos nas nossas apresentações ou programas de ensino. Para eles é um mundo completamente diferente e fascinante. E estando consciente dessa percepção, de mundo diferente, que devemos ter mais atenção quando temos como objetivo atrair mais jovens para a Ciência. A primeira perspectiva que devemos ter é entender a Ciência, o mundo científico, como uma forma própria de cultura; e que essa cultura é muito diferente da cultura da ciência escolar que os adolescentes são apresentados na escola. E que a passagem para esse novo mundo deve ser cuidadosa para evitar grandes frustrações. Tendo essa primeira perspectiva, temos a segunda: então como inserir os adolescentes na cultura científica? A possibilidade que vem ganhando força nas universidade públicas e privadas é o programa de Pré-Iniciação Científica (Pré-IC) que possibilita que estudantes, interessados, do ensino médio possam fazer um estágio por um período de tempo em diversos grupos de pesquisas – das três grandes áreas: humanas, exatas e biológicas. 
Em geral os programas de pré-IC recrutam os alunos indicados por professores das universidades que estão ligados a programas que mantém um contato estreito com escolas públicas. Com esse contato os professores da escola indicam aos programas de pré-IC os alunos que são interessados, tem bom rendimento dentro do espaço escolar e que tem disponibilidade de tempo. Uma das possibilidades para a escola é a participação de professores coordenadores que em algumas universidades participam de programas de formação. 
Conhecemos várias histórias de sucesso de jovens na ciência. Alunos que tiveram um excelente desempenho, com premiações e que acabam seguindo a carreira científica. Porém esse número de alunos ainda é pequeno quando comparado aos alunos que entram no programa. Muitos desistem no meio dos estágios. Trocam o estágio por ofertas que propiciam uma perspectiva de profissionalização, trabalho mais rápido e remuneração melhor (eu já presenciei vários desses casos). Outros porque realmente se deparam com um mundo completamente diferente do que estavam acostumados com a ciência na escola e as idealizações da ciência caem por terra. Sobre o primeiro grande motivo, há uma discussão que permeia até as escalas além da Pré-IC e nos atinge. Afinal, para nós mesmo já inseridos na cultura, nos manter animados diariamente com tantos problemas ao fazer ciência no Brasil já é um desafio, imagina na cabeça de um adolescente. Entretanto o segundo grande motivo abre uma discussão interessante: estaríamos ensinando ciência tomando um prisma distorcido para nossos jovens que ao se deparar com a cultura científica, muito diferente da encontrada na escola, causa uma desilusão tamanha? Na escola um simples experimento científico, protocolado, é uma demonstração padrão de um fenômeno, que privilegia o apenas fazer o experimento, em contrapartida ao estímulo a fazer perguntas e buscar por respostas. O mesmo se reflete nos nossos graduandos na bipartição entre o que está na sala de aula e o que encontram no laboratório ou no grupo de pesquisa que realizam estágio de iniciação? 
Tenho alguma experiência com o trabalho com jovens no programa de Pré-IC na imunologia e alguns colegas tem dúvidas de como trabalhar com esses jovens nesse programa. Não há uma fórmula pronta, assim como não há para trabalhar com outros em diferentes momentos da formação. Porém há três pontos que percebi, com os que já tive contato,  que podem ajudar no processo:
Desmotivação com a realidade da ciência. Qualquer coisa que tenha mais adrenalina que algumas horas na frente do citômetro de fluxo vai atrair mais a atenção e fazer com que eles desistam do estágio. A crise que percebo neles é que as expectativas dos resultados dos experimentos são as mesmas do foguetório: o resultado de um experimento feito é visto imediatamente e já pode sair comemorando. Uma distorção dos experimentos de biologia e etc que eles têm contato na escola e que não refletem na prática cotidiana da ciência. Essa transição da cultura escola para a cultura científica é estranha e deve ser encarada com paciência, pois até nós não ficamos tão felizes assim diante de um resultado esquisito do experimento. Nessa caso o mais importante é trazer o estudante para a discussão de como o conhecimento é construído, como as análises são feitas, como as hipóteses vão se materializando em resultados. 
Um estranho no ninho. E realmente são. E alguns vão perceber que tem habilidades para outras áreas dentro da ciência que não é aquela do laboratório que está ou que podem seguir algo interessante e contribuir para o laboratório usando suas verdadeiras habilidades. Não é o fim do mundo, alias é natural e saudável essa perspectiva. Já tive casos de excelentes futuros cientistas da computação que contavam células, mas que na verdade ajudavam muito mais o pessoal do laboratório com a questão do uso de programas de informática. Estava ali um  ‘bioinformata’ , um ‘estatístico’ que estava contribuindo com o grupo. A questão é conversar e escutar onde o talento dele pode ser aproveitado além do que já estava proposto. É uma forma interessante de motivar e inserir a habilidade do estudante no laboratório, pois todos os estudantes apresentam alguma habilidade que pode contribuir com o grupo ou laboratório.  
E depois do estágio... Quando se tem um resultado positivo, um aluno que cumpriu o estágio, aprendeu, participou do grupo, o que fazer para que mantenha essa chama acesa e não se perca com a descontinuidade do estágio? Essa é uma problemática em manter esse vinculo do estágio que ainda precisa ser pensada em nível administrativo, mas o que se pode fazer é manter o contato com o estudante, ir mostrando as possibilidades de ingresso na universidade, desde processos sociais de inclusão de bolsa, vestibulares de modos tradicionais, lugares e material que possam consultar para decidir sobre a carreira, conversa com mais profissionais da área. Essa orientação pode parecer vaga, mas é uma das principais durante o estágio: há perspectiva de futuro. 

Ainda estamos aprendendo com essa forma de jovens na ciência. Participar de um programa de Pré-IC, orientando um aluno ou contribuindo de outra forma, vai além de ajudar com a ciência brasileira, você participa diretamente da formação profissional de outro ser humano em uma fase que tudo passa a ser marcante e significativo.

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