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domingo, 4 de maio de 2014

JOURNAL CLUB IBA: UMA NOVA PISTA PARA A SONOLÊNCIA: A RESPOSTA IMUNE


Não temos muita certeza do papel do sono para o nosso organismo, mas é certo que qualquer distúrbio nesse processo pode comprometer a nossa qualidade de vida. A narcolepsia é um desses tipos de distúrbios caracterizado principalmente pelo sono excessivo, em qualquer hora e circunstância, como também pela atonia muscular. Essa doença foi descrita pela primeira vez no século 19, mas somente em 1960, após o conhecimento sobre as fases do sono, a doença começa a ser compreendida.
Inicialmente, foi observado que os pacientes narcolépticos possuem menos hipocretina no cérebro, um neuropeptídio importante no controle do ciclo sono-vigília. Quando os níveis de hipocritina estão elevados, ocorre um aumento de liberação de neurotransmissores relacionados à vigília, dentre eles a orexina. O sono decorre quando a hipocritina é inibida, principalmente por outro neutrotransmissor, como a melatonina. Assim, o balanço entre melatonina e hipocritina é uma reação fisiológica e diária.
Além disso, já na década de 90, foi observada uma forte associação entre o polimorfismo do HLA (Human Leukocyte Antigen, da sigla em inglês) e a narcolepsia, sendo que cerca de 98% dos indivíduos com narcolepsia apresentam o haplótipo HLA-DQ0602. Dessa forma, foi sugerido que a patogênese da narcolepsia poderia estar relacionada com processos autoimunes, contudo, os mecanismos imunológicos envolvidos ainda são pouco esclarecidos.
Recentemente, com a pandemia causada pelo vírus H1N1, foi observado um aumento acentuado de narcolepsia nos indivíduos infectados pelo vírus, como também naqueles que receberam a vacina Pandemrix®, encorajando a comunidade científica a buscar o entendimento da imunopatogênese da narcolepsia.
Dentro desse contexto, um trabalho recém-publicado na revista Science Translational Medicine acrescentou um ponto importante na elucidação dos fatores envolvidos na patogênese da narcolepsia. Já que os níveis de hipocretina estão reduzidos nos narcolépticos HLA DQ0602 positivos, sugerindo possível participação do sistema imunológico, os pesquisadores realizaram um screening da molécula de pré-prohipocretina, sendo encontrados dois epítopos (HCRT56–68 e HCRT87–99) capazes de se ligarem com alta afinidade à molécula de HLA-DQ0602. A fim de testar a reatividade de células T CD4+ a esses dois epítopos, eles criaram uma linhagem específica de células apresentadoras de antígenos (células T2.DQ0602), na qual a apresentação desses epítopos foi restrita ao alelo HLA-DQ0602. Entretanto, apesar da elevada afinidade desses epítopos pela molécula de HLA-DQ0602, somente as células T CD4+ de pacientes com narcolepsia foram ativadas pela apresentação desses antígenos, enquanto as células T CD4+ de indivíduos sadios HLA-DQ0602 positivos não foram ativadas.
Por último, como houve o aumento de casos de narcolepsia após infecção pelo vírus H1N1 em 2009 e após uso da vacina Pandemrix®, os autores avaliaram se os antígenos do vírus H1N1 poderiam reativar células T CD4+ específicas para a hipocretina. Foi demonstrado que, após a vacinação, houve o aumento de T CD4+ reativas à hipocretina somente nos indivíduos com narcolepsia, sendo a hemaglutinina (HA) o principal antígeno viral causador dessa reatividade cruzada.
Portanto, esses resultados sugerem um possível mimetismo molecular entre a HA viral e os epítopos HCRT56–68 e HCRT87–99 da hipocretina, o que poderia estar envolvido, em alguns indivíduos, com o desenvolvimento da narcolepsia após a exposição ao vírus H1N1, seja por meio da infecção ou pela vacinação (ver figura 1). 


Figura 1: Possíveis mecanismos para demonstrar o papel da infecção sazonal com H1N1 e a vacinação com Pandemrix na patogênese da narcolepsia. Células T periféricas autorreativas para a hipocretina podem reconhecer epítopos do vírus ou da vacina com o adjuvante, por meio do mimetismo molecular e migrar para o sistema nervoso central onde responderão contra a hipocretina. Além disso, essas células T, ativadas na periferia, podem ativar células B e células T citotóxicas. Os antígenos virais podem ativar diretamente células B a produzirem anticorpos. Adaptado de Singh, et al. 2013.

Post de Micássio Andrade e Julia Teixeira  (doutorandos FMRP-USP/IBA)

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