domingo, 30 de março de 2014

JOURNAL CLUB IBA: FIBRAS ALIMENTARES SOLÚVEIS DIMINUEM INFLAMAÇÃO ALÉRGICA PULMONAR POR MEIO DA PRODUÇÃO DE ÁCIDOS GRAXOS DE CADEIA CURTA



Sabe-se que a incidência de doenças alérgicas tem aumentado ao longo dos anos, principalmente em países desenvolvidos. Um dos fatores para esse aumento seria o tipo de alimentação em comum, visto países desenvolvidos (e com altos índices de asma na população) consumirem uma menor quantidade de frutas e vegetais. Esse efeito acarreta a baixa ingestão de fibras alimentares, as quais poderiam estar envolvidas no aumento de casos de asma alérgica.
Estudos mostram que a fibra alimentar é metabolizada e fermentada por bactérias da microbiota intestinal em ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs), os quais podem afetar a atividade inflamatória de células do sistema imune, tais como células T reguladoras (Patrick et al., 2013), mantendo a integridade do epitélio e prevenindo infecções do trato gastrointestinal. Além disso, estudos mostram que os SCFAs produzidos no intestino podem alcançar a circulação sistêmica (Cummings et al., 1987), podendo alterar a atividade de células imunes fora do sistema gastrointestinal.
Com isso, a fim de se investigar os potenciais efeitos benéficos da dieta rica em fibras na inflamação pulmonar alérgica, Trompette et al (2014) alimentou  camundongos com uma dieta rica em fibras e analisou o desenvolvimento da inflamação pulmonar induzida por extrato de poeira de ácaro doméstico (HDM).
 O grupo mostrou primeiramente que uma dieta pobre em fibras aumenta a suscetibilidade à inflamação alérgica pulmonar. E que somente uma dieta rica em fibras do tipo solúvel (encontrada principalmente em frutas e sementes) diminui a inflamação pulmonar por HDM. Os autores também mostraram que a ingestão de fibras solúveis aumentou a proporção de bactérias do filo Bacteroidaceae e Bifidobacteriaceae na microbiota intestinal (importantes para a fermentação de fibras solúveis em SCAFs, como o propionato). Corroborando esses dados, a administração de propionato por via intraperitonial, mas não oral, aumentou o número de precursores de células dendríticas na medula óssea por meio da ligação em receptor GPR-41 (mas não GPR-43). Curiosamente, por meio do tratamento com propionato, células dendríticas que chegavam ao pulmão em resposta ao HDM, possuíam um perfil mais imaturo, sendo ineficazes em ativar células Th2 ali presentes, impedindo a manutenção da resposta inflamatória alérgica das vias aéreas, melhorando, assim, o quadro clínico desses animais.
Enfimmmm!  Uma história lindaaa!!! Não fosse o fato de termos que ingerir mais frutas e cereais, (fontes de fibra solúvel) ao invés dos tão gostosos grumos de açúcar (ou complementos alimentares) precipitados num suco bemm docinho (sempre lógico, com a desculpa sem vergonha, de estarmos ingerindo frutas rs...). 



Post de : Gabriel Shimizu Bassi Amanda Zangirolano (doutorandos IBA – FMRP/USP)

quinta-feira, 27 de março de 2014

Regras de importação travam pesquisa científica no país

Este artigo foi publicado na UOL e acredito reflete a ansiedade dos cientistas brasileiros.
Publicado por Lygia da Veiga Pereira em 25/02/2014 (UOL) 

Meu ano profissional começou bem: tive dois projetos de pesquisa aprovados pelo CNPq: um deles dentro do programa Ciência sem Fronteiras, que vai financiar a vinda de um cientista inglês especialista em células-tronco para o nosso laboratório, e o outro dando mais verba para nossos projetos em terapia celular.  Ótimo, graças a muito trabalho de minha equipe, dinheiro para pesquisa não tem sido uma limitação para nós nos últimos anos.
Mas, então, por que a sensação de frustração?  Por que não conseguimos produzir resultados tão importantes quanto gostaríamos?  Por que a ciência brasileira, apesar de ter aumentado o número de artigos publicados, segue tendo um impacto baixo, segue "comendo pelas bordas"?

IMPACTO
90% dos pesquisadores brasileiros já mudaram os rumos de seus trabalhos ou desistiram de realizar algum experimento por causa de problemas com importação.
A questão é complexa, com elementos talvez históricos de uma cultura pouco empreendedora, e que não dá o devido valor à educação, da perversidade do funcionalismo público e sua estabilidade/isonomia incondicional, da baixa prioridade do item "pesquisa" na agenda nacional, entre outros.  Mas um problema crônico e enorme é a falta de agilidade que nós cientistas temos nas nossas atividades de pesquisa.
A ciência realmente inovadora é aquela cujos resultados não podemos prever.  Claro, temos sempre uma hipótese inicial – porém muitas vezes os resultados que obtemos apontam novas e interessantes direções, para as quais precisamos desenhar novos experimentos, que requerem novos reagentes. 
Mesmo tendo verba para comprá-los, é nesse momento que o processo empaca: invariavelmente, temos que esperar de 60 a 90 dias pela importação dos novos reagentes.
Esta é a realidade do pesquisador no Brasil. Um questionário feito por colegas da UFRJ em 2010 revelou que 99% dos cientistas brasileiros dependem de produtos importados para suas pesquisas.
Todos esperam de 1 a 24 meses (sim, dois anos) pela chegada dos produtos importados. Além disso, esses produtos ficam presos na alfândega, fazendo com que 76% dos entrevistados já tenham tido material perdido durante o processo.
Não é, então, de se espantar que 90% dos pesquisadores brasileiros já tenham mudado os rumos de seus trabalhos ou até mesmo desistido de realizar algum experimento por causa de problemas com importação.
O governo diz que está tudo funcionando muito bem com o programa Importa Fácil, mas 91% dos entrevistados não concordam, e seguem penando para fazer ciência no país. 
Essa falta de agilidade é uma enorme desvantagem competitiva em relação a países desenvolvidos, nos quais esses reagentes chegam em 2 ou 3 dias. O que nos resta é fazer o que é possível: uma ciência pouco inovadora (sem imprevistos) e superficial.
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O mais irônico é que as limitações todas são impostas pelo grande financiador de nossas pesquisas, o governo federal. Apesar de dizer que valoriza a atividade de pesquisa, o governo criou um labirinto legal para importações que não distingue um pesquisador de um potencial contrabandista.  E assim, dá um tiro no pé, impedindo o desenvolvimento científico do Brasil.
BUROCRACIA
O governo criou um labirinto legal para importações que não distingue um pesquisador de um potencial contrabandista
Mas ainda há esperança.  Atualmente, tramita no Congresso um projeto de lei para facilitar a importação de insumos para pesquisa, iniciativa dos deputados federais Romário e Mara Gabrilli. Cientistas, governo e população temos todos um objetivo em comum: melhorar a ciência no Brasil.
Vamos então juntar forças para elaborar um instrumento legal realmente eficaz, que transforme a forma de se fazer pesquisa no país.  Não é difícil, dessa vez não pedimos mais verbas, só precisamos de vontade política. O governo que resolver esta questão entrará para a história do desenvolvimento científico do Brasil.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Um paper na Nature vale mais que 20 no Xoroxó Journal of Experimental Medicine? ou 
O que julgamos ao avaliar a produção científica?

Produção científica por país em todas as áreas indexadas no Scopus (2012). 
Ordenamento por número de publicações (esq) e por citações (dir). Fonte: Scimago.

Há várias evidências que a produção científica brasileira se expandiu numericamente de forma robusta nos últimos anos mas que a qualidade (definida por citações recebidas) não acompanhou o mesmo ritmo de crescimento. Esta defasagem não é uma surpresa, ela ocorre com vários países (ou instituições), sem tradição prévia, que expandem rapidamente a sua produção. Há várias possíveis explicações. Não tentarei tratar extensivamente as causas aqui, mas colocarei as minhas idéias sobre duas delas. 
Um dos componentes da distância entre número de publicações e citações decorre da falta de confiança com os emergentes e isto pode ser curado com a produção continuada de boa ciência. Neste ponto é fundamental uma prática continuada de extremo cuidado com a integridade científica. O comportamento de alguns dos países emergentes com a fabricação de dados não tem ajudado a melhorar a imagem, para dizer o mínimo. 
O outro aspecto que leva à distância entre número de publicações e de citações é que vários países se contentam com a produção numérica e não dão o passo para trabalhar na fronteira do conhecimento. Para corrigir este problema é necessário fazer um diagnóstico da situação e adotar medidas que minimizem os entraves e estimulem o trabalho nos grande temas da ciência e/ou em estudos de maior envergadura (aqui penso em grande estudos de coorte e ensaios clínicos, por exemplo).
Fatores inter alia que prejudicam a atuação nas áreas avançadas da pesquisa:
  • Irregularidade no financiamento para a pesquisa;
  • Financiamento pulverizado, consumindo muito tempo/esforço para obtenção do nível adequado de financiamento;
  • Burocracia e dificuldade no uso dos recursos;
  • Ausência de mecanismos para formação de grupos multidisciplinares de pesquisa;
  • Periculum horrorem;
  • Vícios de avaliação que reforçam o status quo, como o estímulo continuado à produção numérica sem claro comprometimento com a qualidade.

Qual o papel da comunidade científica na correção da situação? Em vários dos pontos listados, a maior ação é a pressão sobre as instâncias decisórias. Contudo em alguns casos, como nos dois últimos ítens da listagem acima, o papel da comunidade científica é fundamental, pois ela mesmo os pratica e tem grande poder de decisão.
O nosso sistema de avaliação de propostas científicas tem tal horror ao risco que penso já constitui uma patologia: o Periculum horrorem. Se precisamos de uma chance enorme que os resultados confirmem nossa hipótese qual a chance de encontrar algo novo? Na maioria destes experimentos, apenas desejamos quantificar um fenômeno conhecido. Evidentemente que o risco de não confirmar a hipótese precisa ser contrabalançado com hipóteses e experimentos bem formulados. Não precisamos lembrar que o risco de não confirmar a hipótese também pode decorrer de hipóteses mal embasadas, desenhos experimentais falhos etc., ou seja má ciência. Assim, o trabalho de julgar se torna muito maior. 
O último ponto a tratar neste post se refere ao tema do título. Quantos de nós refletimos adequadamente sobre o futuro da ciência no Brasil quando estamos em comitês de análise de projetos ou bolsas, em bancas de teses e de concursos? Onde desejamos chegar? Queremos uma tonelada de trabalhos no JEM de Xoroxó ou algumas gramas de trabalhos fundamentais para a ciência? 
Ao estimular desenfreadamente a quantidade, reforçamos também várias práticas na fronteira ou mesmo em pleno terreno da falta de ética em ciência, como a autoria graciosa (autores que não participaram adequadamente do trabalho e nem sabem explicá-lo, e.g). Devemos reconhecer que entre os poucos sinais em prol da qualidade, estão os critérios de julgamento de bolsas do CA de Imunologia no CNPq. Infelizmente grande parte da comunidade os desconhece, pois envia as propostas sem ao menos tentar cumpri-los. Ao invés de número de publicações, o candidato deve:
  • Fazer uma avaliação crítica da produtividade científica (publicações) e acadêmica (formação de RH) alcançada no quinqüênio anterior;
  • Apresentar, para análise comparativa da qualidade das publicações científicas, 3 trabalhos científicos (ou mais) publicados de alta qualidade em revistas indexadas;
  • O candidato deverá ser obrigatoriamente o primeiro autor ou autor correspondente nestes 3 artigos escolhidos, devendo caracterizar liderança na condução de uma linha científica bem definida.

São perfeitos estes critérios? Evidentemente que não. Exigir tão estritamente liderança de todos os participantes não estimula a formação de grande grupos que demorarão mais para produzir trabalhos de alto impacto.

Precisamos refletir mais sobre o tema e propor mecanismos eficientes que contribuam para o salto da qualidade na ciência no Brasil.

PS.
Não confundir a hipotética Xoroxó com a cidade de Chorroxó-Bahia. Qualquer semelhança é mera coincidência sonora, até porque Chorrochó não é (ainda) sede de revistas científicas.

terça-feira, 25 de março de 2014

Modelo virtual de infecção traz novos insights sobre a resposta imune na infecção fúngica hematogênica


As infecções de corrente sanguínea (ICS) têm como uma das principais causas leveduras do gênero Candida, agente de micoses oportunísticas, responsável pela alta mortalidade e morbidade em hospitais terciários em diferentes países do mundo. Candida albicans ainda representa a espécie prevalente nas ICS, com taxas de isolamento entre 40 a 70% dos casos globais de candidemia.
            Estudos clínicos e experimentais têm buscado a compreensão de diferentes aspectos da resposta imune na candidíase hematogênica, com destaque para o papel crucial dos neutrófilos, monócitos e células natural killers na imunidade antifúngica. No entanto, pouco se conhece a respeito da dinâmica da interação in vivo entre patógeno e células do hospedeiro e os mecanismos de reconhecimento e ativação da resposta imune durante a infecção.
Em trabalho recente publicado por Hünniger et al. (2014), os autores avaliaram a resposta imune inata contra C. albicans utilizando um ensaio de infecção com sangue total humano associado a um modelo virtual matemático segundo o método de simulação de Monte Carlo. Esses estudos em conjunto permitem realizar uma análise quantitativa preditiva da dinâmica de interação entre o patógeno e o hospedeiro. Os resultados demonstraram o papel central dos neutrófilos na fagocitose e na atividade fungicida intracelular e extracelular nos diferentes tempos de estudo (até 4 horas após incubação de C. albicans com o sangue humano), em comparação aos monócitos. Os neutrófilos foram responsáveis por 98% da morte do fungo, evidenciando-se a ativação dessa população celular pela análise da expressão de marcadores de superfície (CD66b, CD11b e CD64) e detecção intracelular de intermediários reativos de oxigênio por citometria de fluxo, além da produção de citocinas proinflamatórias (IL-1β, TNF-a, IL-6 e IFN-g), de quimiocinas (IL-8 e MIP-1β) e de produtos da degranulação de neutrófilos (elastase, mieloperoxidase e lactoferrina) pela determinação dos níveis plasmáticos utilizando a tecnologia Luminex.
Nos ensaios de associação entre neutrófilos e células fúngicas foram testadas dez cepas clínicas de C. albicans provenientes de infecção hematogênica e uma cepa padrão de C. albicans (SC5314). Os resultados demonstraram padrões similares de associação das diferentes cepas aos neutrófilos do sangue total humano e mudanças na morfologia de C. albicans ao longo da infecção. Organismos intracelulares apresentaram diferentes tipos morfológicos, com interrupção da produção de estruturas filamentosas (hifas), enquanto as células fúngicas extracelulares formaram tubos germinativos e pseudo-hifas ao longo do ensaio, indicando capacidade contínua para filamentação. Nesse mesmo estudo, a evasão imune de C. albicans foi demonstrada pelo escape da fagocitose, manutenção da viabilidade celular e permanência no ambiente extracelular até o tempo de 4 horas de estudo. A resistência contra fagocitose e/ou morte de C. albicans não foi associada à filamentação do fungo e nem à exaustão ou inativação das células da imunidade inata. A resistência aos mecanismos de defesa inatos pode estar associada à presença de componentes da parede celular do fungo que se ligam aos fatores do hospedeiro, atuando dessa forma como fatores de virulência que aumentam a capacidade de invasão e disseminação fúngica e merecem investigação em experimentos futuros.   
Com base nesse modelo de infecção, os autores concluem que a resistência de C. albicans à fagocitose pode ser um dos fatores responsáveis pelas altas taxas de disseminação desse fungo em infecções hematogênicas, com papel primordial dos neutrófilos no controle inicial da infecção e enfatizam ainda a importância de modelos experimentais quantitativos para avaliar a dinâmica da resposta imune em um ambiente complexo como o sangue humano.

Referências

1)              Arendrup MC. Epidemiology of invasive candidiasis. Curr Opin Crit Care 16:445-52. doi: 10.1097/MCC.0b013e32833e84d2 (2010).
2)              Guinea J. Global trends in the distribution of Candida species causing candidemia. Clin Microbiol Infect. Feb 10. doi: 10.1111/1469-0691.12539. [Epub ahead of print] (2010).
3)              Hünniger K, Lehnert T, Bieber K, Martin R, Figge MT, Kurzai O. A virtual infection model quantifies innate effector mechanisms and Candida albicans immune escape in human blood. PLoS Comput Biol. Feb 20;10(2):e1003479. doi: 10.1371/journal.pcbi.1003479. eCollection 2014 Feb (2014).
4)              Nucci M, Queiroz-Telles F, Alvarado-Matute T, Tiraboschi IN, Cortes J, Zurita J, Guzman-Blanco M, Santolaya ME, Thompson L, Sifuentes-Osornio J, Echevarria JI, Colombo AL; Latin American Invasive Mycosis Network. Epidemiology of candidemia in Latin America: a laboratory-based survey. PLoS One. 8(3):e59373. doi: 10.1371/journal.pone.0059373. Epub 2013 Mar 19 (2013).
5)              Pfaller MA, Diekema DJ. Epidemiology of invasive candidiasis: a persistent public health problem. Clin Microbiol Rev 20: 133-163 (2007).

Post por Angela Nishikaku

segunda-feira, 24 de março de 2014

Informações Iniciais sobre o Destino de Linfócitos T CD8+ durante a Imunidade Adaptativa são Reveladas pela Análise de Expressão Gênica Célula-Específica



Modelo temporal para predição de vias de diferenciação de linfócitos T CD8+ individuais. (a) Modelo mais provável para diferenciação de linfócitos T CD8+ com mudanças-chaves na expressão gênica associado com as seguintes transições celulares: células não primadas para pré-TSLE; não primadas para pré-memória; pré-TSLE para TSLE; pré-memória para memória efetora e pré-memória para memória central. (b) Genes com mudanças consistentes na sua expressão durante cada fase de transição celular, preditos pelo modelo temporal para a diferenciação de linfócitos T CD8+ (mudança na expressão durante uma transição comparada com mudança na expressão durante outras transições). Fonte: Adaptado de Arsenio et al., Nature Immunology, 2014.


Durante uma infecção microbiana, linfócitos T responsivos se subdividem em duas classes distintas de progênies celulares: células efetoras que promovem a defesa inicial do hospedeiro e células de memória de longa vida responsáveis pela imunidade duradoura. Células T efetoras de vida curta, diferenciadas terminalmente (células TSLE) podem ser identificadas fenotipicamente pela expressão do receptor tipo lectina KLRG1 e pela baixa expressão do receptor para IL-7 (IL-7R). Pelo menos duas subpopulações distintas das células de memória, células T de memória central (células TCM) e células T de memória efetora (células TEM) já foram descritas. Essas células podem ser distinguidas com base em sua capacidade proliferativa, citotoxicidade, localização anatômica e expressão de certos receptores de migração e de quimiocinas, incluindo L-selectina (CD62L) e CCR7, respectivamente.

Estudos prévios utilizando transferência adotiva de células individuais e a abordagem de código de barras genético demostraram que linfócitos T CD8+ não primados podem originar células com mais de um destino e serão capazes de gerar todos os destinos celulares necessários para uma resposta imune efetiva. O processo pelo qual linfócitos T ativados individuais produzem progênies efetoras ou de memória e o tempo pelo qual essas vias de diferenciação iniciam esse processo de diferenciação celular, permanecia ainda desconhecido.

Um grupo de pesquisadores liderados pelo Dr. John T. Chang do Departamento de Medicina da Universidade da Califórnia nos EUA em estudo recente publicado na revista Nature Immunology, abordou exatamente essa questão. Os pesquisadores combinaram análise de expressão gênica de uma célula-específica e análises de bioinformática para traçar o mapa transcricional de linfócitos T CD8+ individuais por meio do acompanhamento da resposta imune in vivo.

Para delinear a hierarquia e os mecanismos de diferenciação de células T CD8+ durante uma resposta imune adaptativa, considerando-se uma célula-específica, foi utilizado um sistema experimental que permite investigar a expressão gênica de linfócitos T CD8+ individuais por meio do curso de uma infecção microbiana in vivo. Células T CD8+ OT-I, que possuem um TCR transgênico capaz de reconhecer epitopos de ovalbumina (OVA), foram transferidas adotivamente para camundongos selvagens receptores. Após 24 h, os camundongos foram infectados por via intravenosa com a bactéria Listeria monocytogenes recombinante que expressa ovalbumina (Lm-OVA) e os linfócitos T CD8+ isolados foram analisados, considerando-se células TSLE (KLRG1hiIL-7lo), células T potencialmente precursoras de memória celular (KLRG1loIL-7hi), células T TCM (CD44hiCD62Lhi) e TEM (CD44hiCD62Llo). 

Adicionalmente, análise de expressão gênica por PCR em tempo real foi realizada, caracterizando-se genes que codificam proteínas reguladoras transcricionais, capazes de influenciar a diferenciação de linfócitos T CD8+, citocinas, quimiocinas e seus receptores e moléculas associadas com migração para os tecidos e sobrevivência celular.

Os dados demonstraram que assinaturas de expressão gênica preditoras de destino celular podem ser encontradas muito precocemente, desde o primeiro estágio de divisão celular dos linfócitos T. Esse fenômeno pode estar sendo influenciado pela partição assimétrica do receptor para IL-2 (IL-2Ra) durante o processo de mitose celular. Assim, a decisão de um linfócito T específico em produzir células efetoras e de memória celular é feita quase no momento da infecção microbiana. Dessa forma, o “linfócito-mãe” se divide em duas células-filhas, que já são diferentes ao nascimento, enquanto uma torna-se célula efetora, a irmã torna-se célula de memória.

Esses achados enfatizam a importância das análises de células individuais na compreensão do destino de populações celulares específicas, bem como na geração de novos conhecimentos para especificação de destinos distintos de linfócitos em fases iniciais da resposta imune contra infecções microbianas. Uma vez que a proposta primária de vacinas é produzir uma proteção imune durável e protetora e que depende significativamente da geração de linfócitos de memória, esse estudo sugere que o caminho que linfócitos T se dividem durante as fases iniciais de uma infecção microbiana pode ser decisivo para produção efetiva de células de memória. Estratégias que ampliem esse processo poderiam potencialmente aumentar a duração da imunidade e auxiliar o delineamento de vacinas mais efetivas.

Referências
- Stemberger, C. et al. A single naive CD8+ T cell precursor can develop into diverse effector and memory subsets. Immunity 27, 985–997 (2007).
- Gerlach, C. et al. One naive T cell, multiple fates in CD8+ T cell differentiation. J. Exp. Med. 207, 1235–1246 (2010).

- Arsenio J, Kakaradov B, Metz PJ, Kim SH, Yeo GW, Chang JT. Early specification of CD8(+) T lymphocyte fates during adaptive immunity revealed by single-cell gene-expression analyses. Nat Immunol. 2014 Apr;15(4):365-72. doi: 10.1038/ni.2842. Epub 2014 Mar 2.

domingo, 23 de março de 2014

JOURNAL CLUB IBA: Inflamação induzida por radiações UV promove angiotropismo e metástase em melanoma


Melanoma é a forma mais letal de câncer de pele.  Ele se desenvolve através de mutações acumuladas em genes críticos para a sobrevivência em melanócitos. Muitos são os fatores de risco para o seu desenvolvimento, mas o mais relevante é a exposição aos raios solares, particularmente a luz ultravioleta B (UVB). Ela incide na epiderme atingindo diretamente os melanócitos. Esta irradiação promove alterações em seu DNA (Hiromietal,2011) além de  inflamação em queratinócitos (Fisher D. E. Flaherty K.T., 2011. Isto já é um consenso e todos conhecem a importância de proteger-se de raios UV para evitar o desenvolvimento de câncer. O que ninguém comenta é o efeito da UV na lesão já estabelecida.
O principal problema do câncer é a propensão das células tumorais em desenvolver metástase. Metástase é definida como lesões tumorais detectadas em órgãos distantes de um tumor primário. O melanoma ganha potencial metastático já no inicio da progressão, dando ao tumor um caráter mais agressivo (Barnhill, RL,2004). Para que a disseminação tumoral seja realizada, é necessária a formação de novos vasos, um processo conhecido como angiogênese em que células inflamatórias estão intimamente envolvidas (Sarah E.Jet al 2013).  Além da angiogênese, um fator que aumenta o desenvolvimento de metástases é o angiotropismo, o qual se dá pela afinidade e ocupação dos tumores à região perivascular (Lugassy C, 2006).
Mas o que causa esta progressão metastática?
Neste ano, Bald e colaboradores, usando um modelo transgênico de camundongo capaz de mimetizar a doença em humanos, observaram que repetidas irradiações UVB em melanoma já estabelecido, provocou metástase para o pulmão sem afetar o crescimento primário do tumor. Este efeito foi dependente da secreção da proteína HMGB1 por queratinócitos expostos a UVB. Esta proteína secretada recrutou e ativou neutrófilos via TRL4-MyD88. Após a sua ativação, neutrófilos secretaram TNF-α e este cenário favoreceu a angiogenese e o angiotropismo.
Quando neutrófilos foram depletados ou o recrutamento de neutrófilo dependente de HMBG1 foi inibido, houve uma diminuição de melanócitos em torno do vaso sanguíneo, demonstrando que a resposta inflamatória neutrofílica dependente de HMGB1 é um importante mecanismo para o angiotropismo e metástase.
Desta forma, Bald et al demonstraram que UVB induziu inflamação em queratinócitos do microambiente tumoral provocando o recrutamento de células do sistema imune inato, principalmente de neutrófilos. Este recrutamento neutrofilico resultou em uma resposta inflamatória favorável ao processo angiogênico além de promover habilidade de angiotropismo nos melanomas, culminado em metástase.
Este trabalho evidenciou a necessidade de investigações mais aprofundadas dos mecanismos que controlam a interação entre melanoma e células endoteliais para o delineamento de novas estratégias de tratamento da progressão metastática.

Figura 1 . Esta figura demonstra a radiação UV provocando liberação de HMGB-1 nos queratinócitos, a qual iniciará o processo inflamatório neutrofílico via TLR-4/Myd88. Uma vez no ambiente tumoral, o neutrófilo produz TNF-α, o qual irá estimular a capacidade migratória da celular tumoral em relação a matriz extracelular e a região perivascular, além disso o TNF-α também induz angiogênese. Angiotropismo combinando a angiogênese contribuem para a metástase induzida pela radiação UV. Coffelt SB, De visser K, 2014.

Este trabalho evidenciou a necessidade de investigações mais aprofundadas dos mecanismos que controlam a interação entre melanoma e células endoteliais para o delineamento de novas estratégias de tratamento da progressão metastática.


REFERÊNCIAS

1. Hiromi, N., Nakano, H., Matsuzaki, Y., Sawamura, D., &Hanada, K. (2011). Immunohistochemical analysis of in vivo UVB-induced secretion of IL-1α and IL-6 in keratinocytes. Molecular Medicine Reports, 4(4), 611-61
             


3. Barnhill, RL. Pathology of Melanocytic Nevi and Malignant Melanoma.2nd ed. Springer; New York: 2004.

4. Sarah E.J. Chambers, Christina L. O’Neill, T. Michelle O’Doherty, Reinhold J. Medina, Alan W. Stitt (2013). The role of immune-related myeloid cells in angiogenesis. Immunobiology 218 (2013) 1370–1375.

5. Lugassy C, Vernon S.E., Busam K., Jean A. EngbringJ.A.,Welch, Poulos EG, Kleinman HK, Barnhill R.L., Angiotropism of Human Melanoma: Studies Involving In Transit and Other Cutaneous Metastases and the Chicken Chorioallantoic Membrane: Implications for Extravascular Melanoma Invasion and Metastasis. Am J Dermatopathol. 2006 June ; 28(3): 187–193.


7. Coffelt SB, De visser K. (2014) Inflammation lights the way to metastasis, Nature, vol 507.

Post de Paulo e Denise (FMRP/USP-IBA)