segunda-feira, 21 de maio de 2012

Um simples método para responder uma boa pergunta: neutrófilo no canudinho.


Um simples método para responder uma boa pergunta: neutrófilo no canudinho.



Pessoalmente, eu sou um admirador do neutrófilo. Talvez pela minha personalidade ansiosa, eu tenha me identificado com esse leucócito. Os mecanismos que regem a migração de neutrófilos para os locais de inflamação e infecção estão em constante descoberta, e com os novos métodos de marcação celular e de visualização da microcirculação in vivo (microscopia intravital), grandes avanços têm sido feito. Hoje podemos observar de maneira muito precisa o relacionamento desses leucócitos com o endotélio, o rolamento, a transmigração, o “crawling” e por último, o extravasamento destas células para o meio extravascular. Esse processo, conhecido como diapedese, envolve grande gasto energético e modificações drásticas no citoesqueleto. Sendo assim, os neutrófilos migram sempre seguindo um gradiente quimiotático (geralmente formado por quimiocinas e produtos bacterianos e/ou necróticos). Entretanto, se estes produtos e mediadores – outrora presentes nos tecidos -  se disseminam também pela circulação sistêmica, o tal “gradiente quimiotático” se extingue : o neutrófilo não sai mais do vaso e se acumula em órgãos remotos ao sítio de inflamação (como pulmão, fígado, cérebro). De fato, quando um neutrófilo é exposto a grandes concentrações de agentes quimiotáticos, há uma polimerização aguda e geral do citoesqueleto, levando a um quadro de paralisia celular ou de movimentos errantes (quimiocinese), justificando em parte a retenção destas células na microcirculação.

Os neutrófilos, por circularem por todo o organismo, encontram as mais diversas formas de microcirculação pelo trajeto. Alguns capilares (pulmonares, por exemplo) têm o lúmen bem menor (5um, em média) do que o diâmetro do neutrófilo (em torno de 9-10 um). Assim, em condições normais, os neutrófilos passam “espremidos” pelos capilares pulmonares.  Essa observação, em conjunto com o exposto acima, levou a seguinte pergunta: “seria o mecanismo de retenção de neutrófilos em capilares de lúmen reduzido um ato meramente mecânico?”

Agora que vem a parte que eu considero brilhante:  como responder isso com um método simples?
Para responder essa pergunta, o grupo do Dr Downey usou ferramentas simples: neutrófilos e um tubinho de vidro.

Resumindo a história: o grupo purificou neutrófilos e os forçou a passar por um tubinho de vidro (capilar) com a mesma espessura de um capilar pulmonar. No trajeto, essas células eram acompanhadas e o tempo decorrido marcado. Em situações normais, os neutrófilos passaram numa boa pelo tubinho. Entretanto, quando estas células foram pré-incubadas com um peptídeo bacteriano (fMLP), elas não mais se “espremiam” no tubinho: elas ficaram presas dentro dele. Daí, foi só confirmar que o movimento era independente de moléculas de adesão (CD11b) e dependente de citoesqueleto (bloqueio de actina com citocalasina).

Pronto: Aceito na Science em 1989. Eu tinha 8 anos nesta época e nem imaginava que um dia eu iria trocar meu Atari por um microscópio...

Claro que não deve ter sido tão simples, e que vários papers depois desse mostraram que moléculas de adesão podem sim, em certas situações, participar do recrutamento de neutrófilos mesmo em capilares muito finos. O que fica de brilhante, na minha opinião, é a ideia e a capacidade de usar métodos não ortodoxos para explicar fenômenos biológicos. A avalanche de anticorpos e animais geneticamente modificados é sensacional – mas não deve minar a criatividade do cientista.

ReferênciaMechanics of stimulated neutrophils: cell stiffening induces retention in capillaries.
Science. 1989 Jul 14;245(4914):183-6.



4 comentários:

  1. Gustavo, interessante a sua comparação com o canudo! :) Também gosto de observar e me impressiono com os métodos simples e criativos...

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    1. Oi Cris: obrigado pelo post! Esses métodos me fascinam tb... Abraços!!!

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  2. Gustavo, cada vez que vejo, ouço e leio coisas deste gênero lembro de uma frase que traduz a minha paixão pela ciência: "A coisa mais bela que o homem pode experimentar é o mistério. É essa emoção fundamental que está na raíz de toda ciência e toda arte". Albert Einstein.

    Parabéns pelo post.

    Gislaine

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  3. Oi Gislaine! obrigado pelo interesse. Compartilho de sua paixão pela ciência! Abraços!! Gustavo

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