domingo, 11 de dezembro de 2011

Journal Club – Iba: A rescue gone wrong

A evolução permitiu um maior aperfeiçoamento da resposta imune, que, passou de mecanismos de reconhecimento gerais, como os receptores de reconhecimento padrão e o sistema complemento, ao reconhecimento refinado e a resposta orquestrada, com a apresentação de antígenos e os linfócitos T. Dentre os mecanismos de imunidade inata mais ancestrais, presentes não só em mamíferos, o sistema complemento compreende proteínas séricas que exercem diversas funções no organismo, uma das quais é promover a fagocitose de patógenos. O fragmento C3b do complemento, gerado quando uma das cascatas de ativação é iniciada, é capaz de ligar-se a bactérias, que, por sua vez, são reconhecidas por macrófagos e neutrófilos que expressam receptores específicos para este fragmento. Outros trabalhos sugerem a participação do C3b na elaboração de uma resposta citotóxica contra Listeria, mas o mecanismo pelo qual isso acontece não era conhecido.

A participação de células dendríticas CD8α+ na infecção por Listeria é fundamental no priming de CTLs, pois as mesmas são capazes de fagocitar patógenos citosólicos e realizar a apresentação cruzada via MHC-I. Contudo, alguns trabalhos demonstravam que a presença destas células favorecia a colonização do baço por Listeria, apesar de sua importância na elaboração da resposta imune adaptativa. Os mecanismos pelos quais isso ocorria não eram conhecidos até o trabalho de Verschoor e colaboradores, 2011, que mostraram, elegantemente, como a Listeria encontra no baço um nicho de sobrevivência. Além disso, evidenciou-se o papel das plaquetas no processo, até então conhecidas somente por realizar aglutinação em bactérias presentes no sangue, mas sem participação direta na geração de imunidade adaptativa e promoção da fagocitose. O trabalho demonstra como essas células revelaram-se o calcanhar de Aquiles do sistema imune, já que o alto grau de refinamento revelou-se, paradoxalmente, um fator de sobrevivência para a Listeria.

Edelson e colaboradores (2011) demonstraram como Células Dendríticas (DC) CD8a+ participam da suscetibilidade à infecções pela bactéria intracelular Listeria monocytogenes. Foi utilizado um modelo experimental consistindo de camundongos deficientes no fator de transcrição Batf3, o que impede o desenvolvimento de DCs CD8a+. Apesar da perda destas células, foi observado que camundongos Batf3-/- exibiram maior resistência à infecção por L. monocytogenes. Em camundongos selvagens infectados por Listeria, estas bactérias localizaram-se inicialmente na zona marginal do baço, migraram para a bainha linfóide periarteriolar (PALs) onde cresceram exponencialmente e induziram apoptose generalizada de linfócitos. No entanto, em camundongos Batf3-/- as bactérias localizam-se na zona marginal, falharam em migrar para a PALs e foram rapidamente eliminadas por fagócitos. Adicionalmente, camundongos Batf3-/-, os quais também são deficientes em DCs CD103+ periféricas, mostram proteção à infecções por L. monocytogenes no fígado. Estes resultados sugerem que DCs CD8a+ e CD103+ dependentes de Batf3 promovem pontos iniciais de entrada celular para o sistema reticuloendotelial pelo qual Listeria estabelece infecções produtivas.

Sendo as DCs CD8α+ do baço APCs essenciais para gerar uma resposta efetora contra L. monocytogenes (LM), como essas bactérias conseguem vencer a barreira fagocitária do sistema reticuloendotelial e ter acesso a essas DCs? Para responder essa pergunta, foi publicado um artigo na Nature Immunology que mostrou a importância do fator C3 do complemento para entrega da LM para as DCs CD8α+ presentes no baço. Em animais C3-/- (ou tratados com fator de veneno de cobra) e infectados com LM, a carga bacteriana no baço é reduzida no início da infecção. A colonização pela LM foi confirmada nas DCs CD8α+, mas apenas a associação de C3 com a bactéria não foi suficiente para explicar essa entrega. Essas bactérias associam-se também às plaquetas e por intermédio de C3, de forma bem rápida após a infecção sistêmica e por um receptor chamado glicoproteína Ib (GPIb).


Esse mecanismo mediado pelas plaquetas impede que a LM seja fagocitada e eliminada rapidamente por macrófagos presentes no sistema reticuloendotelial, permitindo que elas cheguem à zona marginal do baço, onde estão as DCs CD8α+, que por sua vez fagocitam e apresentam os antígenos para células T CD8+. A ligação da bactéria com plaquetas, portanto, direciona a fagocitose para DCs CD8α+ e impede a fagocitose por macrófagos. Porém, há um problema: a L. monocytogenes aproveita esse mecanismo para sua própria sobrevivência e se multiplica no baço, já que as DCs CD8α+ não são células eficientes no killing, permitindo o escape da bactéria do fagolisossomo e sua sobrevivência dentro desta APC. Desta forma, a LM é capaz de infectar novas células e expandir-se no baço. Um verdadeiro “Calcanhar de Aquiles”. Esse mecanismo de “entrega” foi verificado na infecção por outras bactérias, tais como Staphylococus aureus, Enterococcus fecalis e Bacillus subtilis, mostrando que bactérias gram-positivas também são passíveis de agregação plaquetária mediada pelo C3.

Post de Jaqueline Raymondi, Luiz G. Gardinassi e Giuliano Bonfá

Um comentário:

  1. Bom trabalho, caros estudantes. Agora as plaquetas…
    Muito bom.

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