Células T reguladoras (Treg) são essenciais para a manutenção de um sistema imune equilibrado. A evidência mais convincente da importância das Treg são os pacientes que apresentam mutação do gene Foxp3 e desenvolvem a síndrome fatal IPEX (immune dysregulation, polyendocrinopathy, and enteropathy X-linked). Diversos mecanismos já foram propostos para explicar como as Treg regulam a resposta imune (Vignali et al 2008). A expressão de Foxp3 parece ser fundamental já que a deleção desse gene em Treg maduras gera células capazes de causar inflamação (Williams & Rudensky 2007). Uma das questões no vasto campo das Treg que ainda não está completamente respondida é como as Treg se mantém nos tecidos, e se elas também apresentam plasticidade, a famosa característica das células tronco mas também de várias células T (e assunto de alguns posts aqui no nosso blog - http://blogdasbi.blogspot.com/#uds-search-results).
Para responder à essas perguntas, o grupo de Alexander Rudensky do Memorial Sloan-Kettering Cancer Institute de Nova Iorque usou uma estratégia genética bem legal para estudar o “fate mapping” das células T reguladoras. O fate mapping é uma estratégia já bastante conhecida – consiste em utilizar a recombinase Cre, controlada pelo promotor de interesse, para deletar um “stop cassette” flanqueado da sequência alvo dessa recombinase (loxP). Esse stop cassette impede a transcrição da proteína fluorescente YFP, inserida abaixo do cassete. Como a deleção é permanente, células que em algum momento expressaram o gene cujo promotor controla o Cre passam a expressar permanentemente o YFP, mesmo que a expressão do gene que controla o Cre seja temporária. O grupo de Rudensky gerou camundogos knock-in que expressam o Cre sob o contole duplo do locus do Foxp3 e do domínio regulatório do receptor de estrógeno humano (ERT2). Essa construção, além de garantir que a recombinase seja expressa só em células que estão expressando o Foxp3, ainda condiciona a sua atividade ao tratamento com tamoxifeno, análogo de estrógeno. O tratamento desses camundongos com tamoxifeno leva portanto à expressão de YFP somente nas células que estavam expressando o Foxp3 no momento do tratamento (Figura 1).
Figura 1. Figura suplementar 1 do artigo de Rubtsov e colaboradores ilustrando a estratégia utilizada para avaliar a expressão de Foxp3 por células reguladoras.
Após admistração de tamoxifeno, eles avaliaram a expressão de Foxp3 nas células CD4+ YFP+, ou seja, em
bona fide Treg. Em condições fisiológicas, na ausência de estímulo inflamatório, a grande maioria das células manteve-se Foxp3+ (eGFP+) na periferia por até um período de 5 meses após admistração de tamoxifeno, sugerindo que as Treg não se diferenciam em outra subpopulação de células T CD4. Para saber se a manutenção de Treg na periferia dependia do timo, eles fizeram o mesmo experimento em animais timectomizados e observaram a mesma frequência de Treg em animais com e sem timo, mostrando que o pool de Treg na periferia se auto-mantém. Em seguida, os autores avaliaram se o mesmo ocorreria durante uma infecção uma vez que dados de trabalhos anteriores sugeriram que na presença de estímulos inflamatórios gerados após infecção as Treg perdem a expressão de Foxp3 e se diferenciam em células T efetoras (Zhou et al 2009). Entretanto Rubtsov e colaboradores observaram que a infecção com Listeria monocytogenes resultou em aumento significativo de células produtoras de IFN-gama, característico de uma resposta Th1, mas as células YFP+ mantiveram a expressão de eGFP, mostrando que as células que já eram Treg continuaram sendo Treg mesmo em um microambiente inflamatório. A estabilidade das Treg também foi testada durante uma resposta autoimune. Para isso, o grupo de Rudensky usou dois modelos de doença auto-imune, diabetes e artirte. Em ambos os modelos, as Treg transferidas mantiveram o seu fenótipo de célula T reguladora.
Os resultados desse artigo mostram que, diferentemente de outras populações de células T CD4 efetoras, as Treg não são plásticas e mantém seu fenótipo em diferentes microambientes. Esse mecanismo de auto-renovação e manutenção parece ser bastante eficiente, garantindo a presença de treg estáveis durante toda a vida de um indivíduo. Vale a pena ler o artigo que foi publicado na Science na sexta-feira passada (Rubtsov et al, 2010).
Referências:Vignali DA, Collison LW, Workman CJ. How regulatory T cells work. Nat Rev
Immunol. 2008 Jul;8(7):523-32.
Williams LM, Rudensky AY. Maintenance of the Foxp3-dependent developmental
program in mature regulatory T cells requires continued expression of Foxp3. Nat
Immunol. 2007 Mar;8(3):277-84
Zhou X, Bailey-Bucktrout S, Jeker LT, Bluestone JA. Plasticity of CD4(+)
FoxP3(+) T cells. Curr Opin Immunol. 2009 Jun;21(3):281-5.
Yuri P. Rubtsov, Rachel E. Niec, Steven Josefowicz, Li Li, Jaime Darce, Diane Mathis, Christophe Benoist, and Alexander Y. Rudensky. Stability of the Regulatory T Cell Lineage in Vivo. Science 24 September 2010: 1667-1671.