BLOG DA SOCIEDADE
BRASILEIRA DE IMUNOLOGIA
Acompanhe-nos:

Translate

domingo, 1 de novembro de 2015

Journal Club IBA: Infeção aguda gera sequelas e compromete a imunidade tecido-específica


Uma resposta imune eficaz conduz a uma eliminação rápida dos agentes infecciosos, aparentemente com pouco comprometimento a longo prazo para o hospedeiro. Todavia, estudos vem demonstrando que a exposição a determinados agentes patogênicos pode desencadear consequências sobre a função da resposta imunológica. Assim, alguns autores discutem a possível associação de infecções agudas e transitórias ao posterior aparecimento de doenças inflamatórias crônicas (Sartor, 2005) - mesmo após a morte do agente infeccioso inicial – porém, sem encontrarem uma relação temporal entre as mesmas.
Dessa forma, o trabalho de Fonseca e colaboradores (2015), esclarecendo de forma bastante elegante essa questão, vem demonstrar que infecções agudas comumente consideradas como self-limitantes, podem na verdade, afetar de forma duradoura a resposta imunológica local por provocar “cicatrizes” no sistema imune do hospedeiro, que por sua vez desencadeiam uma maior propensão às doenças inflamatórias crônicas.
Inicialmente, os autores demonstraram que após a infecção intestinal com Yersinia pseudotuberculosis, cerca de 70% dos camundongos desenvolveram linfadenopatia mesentérica crônica (LC) mesmo após a eliminação da bactéria. Em seguida, ao avaliar se o desenvolvimento da tolerância oral estava comprometido, estes animais LC+ quando alimentados com OVA por 6 dias apresentaram uma redução significativa no número e na frequência de células T reguladoras geradas no tecido linfoide associado ao intestino, desenvolvendo um quadro de hipersensibilidade tardia quando desafiados com OVA.
Além disso, camundongos LC+ quando imunizados via oral com OVA e toxina duplo mutante da E. coli (dmLT), exibiram redução de células Th17 específicas, bem como a produção de IgA, quando comparado com os animais LC- ou naive. Concomitantemente, foi observado uma desorganização da zona de células T e dos folículos de células B do linfonodo mesentérico (LMN) desses animais, acompanhado do acúmulo de granulócitos nesse órgão e a diminuição de células dendríticas (DC) migratórias (CD103+CD11b+), envolvidas com a apresentação de antígenos do lúmen intestinal para as células T e de suma importância na indução de células Treg. Caracterizando, portanto, um comprometimento do desenvolvimento da resposta imunológica de mucosa.
Interessantemente, a integridade dos vasos linfáticos associados ao intestino de camundongos LC+ foi também danificada, uma vez que após a administração oral do ácido graxo fluorescente Bodipy FLC16, houve o extravasamento deste para o tecido adiposo que recobre o mesentério (MAT) gerando o acumulo de DC migratórias que acabam escapando dos vasos linfáticos para o tecido adiposo e não completando, dessa forma, sua migração para o MLN.
Por fim, afim de avaliar a possibilidade da microbiota residente em sustentar o remodelamento tecidual e o processo inflamatório crônico após a infecção, camundongos germ-free (GF) e specific pathogen-free (SPF) foram infectados com Y. pseudotuberculosis. Ambos os animais desenvolveram LC, contudo camundongos GF não tiveram o recrutamento das DC CD103+CD11b+ para o MLN afetado. Ao passo que, camundongos SPF apresentaram redução da inflamação no MAT e do acúmulo de DC migratórias quando tratados com antibiótico, sugerindo o papel da microbiota na manutenção do processo inflamatório após a infecção por Y. pseudotuberculosis. Em seguida, quando camundongos LC+ foram tratados com antibiótico e vacinados com OVA e dmLT, observou-se uma significativa indução de células Th17 específicas na lâmina própria desses animais, indicando que o dano causado pela infecção aguda pode ser reversível por meio da ablação transitória da microbiota.  Em suma, esses achados ajudam no entendimento de como infecções prévias podem gerar “cicatrizes” que, de tanto “incomodar” o sistema imune, acabam por induzir uma quebra na homeostase imunológica no tecido e contribuem para a geração de uma doença mais tardia.


Figura 1. Após um único episódio de infecção aguda do trato gastrointestinal, um processo inflamatório dependente da microbiota se desenvolve no tecido adiposo mesentérico (MAT). Essa inflamação é acompanhada pela perda da integridade dos vasos linfáticos mesentéricos e da quebra da comunicação entre o lúmen intestinal e o linfonodo mesentérico (MLN), afetando a resposta imunológica local e o desenvolvimento da tolerância oral. 


Referências Bibliográficas

Sartor, R.B. Does Mycobacterium avium subspecies paratuberculosis cause Crohn’s disease ?. Gut 54:896-898. 2005.

Fonseca, D.M., et al. Microbiota-Dependent Sequelae of Acute Infection Compromise Tissue-Specific Immunity. Cell, 163(2):354-66. 2015.

Post de: Amanda Zangirolamo e Júlia Teixeira (doutorandas IBA)

Comente com o Facebook :

Nenhum comentário:

Postar um comentário

©SBI Sociedade Brasileira de Imunologia. Desenvolvido por: