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quinta-feira, 18 de junho de 2015

Confie no seu camundongo!



 Por Helder Nakaya, professor da FCF/USP

No final dos anos 90, os grupos do Dr. Folkman e Dr. O’Reilly descreveram como endostatinas poderiam inibir a angiogênese em camundongos e, desta forma, serem usadas para o tratamento de câncer.  Ainda era aluno de graduação e, assim como a mídia da época, estava eufórico com a possibilidade de uma droga revolucionária para tratar esse mal. Foi quando vi uma entrevista do Dr. Folkman dizendo: “Se você tem câncer... e é um camundongo, nós podemos te ajudar”. Como ótimos cientistas, os próprios autores do artigo não se atreveram a dizer que as drogas funcionariam de imediato no tratamento do câncer em humanos. Desde então, vários ensaios clínicos foram realizados com as endostatinas porém este post não é sobre elas.

Um artigo publicado na revista PNAS mostrou, em 2013, que modelos murinos mimetizavam pobremente as respostas genômicas de humanos em doenças inflamatórias. Renomados cientistas de grandes universidades assinavam esse artigo e os resultados foram amplamente divulgados pela mídia e em dois excelentes posts (aqui e aqui) do nosso blog. Baseado na análise do transcritoma de camundongos e humanos frente à diferentes processos inflamatórios, os autores concluíram que havia pouca correlação entre os dois organismos, indicando que as respostas de camundongos não eram comparáveis às dos humanos. Apesar de não assinar este estudo, o professor de Stanford, Mark M Davis, como vi em vários eventos nos EUA e em seus textos (aqui e aqui), é um dos que mais defende a idéia de que a imunologia deve ser estudada (sempre que possível) em humanos.
Dois anos após a publicação do PNAS, saiu na mesma revista, outro artigo com o título praticamente idêntico porém com resultados opostos:

(2013) Genomic responses in mouse models poorly mimic human inflammatory diseases
(2015) Genomic responses in mouse models greatly mimic human inflammatory diseases

Os autores deste segundo artigo re-analisaram (usando métodos estatísticos mais convencionais e adequados) os mesmos dados usados no primeiro artigo de 2013 e mostraram que, na verdade, os padrões de expressão em camundongos recapitulavam os padrões de humanos em condições inflamatórias. Uma das diferenças principais entre os dois estudos foi como a análise de correlação foi feita entre humanos e camundongos. No artigo de 2013, eles calcularam a correlação entre a expressão de TODOS os genes humanos que alteravam em uma condição com a expressão dos mesmos genes em camundongos. No entanto, a comparação entre dois transcritomas não é convencionalmente feita assim. No artigo de 2015 eles focaram as correlações apenas nos genes que alteravam (mesmo que em direções opostas) suas expressões tanto em humanos quanto em camundongos. Esta realmente é a análise correta a ser feita já que, por ser uma tecnologia de larga-escala, genes não responsivos em uma espécie só iria introduzir ruído nas correlações. Outro ponto importante foi o uso da corelação de Spearman (que lida com rankings de expressão) ao invés da correlação de Pearson (que assume linearidade e distribuição normal das razões de expressão) originalmente usada. 




Com isso, ficou claro que o artigo de 2013 não provou de forma adequada que camundongos sejam “indicadores imprecisos das condições inflamatórias humanas”. O fato é que (salvo algumas exceções) humanos não são roedores! Porém, uma análise mal feita não confirma o que já era óbvio a todos os cientistas. Aprendemos muito e continuaremos a aprender com o uso de modelos animais.
 

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