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terça-feira, 17 de junho de 2014

Biologia do Amor


O amor, disse Carl Sagan, é uma invenção dos mamíferos. Sagan, físico autor do seriado Cosmos, que marcou minha geração de cientistas, agora re-editado, era fascinado por evolução. Casou-se com uma bióloga evolucionista, Lynn Margulies, e em 1980, ganhou o Pulitzer com o livro Os Dragões do Éden, sobre a evolução do cérebro. Nos mamíferos o cérebro é mais complexo que nos répteis (os dragões do titulo). Os mamíferos têm comportamentos e rotas bioquímicas dedicadas não apenas a buscar o parceiro, mas a escolher e às vezes permanecer com este, sugerindo uma vantagem de sobrevivência.

Esta é hoje uma área de intensa investigação. Parece  que mecanismos neurais diferentes operam em conjunto, particularmente em humanos, para criar o amor. Alguns já existiam em outras espécies, como os que regulam desejo sexual e a escolha do parceiro. Outros, como os que controlam o apego, são característicos dos mamíferos. Estudos de ressonância magnética em cérebros de humanos mostram que cada um desses impulsos ativa áreas diferentes, embora haja alguma sobreposição.

O desejo sexual evoluiu para motivar os indivíduos a buscar parceiros de acasalamento. Ele está relacionado com andrógenos e estrógenos em mamíferos. Mas os sistemas cerebrais envolvidos com o desejo sexual não são os mesmos associados com o amor. Além disso, o desejo é geralmente dirigido a uma variedade de indivíduos, e não parece, como no amor, ser focado em alguém particular.

A atração evoluiu para motivar os indivíduos a preferir um tipo mais especifico de parceiro, minimizando o gasto de energia. Ela é regulada pela molécula dopamina, que está ligada à sensação de recompensa. A dopamina e a sensação que ela  propicia também aumentam com o uso de drogas que viciam. O amor freqüentemente é descrito na literatura e na música como um vício, e existem de fato alguns sintomas semelhantes do amor com uma droga, como a euforia inicial, a sensação de tranqüilidade quando se experimenta, e a síndrome de abstinência quando termina.

Existe também ligação entre o cheiro e a escolha do parceiro – a famosa “quimica” entre os casais,  que depende das mesmas moléculas responsáveis pela resposta imune, o MHC. Os mamíferos são atraídos pelo cheiro daqueles com moléculas de MHC diferentes das suas, levando seus filhotes a apresentarem um repertório mais variado de respostas a infecções. Cada individuo possui assim um potencial de defesa particular que se traduz no odor natural, e provavelmente os perfumes mais afrodisíacos são aqueles que potencializam o cheiro emanado por essas moléculas. Essa é uma das razões pelas quais se percebe que o mesmo perfume exala um odor diferente dependendo de quem o usa.

O apego evoluiu provavelmente para motivar indivíduos a permanecerem juntos, otimizando o uso de energia, aumentando as chances de sobrevivência dos filhotes. Os mamíferos possuem uma capacidade ímpar de apego, que depende da ocitocina, um hormônio envolvido nas contrações do parto, e presente no leite materno. Assim, quando nasce o bebê e ele é amamentado, um poderoso mecanismo bioquímico faz com que mãe e filhote humanos apaixonem-se perdidamente. A ocitocina também está envolvida no apego entre casais, embora as áreas do cérebro ativadas não sejam exatamente as mesmas ativadas na relação mãe-filhote. Nas espécies promiscuas, a ligação entre atração sexual e liberação de ocitocina é ausente ou mais fraca. Já existem estudos explorando o potencial de um spray nasal de ocitocina para modular interações entre parceiros românticos!

Hoje, a complexidade das relações humanas oferece novos desafios para a biologia básica do amor, esculpida ao longo de centenas de milhões de anos. Se a espécie humana durar tempo suficiente pode haver seleção sobre alguns desses mecanismos neurais. Hoje, se há liberação de dopamina e ocitocina, esses circuitos cerebrais se mantêm ativados, e as pessoas, apaixonadas. Fernando Pessoa escreveu que “o amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura”. Gênio na escolha das palavras, Pessoa provavelmente não imaginava  sua exatidão cientifica. Para um cientista, o entendimento da biologia do amor é tão precioso quanto a sua mais bela expressão em verso. 


Coluna do Caderno PrOA, Jornal Zero Hora, 15/06/2014

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