A família de proteínas NLR é
fisicamente caracterizada por conter dois domínios principais básicos em sua
estrutura: um domínio NOTCH (ligação à nucleotídeos) e um domínio LRR (região
repetitiva de leucinas). Estes domínios se associam com outros domínios variáveis
para formar cada uma das moléculas que compõe esta família. Cada proteína NLR
exerce funções específicas na célula, podendo atuar como receptors para o
reconhecimento de PAMPs e DAMPs, sinalizadores intracelulares, moduladores de
funções nucleares, entre outros. A molécula NLRP3 pertence à família NLR e é
amplamente conhecida como um PRR citosólico ativado por diversos ligantes
produzidos em situação de perigo para a célula. A interação do NLRP3 com o
estímulo intracellular promove uma alteração conformacional na estrutura deste
PRR que induz a oligomerização de diversas unidades, formando o inflamassoma. A
formação do inflamassoma induz uma cascata de reações que irão culminar na
liberação das citocinas inflamatórias IL-1b e IL-18, capazes de modular a
resposta imunológica. A atividade do NLRP3 nas células da resposta immune inata
tem sido amplamente explorada em diversos contextos fisiopatológicos. Porém, o
mesmo não pode ser dito a respeito de sua influência na resposta immune
adaptativa. Apenas alguns trabalhos tem demonstrado que há influência do NLRP3 na
diferenciação diferenciação de células T auxiliares (Th) para os diferentes
perfis imunológicos, porém os resultados ainda são controversos.
Buscando entender como a molécula
NLRP3 afeta o destino das células T, Bruchard e colaboradores (2015) realizaram
experimento de diferenciação de Th in
vitro, no qual foi possível observar que a expressão de Nlrp3 foi induzida 12 horas após a diferenciação
em Th0 (anti-IFN-γ +
anti-IL-4), Th1 (anti-IL-4 + IL-12) e Th2 (anti-IFNγ + IL-4), com auxílio de anti-CD3 e anti-CD28 para
estímulo do TCR, enquanto que em células naive
sua expressão não foi detectada. Utilizando células T CD4+ Nlrp3-/- após 3
dias de diferenciação para Th1 foi constatado que a expressão do mRNA de Ifng e do fator de transcrição T-bet não foram alterados por tal
deficiência quando comparados às células WT, mas células diferenciadas para Th2
tiveram a expressão de Il4 alterada,
mas somente uma pequena diminuição da expressão do fator de transcrição GATA-3. Além disso, células T CD4+ Nlrp3-/- tiveram
expressão diminuição da expressão de genes ligados ao perfil Th2, tais como Il5, Il13, Gata3, Ccr3, Ccr4 e Maf,
Com
o intuito de desvendar o mecanismo comum que controla a indução de NLRP3 em células T CD4+, os
autores formularam a hipótese de que a indução de NLRP3 seria mediada pelo estímulo
do TCR e subsequente liberação de IL-2, necessária para diferenciação de
células Th0, Th1 e Th2. O uso de um anticorpo para bloquear IL-2 impediu
completamente a habilidade da ativação do TCR de induzir expressão de Nlrp3 em células T CD4+,
confirmando a hipótese proposta. Além disso, a inibição de STAT5, fator de
transcrição clássico downstream
ativado pela sinalização de IL-2 utilizando RNAi aboliu a habilidade da
sinalização pelo TCR de induzir a expressão de Nlrp3 em células T CD4+. Tais resultados indicaram a
possibilidade de STAT5 ser capaz de controlar a expressão de Nlrp3, sendo que análises de
bioinformática identificaram um sítio de ligação para STAT5 na região promotora
de Nlrp3 e ensaio de ChIP em células T
CD4+ ativadas confirmou essa predição.
Sabendo
que NLRP3 está intimamente relacionado ao inflamassoma, os autores compararam a
expressão gênica e níveis proteicos de IFN-y e IL-4 produzidos em células T CD4+
WT e T CD4+ Casp1-/-
ou Asc-/-,
polarizadas para Th1e Th2, sendo possível observar que as moléculas ASC ou
caspase-1 não são necessárias para polarização de células T CD4+,
pois não afetaram a expressão gênica e níveis proteicos de IFN-y e IL-4. Além
disso, foi observado que o estímulo do TCR sozinho ou em conjunto com
nigericina e ATP (ativadores conhecidos do inflamassoma de NLRP3) não foi capaz
de ativar caspase-1 e tampouco induzir a liberação de IL-1β ou IL-18 em células
Th2 diferenciadas. Os autores realizaram experimentos in vivo, utilizando animais Casp1-/-,
Asc-/- ou Nlrp3-/- e vacinação com OVA + lipopeptídeo
Pam3SK4 (ligante de TLR2), sendo que somente os animais Nlrp3-/- tiveram a polarização
para Th2 prejudicada, determinada pela concentração de IL-4 no soro. Tais
resultados demonstram que somente NLRP3 está ligado à resposta Th2, controlando
o programa transcricional para Th2 de forma independente da ativação de
inflamassoma, in vivo e in vitro.
Com
base nos resultados obtidos, especulou-se que NLRP3 pudesse agir em proteínas
nucleares envolvidas na regulação transcricional de Th2, fato que foi
confirmado pela identificação da localização nuclear de NLRP3 em células Th2,
em contraste com a localização citoplasmática em células Th1 e Th2 Nlrp3-/-. A
molécula responsável pela localização nuclear foi a importina Kpna2, identificada com ensaio de RNAi,
sendo que a sua ausência impediu a localização nuclear de NLRP3 e também a
polarização para Th2, medida pela produção de IL-4.
Os autores então cogitaram a
possibilidade de que NLRP3 pudesse agir como fator de transcrição em células
Th2, fato que foi confirmado com as observações de que as 218 regiões de
ligação de NLRP3 identificadas por ChIP-Seq em células Th2 estavam relacionadas
à genes de expressão diminuída em experimento de RNA-Seq em células Nlrp3-/-. Além
disso, a ligação de NLRP3 ao DNA na sequência predita por ChIP-Seq foi
confirmada com ensaio de precipitação de DNA.
Utilizando ensaio de repórter de luciferase
foi observado que NLRP3 sozinho não consegue induzir a ativação do promotor de Il4, levando à hipótese de que outro
fator de transcrição seria necessário. Com o auxílio de experimento de ChIP-Seq
foi possível observar que NLRP3 e IRF4 compartilham picos de ligação na região
promotora de Il4, sendo que a
interação entre NLRP3 e IRF4 no núcleo de células Th2 foi confirmada utilizando
ensaio de proximidade de ligação.
Como
forma de testar a relevância das observações anteriores, foi utilizado modelo
animal de asma alérgica induzida por OVA, onde animais Nlrp3-/- demonstraram menor infiltrado de
eosinófilos e linfócitos no pulmão, níveis mais baixos de IL-4 e IL-5 e maior
acúmulo de muco, apresentando uma versão mais branda da doença. Mas em
contrapartida, assim que os animais Nlrp3-/-
receberam células Th2 WT específicas para OVA, isso foi o suficiente para
restaurar o infiltrado de eosinófilos e linfócitos no pulmão, além do aumento
da produção de IL-4 e IL-5. Foi utilizado também modelo experimental de câncer
de pulmão utilizando células B16F10, modelo conhecido por levar à indução de
citocinas Th2. Camundongos Nlrp3-/-
apresentaram crescimento do tumor impedido, quando comparados aos animais
WT. Além disso, animais Casp1-/-
ou Asc-/-
apresentaram crescimento normal da massa tumoral, demonstrando que o
efeito de impedimento do crescimento do tumor é independente da ativação de
inflamassoma.
De
maneira geral, pode-se concluir que NLRP3 apresenta funções de fator de
transcrição, além de ser capaz de interagir com IRF4 e se ligar ao DNA em
células T CD4+ para controlar a polarização de perfil Th2.
Figura
1. A ativação do
TCR em células T CD4+ leva
à liberação de IL-2, que ativa o fator de transcrição STAT5, que leva à indução
de NLRP3. NLRP3 é capaz de agir como fator de transcrição, de forma conjunta
com IRF4, levando à ativação do promotor de Il4 e a polarização desta célula
para um perfil Th2 produtor de IL-4. Além disso, esse mecanismo foi confirmado
em modelos experimentais de asma e câncer.
Post de Andressa Fish e Taís Arns (doutorandas FMRP-USP/IBA)
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