Autora: Liliane Martins, pós-doutora na UFMG
A uveíte
auto-imune é uma doença responsável por até 15% de toda a cegueira e deficiência visual
grave em países desenvolvidos, constituindo um grande problema de saúde pública.
A etiologia da doença está relacionada com a adquirida capacidade de células T
ativadas específicas para proteínas da retina de atravessarem a barreira
hemato-retiniana e induzirem patologia no olho. Entretanto, como essas células se tornam ativadas ainda não
se sabe, já que o olho é um órgão imuno-privilegiado, ou seja, os antígenos cognatos
ficam retidos no interior do olho e o acesso do sistema imune a ele é extremamente
restrito. Um artigo publicado na revista Immunity (aqui) pelo grupo da dra. Rachel
Caspi do National Eye Institute no NIH mostra que um dos mecanismos de ativação das células T patogênicas na uveíte auto-imune pode ser dependente de sinais provenientes da microbiota intestinal.
Os autores
utilizaram de um modelo animal de uveíte previamente desenvolvido pelo grupo de
pesquisa, o camundongo transgênico R161H. Esses animais expressam um TCR
específico para um epitopo de um antígeno endógeno previamente associado com a
uveíte, a proteína interfotoreceptora ligada ao retinóide (IRBP), e desenvolvem
espontaneamente a doença.
Uveíte espontânea em camundongos transgênicos R161H |
Os
pesquisadores observaram um aumento de células T ativadas produtoras da
citocina IL-17 no intestino dos camundongos transgênicos, mesmo antes dos
primeiros sinais da uveíte aparecerem. O tratamento dos animais com
antibióticos por via oral para a depleção da microbiota levou à diminuição da ativação
dessas células no intestino e atenuou os sinais clínicos da uveíte. Os mesmos
resultados foram observados na completa ausência da microbiota utilizando camundongos
R161H isentos de germes.
As células T
intestinais específicas para IRBP respondem tão bem ao antígeno quanto os linfócitos
T específicos para IRBP presentes no olho, onde o antigeno cognato é
encontrado. Além disso, a resposta dessas células acontece através da sinalização pelo TCR transgênico. Os pesquisadores então cruzaram o camundongo transgênico R161H com
outro camundongo que não é capaz de expressar IRBP e observaram que mesmo na
ausência do antigeno, os animais ainda apresentavam maior número de LTh17
ativados na intestino, indicando que IRBP não é necessária para a ativação
dessas células.
Para avaliar
se as células T IRBP-específicas no intestino podem ser ativadas pela
microbiota os pesquisadores isolaram essas células que foram estimuladas in
vitro com extratos de bactérias provenientes dos animais R161H. Após o estímulo, as células aumentaram a expressão de marcadores de ativação como CD69 e a
produção de IL-2. A transferência de células ativadas pelo extrato bacteriano
para animais WT levou à indução de uveíte nesses animais indicando que produtos
microbianos são capazes de prover o estímulo necessário para a ativação das células T IRBP-específicas que conseguem chegar no olho e induzir inflamação.
Os autores
acreditam que moléculas produzidas por componentes da microbiota sejam capazes
de mimetizar a IRBP ativando assim as células T causadoras da patogênese. Identificar
microrganismos associados a doenças auto-imunes como a uveíte poderia
contribuir para a criação de terapias baseadas no microbioma que eliminariam especificamente
os micróbios causadores. Esse estudo contribui para a melhor compreensão dos
mecanismos de indução de doenças auto-imunes já que é possível que assim como
com IRBP, moléculas da microbiota poderiam mimetizar outros auto-antígenos relacionados com outras doenças auto-imunes. É provável que a
ativação de células do sistema imune por bactérias comensais seja um gatilho
mais comum de doenças auto-imunes do que se acredita.
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