O médico britânico Andrew Wakefield pode colocar mais um item em sua longa lista de “Danos parcialmente causados por mim”. Em 1998, ele e outros autores publicaram na prestigiada revista Lancet um artigo que associava a vacina tríplice (sarampo, caxumba, rubéola) ao autismo. Guiado por opiniões e diversos conflitos de interesse, Andrew divulgou amplamente sua “pesquisa” dando entrevistas e advogando contra o uso da vacina tríplice (mas sim vacinações individuais para cada vírus). Ainda demorou 12 anos para finalmente a retratação acontecer, mas até lá, os danos já estavam feitos. O maior deles foi alimentar o movimento anti-vacinas e todas as consequências associadas a esse retrocesso, incluindo aí o reaparecimento de casos de sarampo nos EUA e Europa (veja aqui, aqui e aqui).
Estima-se que a vacina de sarampo preveniu entre
2000-2013 mais de 15 milhões de mortes. No entanto, este número é muito maior!
Isso porque não estão computadas as vidas salvas indiretamente pela vacina. Um
artigo publicado recentemente na Science mostrou que a infecção por sarampo está
associada a uma imunossupressão prolongada que pode durar até 3 anos,
aumentando a predisposição das pessoas a doenças oportunistas. Usando dados
populacionais de mortalidade, os pesquisadores notaram que o número de casos de
sarampo estava fortemente correlacionado ao número de mortes infantis de
doenças não relacionadas a sarampo (por exemplo: pneumonia, diarreia e
meningite). O mais interessante é que o início da vacinação (que fez diminuir
muito os casos de sarampo) coincide com a redução destas mortes não
relacionadas a sarampo. Quando a comparação é feita com outra doença
(pertussis) também prevenida por vacina, esta correlação não é observada,
demonstrando que a sequela no sistema imune não se aplica a todos os patógenos.
Uma das explicações para essa observação vem de
experimentos em macacos infectados pelo vírus do sarampo. Os autores desse
trabalho mostram que o vírus do sarampo é capaz de infectar e matar linfócitos
B e T de memória (especificamente linfócitos T CD45RAneg e
linfócitos B foliculares). Apesar do número de linfócitos retornar ao normal
dias após o fim dos sintomas do sarampo, a imunossupressão se estende por
meses. Ou seja, o vírus do sarampo causa uma “amnésia imunológica”!
Vacinação é um contrato social: se você resolve
não se vacinar mas todos a sua volta estão vacinados, muito provavelmente você
estará protegido da doença (imunidade de grupo ou herd immunity). É essa falsa sensação de proteção do não vacinado
que muitas vezes estimula o movimento anti-vacinas. O que os autores da Science sugerem é que assim como a vacinação pode aumentar a imunidade da população contra futuras epidemias para
sarampo, infecções por sarampo podem reduzir a imunidade contra
outras infecções. Deste modo, a vacinação contra sarampo não apenas
preserva a imunidade de grupo contra sarampo mas também contra infecções
diferentes.
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