segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Agrupando MHCs em supertipos

    Evidentemente a atividade fisiológica do chamado "complexo principal de histocompatibilidade" (MHC, na sigla em inglês) não tem qualquer relação com "histocompatibilidade" em transplantes de órgãos e tecidos, uma situação "artificial", desenvolvida pela medicina moderna, que não ocorre na natureza. A atividade desta molécula está vinculada a resposta imunológica, sendo responsável pela apresentação de peptídeos na superfície celular (conforme discutido em diversos posts do SBlogI). Uma característica marcante desta molécula, sobretudo com relação ao chamado MHC de classe I (MHC-I), é a variabilidade polimórfica. A "região do MHC", no braço curto do cromossomo 6 humano (6p21.3), é a região mais polimórfica e com a maior densidade de genes em todo o genoma humano [1,2]. Atualmente são conhecidos mais de 9 mil alelos de MHC-I em humanos e mais de 3 mil alelos de MHC-II, segundo dados do hla.alleles.org. Toda esta variabilidade, somada ao papel desta molécula na resposta imunológica, acaba tendo consequências diretas sobre a rejeição aos transplantes [3], o que explica o contexto em que o MHC foi descoberto e a razão de ter recebido um nome que não identifica sua "real" função biológica.
   Identificar os alelos de MHC e a consequente compatibilidade entre doadores se tornou algo essencial para a imunologia clínica e rapidamente os diversos alelos de MHC começaram a ser agrupados em sorotipos, conforme seu reconhecimento em testes com anticorpos. Posteriormente esta identificação passou a ser substituída pelo sequenciamento dos genes de MHC e por métodos baseados em PCR [3], uma vez que a resolução dos métodos sorológicos não parecia ser suficiente. 
  A capacidade de "agrupar" alelos de MHC de acordo com suas similaridades também tem outra importante aplicação, o desenvolvimento de vacinas. Os diferentes alelos de MHC apresentam especificidade para um conjunto diferente de peptídeos, consequentemente cada indivíduo poderá responder de formas distintas a um dado alvo antigênico. Uma vez conhecidas as frequências dos alelos e os grupos predominantes, pode se tornar possível desenhar vacinas que tenham maior cobertura na população de interesse [4]. Em 1999, Alessandro Sette e John Sidney introduziram o conceito de "Supertipo" para os alelos de MHC-I [4]. Analisando os conjuntos de peptídeos apresentados pelos alelos de MHC conhecidos (utilizando dados experimentais), eles foram capazes de agrupar 80% dos 945 alelos avaliados em apenas nove supertipos: A1, A2, A3, A24, B7, B27, B44, B58 e B62 [4,5]. Embora a nomenclatura destes grupos, bem como a própria nomenclatura dos alelos de MHC, faça referência as formas de classificação anteriores, a análise baseada nos ligantes revela um padrão de agrupamento muito diferente. Os alelos HLA-A*68:01 e HLA-A*68:02, por exemplo, pertencem ao mesmo sorotipo (HLA-A68) e diferem entre si por apenas 5 polimorfismos [6]. Três destes polimorfismos se localizam no chamado "F pocket", uma das cavidades na fenda de ligação ao peptídeo. Estes polimorfismos, portanto, não são acessíveis aos anticorpos utilizados na classificação sorológica, o que explica seu agrupamento no mesmo sorotipo. Por outro lado, eles alteram dramaticamente a especificidade da fenda destes MHCs, de modo que a análise dos ligantes classifica os alelos HLA-A*68:01 e HLA-A*68:02 em dois supertipos distintos, A3 e A2, respectivamente [5,6]. 
 O trabalho pioneiro de Sette & Sidney abriu caminho para uma série de outras abordagens computacionais, tentando aprimorar esta classificação em supertipos. Apesar de suas diferenças, estes trabalhos podem ser divididos em pelo menos três abordagens principais: (i) baseadas nos ligantes [4,7,8,9], (ii) baseados nas proteínas (MHC) [10] e (iii) estratégias que combinam as informações de ambas as fontes [5,11,12,13]. Lembrando que as abordagens baseadas em proteína (ou combinadas) tentam agrupar os MHCs com base nos motifs dos pockets ou alguma propriedade estrutural, uma vez que a maior parte da sequência dos MHCs é conservada e seu alinhamento leva a agrupamentos incorretos [9]. Alguns novos supertipos foram propostos, bem como a possível divisão de alguns dos supertipos originais [6,9], mas de modo geral estes trabalhos concordam que a maioria dos alelos analisados podem ser classificados em um grupo reduzido de supertipos. Infelizmente o número de alelos analisados ainda é bem menor que o número de alelos conhecidos (volume reduzido de dados para a maioria dos alelos), mas o refinamento destes métodos poderá ter implicações em diversas áreas da imunologia, nos auxiliando a compreender (e quem sabe manipular) pelo menos uma parte da enorme variabilidade envolvida nas repostas imunológicas.

Figura 1. Classificação dos alelos de MHC-I humanos em supertipos, segundo publicação recente de Harjanto e colaboradores [13].

Referências:
1. Vandiedonck C and Knight JC. The human Major Histocompatibility Complex as a paradigm in genomics research. Brief Funct Genomic Proteomic. (2009a) 8:379-394.
2. Xie T, Rowen L, Aguado B, Ahearn ME, Madan A, Qin S, Campbell RD and Hood L. Analysis of the gene-dense major histocompatibility complex class III region and its comparison to mouse. (2003) Genome Res 13:2621-2636.
3. Tiercy JM. Molecular basis of HLA polymorphism: implications in clinical transplantation. Transpl Immunol. 2002 May;9(2-4):173-80.
4. Sette A, Sidney J. Nine major HLA class I supertypes account for the vast preponderance of HLA-A and -B polymorphism. Immunogenetics. 1999 Nov;50(3-4):201-12.
5. Sidney J, Peters B, Frahm N, Brander C, Sette A. HLA class I supertypes: a revised and updated classification. BMC Immunol. 2008 Jan 22;9:1. 
6. Niu L, Cheng H, Zhang S, Tan S, Zhang Y, Qi J, Liu J, Gao GF. Structural basis for the differential classification of HLA-A*6802 and HLA-A*6801 into the A2 and A3 supertypes. Mol Immunol. 2013 Oct;55(3-4):381-92.
7. Reche PA, Reinherz EL: Definition of MHC supertypes through clustering of MHC peptide binding repertoires. LNCS, ICARIS 2004, 3239:189-196.
8. Lund O, Nielsen M, Kesmir C, Petersen AG, Lundegaard C, Worning P, Sylvester-Hvid C, Lamberth K, Roder G, Justesen S, et al. Definition of supertypes for HLA molecules using clustering of specificity matrices. Immunogenetics 2004, 55:797-810.
9. Thomsen M, Lundegaard C, Buus S, Lund O, Nielsen M. MHCcluster, a method for functional clustering of MHC molecules. Immunogenetics. 2013 Sep;65(9):655-65. 
10. Doytchinova IA, Guan P, Flower DR: Identifiying human MHC supertypes using bioinformatic methods. J Immunol 2004, 172:4314-23.
11. Hertz T, Yanover C: Identifying HLA supertypes by learning distance functions. Bioinformatics 2007, 23:e148-55. 
12. Tong JC1, Tan TW, Ranganathan S. In silico grouping of peptide/HLA class I complexes using structural interaction characteristics. Bioinformatics. 2007 Jan 15;23(2):177-83.
13. Harjanto S, Ng LF, Tong JC. Clustering HLA class I superfamilies using structural interaction patterns. PLoS One. 2014 Jan 27;9(1):e86655. 

Post de Dinler Amaral Antunes
Complimentary Postdoctoral Research Associate at the Kavraki Lab.
Department of Computer Science - Rice University (Houston, TX). 

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