terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Bloqueando duas vias do complemento com apenas uma proteína!

    O Sistema Complemento (SC) desempenha um papel de conexão entre a resposta imunológica inata e o sistema inflamatório, desempenhando diversas atividades relacionadas a homeostase, defesa, reparo e imunopatogênese [1]. Com relação a imunidade inata, uma das tarefas centrais do SC é a opsonização de microrganismos, atividade na qual se destaca a proteína C3b [2]. Esta proteína altamente reativa se deposita na superfície no patógeno e posteriormente interage com receptores na superfície dos macrófagos (CR1), desencadeando a fagocitose. C3b também participa na formação da C5 convertase (Figura 1), enzima presente no estágio terminal da ativação do complemento e responsável pela formação do complexo de ataque a membrana (MAC), evento que resulta na lise da célula alvo.
    A proteína ativa C3b é obtida pela conversão do precursor inativo C3, em C3a (que possui atividade pró-inflatória) e C3b, reação que pode ocorrer de forma espontânea (a uma taxa muito baixa) ou ser catalizada por uma enzima C3 convertase. Cabe salientar que diferentemente da clivagem realizada pela C3 convertase, que libera C3a, a hidrólise espontânea de C3 envolve apenas uma importante mudança conformacional levando a uma estrutura com atividade análoga a C3b, referida como C3(H2O) [2,3]. Existem na verdade três diferentes vias de ativação do complemento, as quais diferem quanto as etapas iniciais e de formação da C3 convertase (Figura 1). Enquanto a via "Alternativa" se inicia pela hidrólise espontânea de C3 e leva a formação de uma C3 convertase composta por C3b e Bb (derivado do Fator B), as vias "Clássica" e das "Lectinas" são iniciadas pelo reconhecimento de padrões típicos de patógenos (através da ligação de imunoglobulinas ou MBL) e levam a formação de uma C3 convertase composta por C4b e C2a (Figura 1).

Figura 1. As três vias de ativação do Sistema Complemento (SC). A via Clássica (E) é iniciada pela ligação de anticorpos a antígenos na superfície do patógeno. A proteína C1q se liga a porção Fc dos anticorpos e inicia a formação de um complexo (C1q-C1s-C1r) que catalisa a formação da C3 convertase (C4bC2a). A via das Lectinas (C) é desencadeada por MBL (na sigla em inglês para lectina ligadora de manose) ou Ficolinas, que reconhecem moléculas de manose ou oligossacarídeos de membrana, respectivamente. A via Alternativa (D) inicia com a hidrólise espontânea de C3 a C3b (C3(H2O) tem as mesmas propriedades de C3b), o qual se liga a superfície do patógeno catalisando a formação de uma C3 convertase (C3bBb). Já foram descritos diversos mecanismos, tanto em bactérias quanto em células dos hospedeiros, que servem para inibir esta ativação espontânea do SC [2,4]. Imagem disponibilizada por Humpath.com.

    Tendo em vista seu papel no controle de infeções, o Sistema Complemento acaba sendo alvo de diversos mecanismos de escape desenvolvidos pelos patógenos [4]. Um dos organismos mais estudado neste contexto é a bactéria Staphylococcus Aureus, na qual foram descritos diversos inibidores de C3 convertase, visando principalmente etapas da via Alternativa [1,4]. Uma evasão bem sucedida, no entanto, dependeria de mecanismos capazes de também inibir as vias Clássica e das Lectinas. Neste contexto, o fato de ambas as rotas compartilharem a mesma C3 convertase (C4bC2a) sugere um interessante alvo para evasão. Em tese, um único inibidor desta enzima poderia bloquear simultaneamente ambas as vias. 
    A hipótese acima foi apresentada em uma recente publicação do Journal of Immunology, na qual os autores tentaram identificar uma proteína secretada por Staphylococcus Aureus que fosse capaz de inibir a formação ou a atividade da C3 convertase (C4b2a) [1]. Através da triagem de uma biblioteca de proteínas recombinantes os autores descreveram que a enzima Eap (Extracellular Adherence Protein) de Staphylococcus Aureus foi capaz de inibir as vias Clássica e das Lectinas, de forma eficiente e específica. A Eap forma um complexo com a proteína C4b, inibindo a formação de C4bC2a de forma dose-dependente. Esta atividade não foi observada nas proteínas homólogas EapH1 e EapH2, as quais compartilham o mesmo padrão de enovelamento. Com este trabalho, os autores descrevem um mecanismo de regulação do Sistema Complemento até então desconhecido, contribuindo para a compreensão dos mecanismos de evasão do sistema imunológico e sugerindo possíveis aplicações no desenvolvimento de novas terapias [1].

Referências:
1. Woehl e colaboradores, 2014.
2. Gros e colaboradores, 2008.
3. Schuster e colaboradores, 2008.
4. Lambris e colaboradores, 2008.

Post de Dinler Amaral Antunes
Complimentary Postdoctoral Research Associate at the Kavraki Lab.
Department of Computer Science - Rice University (Houston, TX). 

Nenhum comentário:

Postar um comentário