Há aproximadamente 50 anos, George MacKaness
reportou que camundongos infectados com a bactéria Brucella abortus apresentaram, durante episódios de coinfecção,
proteção cruzada transitória contra outro patógeno intracelular, a Listeria monocytogenes (MacKaness, 1964). Na época, esse evento foi
associado a um tipo de imunidade dita como não específica, ou não cognata. A
importância do reconhecimento específico (ou cognato) do antígeno pela célula
Th efetora no sítio de infecção já está bem estabelecida. Neste caso, a célula
T é capaz de encontrar-se com o antígeno no contexto de apresentação por MHC,
ocorrendo o reconhecimento cognato. No
entanto, o papel do estímulo não cognato, ou seja, aquele que ocorre de maneira
independente da apresentação via MHC ainda não está claro. Indícios de que
estímulos não cognatos seriam relevantes para ativação de células de memória
específicas foram demonstrados por Kuptz
e colaboradores (2012). Neste artigo, células T CD8+ que possuem
o TCR específico para um peptídeo do Herpes
simplex vírus I foram transferidas para camundongos controle. Estes animais
foram então infectados com a bactéria S.typhimurium e a produção de IFN-g pelas células T CD8+
específicas para o vírus foi analisada. De forma interessante, mesmo
sendo específica para outro antígeno, as células T CD8+ foram
capazes de responder a componentes da S.
typhimurium, aumentando sua produção de IFN-g em quase 9 vezes! Este
trabalho demonstrou então que a produção de IFN- γ ocorreu de maneira
independente do MHC classe I. No entanto, o papel do reconhecimento não cognato
na ativação da célula TCD4+, que também é importante no controle da
infecção por S. typhimurium não era
conhecido. Para tentar preencher essa lacuna, O’Donnel e colaboradores (2014)
publicaram um estudo desvendando esse mecanismo.
Apesar de à primeira vista ser difícil
estabelecer qual a novidade do trabalho, O’Donnell e colaboradores demonstraram
de forma elegante a importância do estímulo não cognato da célula Th
(independente da apresentação via MHC) na resolução da infecção por S. typhimurium. Utilizando diversos
camundongos knockouts, quimeras e um knockout condicional em células T (MyD88fl/fl
Lck-cre), foi demonstrado “por A+B” todo o mecanismo cognato e não cognato
durante essa infecção. Foi demonstrado que o estímulo não cognato com LPS é
capaz de aumentar a produção de IFN-γ por células Th1. Esta indução por um
estímulo não cognato envolve o reconhecimento de LPS por células apresentadoras
de antígeno via TLR4 e inflamassomas NLRC4 e NLRP3, que levarão à produção de
IL-18 pela APC. A IL-18 irá se ligar em IL-18R na célula T efetora específica
para S.typhimurium, ativando uma
cascata de sinalização dependente de MyD88 na célula T, culminando no aumento
da produção de IFN-γ independente de reconhecimento de antígeno pelo TCR no
sitio da infecção. Quando animais que não expressam MyD88 em células T (MyD88fl/fl
Lck-cre), ou seja, que não são capazes de responder ao estímulo não cognato
dependente da IL-18 foram infectados com S.typhimurium,
foi observado que esses camundongos, anteriormente resistentes à infecção,
passaram a sucumbir à doença (20% dos animais morreram) e tiveram um intenso
aumento na carga bacteriana no baço e no fígado. O autor conclui o trabalho
alertando que um maior entendimento sobre essa cascata de sinalização poderia
levar ao desenvolvimento de novas terapias imunomoduladoras para o tratamento
de infecções persistentes, além de fornecer novos mediadores da imunopatologia
causada por S. typhimurium, à fim de
se estabelecer intervenções imunossupressoras mais específicas. Será?
Post
por Frederico Ribeiro e Gisele Locachevic (FMRP/USP-IBA)
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