domingo, 25 de maio de 2014

Journal Club IBA: Cognato ou Não-cognato: eis a questão



Há aproximadamente 50 anos, George MacKaness reportou que camundongos infectados com a bactéria Brucella abortus apresentaram, durante episódios de coinfecção, proteção cruzada transitória contra outro patógeno intracelular, a Listeria monocytogenes (MacKaness, 1964). Na época, esse evento foi associado a um tipo de imunidade dita como não específica, ou não cognata. A importância do reconhecimento específico (ou cognato) do antígeno pela célula Th efetora no sítio de infecção já está bem estabelecida. Neste caso, a célula T é capaz de encontrar-se com o antígeno no contexto de apresentação por MHC, ocorrendo o reconhecimento cognato.  No entanto, o papel do estímulo não cognato, ou seja, aquele que ocorre de maneira independente da apresentação via MHC ainda não está claro. Indícios de que estímulos não cognatos seriam relevantes para ativação de células de memória específicas foram demonstrados por Kuptz e colaboradores (2012). Neste artigo, células T CD8+ que possuem o TCR específico para um peptídeo do Herpes simplex vírus I foram transferidas para camundongos controle. Estes animais foram então infectados com a bactéria S.typhimurium e a produção de IFN-g pelas células T CD8+ específicas para o vírus foi analisada. De forma interessante, mesmo sendo específica para outro antígeno, as células T CD8+ foram capazes de responder a componentes da S. typhimurium, aumentando sua produção de IFN-g em quase 9 vezes! Este trabalho demonstrou então que a produção de IFN- γ ocorreu de maneira independente do MHC classe I. No entanto, o papel do reconhecimento não cognato na ativação da célula TCD4+, que também é importante no controle da infecção por S. typhimurium não era conhecido. Para tentar preencher essa lacuna, O’Donnel e colaboradores (2014) publicaram um estudo desvendando esse mecanismo.
Apesar de à primeira vista ser difícil estabelecer qual a novidade do trabalho, O’Donnell e colaboradores demonstraram de forma elegante a importância do estímulo não cognato da célula Th (independente da apresentação via MHC) na resolução da infecção por S. typhimurium. Utilizando diversos camundongos knockouts, quimeras e um knockout condicional em células T (MyD88fl/fl Lck-cre), foi demonstrado “por A+B” todo o mecanismo cognato e não cognato durante essa infecção. Foi demonstrado que o estímulo não cognato com LPS é capaz de aumentar a produção de IFN-γ por células Th1. Esta indução por um estímulo não cognato envolve o reconhecimento de LPS por células apresentadoras de antígeno via TLR4 e inflamassomas NLRC4 e NLRP3, que levarão à produção de IL-18 pela APC. A IL-18 irá se ligar em IL-18R na célula T efetora específica para S.typhimurium, ativando uma cascata de sinalização dependente de MyD88 na célula T, culminando no aumento da produção de IFN-γ independente de reconhecimento de antígeno pelo TCR no sitio da infecção. Quando animais que não expressam MyD88 em células T (MyD88fl/fl Lck-cre), ou seja, que não são capazes de responder ao estímulo não cognato dependente da IL-18 foram infectados com S.typhimurium, foi observado que esses camundongos, anteriormente resistentes à infecção, passaram a sucumbir à doença (20% dos animais morreram) e tiveram um intenso aumento na carga bacteriana no baço e no fígado. O autor conclui o trabalho alertando que um maior entendimento sobre essa cascata de sinalização poderia levar ao desenvolvimento de novas terapias imunomoduladoras para o tratamento de infecções persistentes, além de fornecer novos mediadores da imunopatologia causada por S. typhimurium, à fim de se estabelecer intervenções imunossupressoras mais específicas. Será?

Post por Frederico Ribeiro e Gisele Locachevic (FMRP/USP-IBA)

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