sábado, 19 de abril de 2014

Vitamina A e a importância da dieta materna para a imunidade do feto


O papel da vitamina A como micronutriente essencial para a visão é conhecido há muito tempo. Seres humanos necessitam de vitamina A mas não são capazes de sintetizá-la e portanto, é obtida somente através da dieta. A deficiência em vitamina A é um problema de saúde público sério, especialmente em países em desenvolvimento. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que entre 250.000 e 500.000 crianças nos países desenvolvidos ficam cegas por ano como resultado da falta de vitamina A.
A importância da vitamina A em outros processos fisiológicos como reprodução, imunidade e manutenção de mucosas já foi demonstrado mas outros estudos são necessários para o melhor entendimento dos mecanismos envolvidos. Diversos estudos demonstram que a vitamina A tem um papel importante na infecção e manutenção de mucosas por influenciar certos subtipos de células T e B. A deficiência de vitamina A está associada com defeitos na imunidade e aumento do risco de doenças infecciosas.
Esses efeitos da vitamina A são creditados ao ácido retinóico (RA), um hormônio que controla a transcrição gênica de diversas moléculas. Na última década, estudos têm tentado entender os mecanismos pelos quais o ácido retinóico afeta a diferenciação celular e consequentemente o desenvolvimento do embrião. Um recente estudo publicado na Nature mostra que a deficiência na sinalização por ácido retinóico durante a gestação pode levar ao desenvolvimento incompleto do sistema imune do feto com consequências irreversíveis para a vida adulta.
Já foi demonstrado que a formação de órgãos linfoides secundários depende de um subtipo de células linfoides inatas do tipo 3 (ILC3), as chamadas LTis ou células indutoras de tecido linfoide. Essas células, as LTi4, são diferenciadas a partir de células ILC4 neg que recebem estímulos locais dentro dos órgãos linfoides secundários. O estudo mostrou que a estimulação in vitro com ácido retinóico de células de linfonodo de embriões levou ao aumento da diferenciação em células LTi4. Embriões de fêmeas grávidas que receberam uma dieta rica em RA apresentaram maior proporção de células LTi4 enquanto que a administração de um inibidor da sinalização por RA levou a diminuição dessas células. Além disso, apesar dos embriões não apresentarem tamanho reduzido, a inibição da sinalização por RA levou a geração de linfonodos menores e ao incompleto desenvolvimento de placas de Peyer.
As células ILC4 neg e LTi4 expressam os receptores de RA em maiores níveis e são capazes de responder fortemente ao estímulo por RA. O próximo passo do estudo foi gerar um modelo animal em que o receptor de RA (RAR) fosse nocauteado nas células envolvidas no desenvolvimento dos órgãos linfoides no período embrionário. Foi observada uma redução no número de LTi4 nos embriões dos camundongos nocautes. Culturas de células ILC4 neg purificadas de animais nocautes não foram capazes de se diferenciar em LTi4 indicando que esse processo é controlado por sinalização celular autônoma por RA. O trabalho também demonstrou que a regulação do fator de transcrição RORγT por RA é crítica para a diferenciação das células LTi4.
Camundongos adultos que nasceram de fêmeas grávidas que receberam dietas ricas em Vitamina A até o momento do nascimento da ninhada apresentaram órgãos linfoides secundários maiores enquanto que as fêmeas que receberam dieta deficiente em vitamina A geraram filhotes com órgãos linfoides reduzidos. A suplementação de uma dieta com níveis normais de Vitamina A a partir do nascimento não teve efeito no tamanho dos órgãos linfoides. Para analisar as possíveis consequências de uma disponibilidade baixa de RA no útero para o sistema imune, animais WT e nocautes para RAR irradiados e que receberam células de medula óssea de animais WT duas semanas após o nascimento foram infectados com um vírus que causa infecção pulmonar aguda. As quimeras de animais nocautes apresentaram expansão reduzida de LTCD8+ específicos para o vírus e consequente menor capacidade de eliminação viral indicando que a eficiência das respostas imunes pode ser pré-definida no início da vida através de sinais provenientes da dieta materna.
Estudos anteriores mostram que o desenvolvimento de órgãos linfoides secundários é um processo rigorosamente programado. O estudo publicado na Nature é o primeiro a sugerir que esse desenvolvimento pode ser afetado pelo comportamento da mãe durante a gravidez. Mudanças dramáticas no status sócio-econômico e na agricultura, tradições culturais e o aumento da população estão afetando as dietas no mundo todo. Entender como nosso status nutricional pode influenciar o sistema imune representa uma área de grande importância científica.  
J. RODRIGO MORA, MAKOTO IWATA, ULRICH H. VON ANDRIAN. Vitamin effects on the immune system: vitamins A and D take centre stage, Nat Rev Immunol., September ; 8(9): 685–698, 2008.

VAN DE PAVERT, S. A.; FERREIRA, M.; DOMINGUES, R. G.; RIBEIRO, H.; MOLENAAR, R.; MOREIRA-SANTOS, L.; ALMEIDA, F. F.; IBIZA, S.; BARBOSA, I.; GOVERSE, G.; LABAO-ALMEIDA, C.; GODINHO-SILVA, C.; KONIJN, T.; SCHOONEMAN, D.; O'TOOLE, T.; MIZEE, M. R.; HABANI, Y.; HAAK, E.; SANTORI, F. R.; LITTMAN, D. R.; SCHULTE-MERKER, S.; DZIERZAK, E.; SIMAS, J. P.; MEBIUS, R. E.; VEIGA-FERNANDES, H. Maternal retinoids control type 3 innate lymphoid cells and set the offspring immunity. Nature, v. 508, n. 7494, p. 123-127, 2014.

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