Recentemente
me deparei com um dilema quando submeti um projeto de pesquisa com seres
humanos ao Comitê de Ética em Pesquisa local: a nova resolução 466, definida
pelo Conselho Nacional de Saúde*.
De acordo
com esta nova normatização, o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), a ser assinado em comum acordo
entre pesquisador e indivíduo voluntário da pesquisa deverá conter,
obrigatoriamente, a “explicitação da
garantia de indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa”.
Diante
disso, me perguntei como procederíamos com os novos projetos a partir de então,
uma vez que agora devo, obrigatoriamente, deixar clara a possibilidade de
ressarcimento material àqueles que julgarem-se prejudicados de alguma forma
pela pesquisa em andamento. Digo “julgarem-se”, pois acredito que esta
possibilidade explícita no TCLE poderá funcionar como um incentivo para futuros
processos judiciais e abrir precedentes até então pouco comuns na nossa área.
É fato que
todo cidadão que se sentir lesado pode (e deve) buscar seus direitos junto às
instâncias jurídicas pertinentes, assim como a sociedade deve evoluir quanto à
sua visão de ser humano e pesquisa. Mas até que ponto o fato de sermos
obrigados a escrever e destacar no TCLE esta “garantia de indenização” é viável
em um país onde qualquer possibilidade mínima de ganhos materiais muitas vezes
torna-se uma fonte de lucros e vantagens para uma minoria? Como o pesquisador poderá
lidar com estes novos rumos da ciência nos quais ele parece já ser julgado e
muitas vezes condenado antecipadamente por leis e resoluções que pouco auxiliam
na evolução da ciência em si?
Que fique
claro que a questão central discutida nesta publicação não é a ética que
devemos ter como pesquisadores (que deve embasar todo e qualquer procedimento
de pesquisa) tampouco os direitos dos indivíduos voluntários (que devem ser
sempre respeitados), e sim a obrigatoriedade de explicitação de ressarcimento
aos mesmos em casos de danos. É notório (acredito) que a grande maioria dos
pesquisadores atua com responsabilidade e respeito aos direitos dos indivíduos
da pesquisa, assim como grande parte dos voluntários é provida de boas
intenções ao aceitar participar de um projeto científico. Porém, uma pequena
minoria poderia se valer de subterfúgios legais para pleitear ganhos materiais no
decorrer do desenvolvimento dos projetos. Assim, me pergunto: quem arcaria com
estas despesas? Deveríamos, como em alguns grandes ensaios clínicos, prever a
cobertura de indenizações nos orçamentos iniciais dos projetos? Qual seria o
posicionamento das agências de fomento e das instituições sede das pesquisas
nestes casos? Quem assumiria estas responsabilidades?
Vale
lembrar que mesmo que tais supostos danos ao sujeito da pesquisa não possam ou
não sejam comprovados, já existirão despesas advocatícias e responsabilidades
que poderão recair, a princípio, principalmente sobre o pesquisador responsável
pelo projeto.
Para
finalizar, vale a pena um cálculo rápido: supondo que em um projeto envolvendo
80 voluntários, um (1) veja esta afirmação de garantia de indenização do TCLE
como algo vantajoso a ser pleiteado (por exemplo alegando um simples mal estar,
um hematoma na colheita de sangue ou até mesmo constrangimento moral em algum
procedimento realizado). Até que se prove o contrário, o pesquisador precisará
se defender judicialmente e arcar com certos custos processuais. Subtraia estes
valores do salário mensal da maioria dos pesquisadores. Multiplique os
inconvenientes e some a tudo isso as consequências de um processo judicial na
vida científica do pesquisador, nos projetos interrompidos, nas teses ou
dissertações paradas, nos relatórios científicos e produtividade cobrados, etc.
E se ao
invés de um processo tivermos dois, três…onde isso pode parar?
Só
reiterando: ninguém tem a intenção de prejudicar o sujeito da pesquisa, a ética
deve sempre valer e qualquer cidadão brasileiro já tem direito, por lei, a
buscar suas compensações em quaisquer situações nas quais se sentir lesado,
independentemente se são referentes à pesquisa ou não. Então, por que somos
obrigados a praticamente oferecer indenizações aos voluntários de nossos
estudos? Onde vamos parar? Quem sabe agora trabalhar apenas com modelos in vitro, pois com animais também não
está fácil…mas isso é assunto para outro post.
*Resolução
466/12, publicada no DOU no 12 em 13 de junho de 2013 – Seção 1 – Página 59
Post de Cristina
Ribeiro de Barros Cardoso (Docente Imunologia, FCFRP/USP) e Paulo José Basso (Mestrando
em Imunologia Básica e Aplicada, FMRP/USP).
Concordo plenamente com todos os termos do texto deste excelente post. Não sei de onde tiveram a ideia de fazer essa nova resolução, mas é bem possível que inspirada no modelo americano. Porém, se seguíssemos à risca o modelo americano, eu poderia concordar com a resolução. Ou mesmo o alemão, em que uma "simples" doação de sangue para pesquisa deve ser paga ao voluntário diretamente em sua conta bancária. Aí, talvez tivéssemos que nos preocupar menos. Mas estamos num país em que os "ganhos" (se é que podemos falar em lucro, não falando apenas dos ganhos científicos) estão longe dos modelos americano ou alemão (acrescente-se aí os impostos, e as perdas com tarifas alfandegárias e meses de espera por um reagente importado que, quando chega, muitas vezes está vencido ou inutilizado, pelo calor ou diversos outros motivos). No Brasil, é proibido pagar ao paciente que doe qualquer amostra que seja, o que talvez seja importante para inibir o tráfico de órgãos (?). Se é esse o real motivo, não sei. Só sei que tenho medo do que pode vir por aí para os pesquisadores. É hora de pressionar o Romário no Congresso Nacional, o único deputado que parece se importar com pesquisa e saúde pública, ao que me parece...
ResponderExcluirCristina e Paulo, meus parabéns pelo texto claro e objetivo a respeito dessa questão. A comunidade científica está cada vez mais encurralada pelo número de leis que inviabilizam a pesquisa desenvolvida no país. Não sei até quando vamos suportar.
ResponderExcluirSua visão é apenas como pesquisador, mas não como participante da pesquisa. Assim com em um contrato há os direitos e deveres de ambas partes, como também multas para quem o quebrar, toda a garantia do participante deve ser clara e transparente no termo que ele assina em participar.
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