Sabemos que uma das piores consequências de uma
infecção é a produção de dor. Até o momento, a dor causada por infecções
invasivas era decorrente da resposta do próprio sistema imune contra o
patógeno. Quando o sistema imune detecta o patógeno localmente, inicia-se uma
resposta inflamatória clássica, culminando em sinais e sintomas, tais como dor,
calor, rubor, edema e perda de função.
Porém, o grupo de Isaac
Chiu, do Hospital Infantil de Boston, mostrou que o processo pode ocorrer
diferentemente. As próprias bactérias da infecção poderiam ativar diretamente o
neurônio, sem a presença de células imunes. O estudo começou após o próprio
Chiu e A. Von Hehn (co-autor) adicionarem bactérias a um meio de cultura
contendo neurônios sensoriais. Após a adição de bactérias, os neurônios começaram
a responder imediatamente. De alguma forma os neurônios poderiam detectar diretamente
a presença de um patógeno, mas como?
Para concretizar sua hipótese, Chiu injetou na pata
de camundongos S. aureus (comumente
encontrada em feridas), levando ao aparecimento de sinais de hiperalgesia (aumento
da sensibilidade a dor) térmica e mecânica. E a intensidade da hiperalgesia era
proporcional a quantidade de bactérias vivas no local. Porém, esses
efeitos hiperalgésicos são independentes da resposta imune do
hospedeiro, ocorrendo mesmo em animais nocautes para TLR-2 ou Myd88, e
depletados de células T e B, neutrófilos ou monócitos. Mas o que causaria a
ativação dos neurônios?
Os autores
mostraram que a S. aureus secreta
dois tipos de compostos que podem se ligar diretamente ao neurônio, levando a
sua despolarização precoce, isso é, é necessário um estímulo menor para que o
neurônio despolarize e sinalize ao encéfalo a presença de dor periférica.
Peptídios N-formilados, os quais se ligam em receptores FPR1 neuroniais,
levando a uma cascata de ativação para a abertura de canais de Ca2+,
e α-hemolisina, os quais se ligam diretamente a membrana celular dos neurônios,
permitindo a passagem livre de certos íons com consequente diminuição do
potencial de repouso da membrana, levando a despolarização precoce. Quando
esses neurônios sensoriais foram eliminados geneticamente (por meio da
eliminação de neurônios que continham canais Nav1.8, os quais incluem os
nociceptores), observou-se a eliminação dos sinais hiperalgésicos. Porém,
aumentou-se a infiltração local de neutrófilos e monócitos, além da presença de
linfoadenopatia no linfonodo drenante (com aumento na contagem de células T e B
ali localizadas). Será que os neurônios poderiam controlar a resposta imune local?
Estudos mostram que
a ativação de nociceptores pode levar a liberação reflexa de neuropeptídeos no
local, os quais podem modular a resposta imune (vasodilatação e inflamação) e
neuronial (diminuição do potencial de repouso da membrana). Quando os autores
injetaram CGRP, um neuropeptídeo classicamente conhecido por estar aumentado
durante processos hiperalgésicos no local da infecção, houve uma diminuição da
linfoadenopatia, mas não da inflamação local. Isso mostra que, em processos
infecciosos, os neurônios que controlam a dor podem suprimir a migração de
células T e B aos linfonodos. Quando os neurônios sensoriais são eliminados, tende-se
a aumentar o número de células T e B localmente durante a infecção.
Em resumo, a dor causada por bactérias pode ser uma
vantagem evolutiva, permitindo que o próprio neurônio suprima a resposta imune
local. O estudo sugere uma nova abordagem para o tratamento e controle da dor
causada por patógenos, focando também no bloqueio da liberação de seus
componentes.
Post
de Gabriel Shimizu Bassi (FMRP-USP)
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