Que nós imunologistas
temos uma certa admiração por animais transgênicos não é novidade. Estes são
essenciais para nosso campo de estudo. Contudo, as ferramentas para gerar esses
animais nem sempre são fáceis ou econômicas de usar. Em geral, o
desenvolvimento de um animal simples knockout,
por exemplo, requer o desenho complexo de nucleases para o target e edição do genoma, demanda muito tempo e envolve alto
custo.
A edição de genomas tem
sido feita tradicionalmente usando metodologias de ZFN (zinc-finger nucleases)
e TALENs (transcription activatorlike effector nucleases), técnicas que
utilizam nucleases quiméricas e customizadas para atuar em genes específicos.
Recentemente, uma terceira ferramenta muito elegante tem sido estabelecida: A
tecnologia da Cas9. Promissora e revolucionária a Cas9 já foi eficientemente
usada para alterar múltiplos genomas, de bactérias a mamíferos. Além disso, a
Cas9 é a proteína central de um dos sistemas CRISPR-Cas, que tem sido
descrito como o primeiro sistema imune adaptativo e herdável descoberto em
procariotos. Interessante não? Vamos por partes.
Em 1987 pesquisadores
descobriram uma estrutura curiosa no genoma de bactérias E. coli. Um locus constituído por sequências
repetidas de 29 pares de bases “interespaçadas” por sequências variáveis de 32
nucleotídeos conhecidas como ”espaços”. O
locus foi chamado de CRISPR (clustered
regulary interspaced palindromic repeats). Ninguém deu muita importância
para o CRISPR nos próximos quinze anos até que o advento do sequenciamento dos
genomas de bactérias e vírus mostrou que os “espaços” eram sequências
compatíveis com fagos e plasmídeos, velhos vilões das bactérias. O fato
intrigou os cientistas. Pouco tempo depois foram descobertas as primeiras
evidências de que o CRISPR estava envolvido em sistema de proteção altamente
conservado em procariotos (45% das
bactérias e 90% das arqueas contem o CRISPR loci). Como o CRISPR está
colocalizado com genes Cas, este
sistema ficou conhecido como CRISPR-Cas.
Fig. 1 Elementos básicos do sistema CRISPR-Cas.
O sistema CRISPR-Cas é
dividido em três tipos principais (tipos I,II e III) e pode conferir imunidade
em três fases. A primeira fase é a de adaptação,
onde novas sequências obtidas de fagos ou plasmideos invasores são integradas
aos espaços do CRISPR. A segunda fase, expressão,
os genes Cas são transcritos e
traduzidos em diferentes proteínas da família das Cas. Nessa fase também é
transcrito o CRISPR, gerando um RNA precursor, o pré-crRNA, que é
posteriormente processado gerando crRNA maduros. Por fim, na fase de interferência, o complexo
ribonucleoproteico formado por pelas proteínas Cas e pelo crRNA:tracRNA de
interferência é guiado ao DNA invasor
promovendo a clivagem de sequências específicas complementares ao crRNA. Além
do mais, como todo bom sistema imune o CRISPR-cas
consegue diferenciar o próprio do não-próprio. Tal propriedade se deve ao
requerimento do PAM (polindromic adjacent
motif), uma sequência específica de nucleotídeos que é reconhecida pelo
complexo de nuclease na fase de interferência.
Fig. 2 Fases da imunidade conferida pelo sistema CRISPR-Cas.
A resposta está na Cas9. A Cas9 é a proteína de
assinatura do sistema CRISPR-Cas do tipo II. Ela é necessária para maturação do
pré-crRNA em crRNA e também é a proteína responsável pela clivagem do genoma
alvo na fase de interferência. Em 2011 dois grupos independentes mostraram que
a Cas9 é uma nuclease, uma enzima especializada em clivar DNA, que atua em seus
alvos usando dois diferentes domíneos. Cada domíneo de nuclease cliva uma das
fitas do DNA dupla hélice. Assim, a Cas9 sozinha é capaz de clivar sítios
específicos do DNA guiada por uma combinação dupla de RNA de interferência
(tracrRNA:crRNA).
Em 2012 Jinek e colaboradores (Science, ago/2012)
descobriram como sintetizar um RNA quimérico (sgRNA), combinando propriedades
do tracrRNA e do crRNA, capaz de reprogramar a Cas9 purificada de Streptococcus pyogenes. O grupo teve
sucesso em clivar sequências específicas in
vitro usando os complexos sintéticos. Este estudo levantou a incrível
possiblidade de um ferramenta eficiente para edição gênica, versátil e
programável constituída por uma única proteína e um RNA sintético. A previsão
se confirmou. Em janeiro de 2013 quatro grupos de pesquisa reportaram a
utilização da Cas9 para deletar genes específicos em células humanas, iniciando
uma verdadeira “mania CRIPR” (Science,
Ago/2013). A partir de então, diferentes grupos tem usado o CRISPR-cas tipo II
purificado de bactérias para para deletar, inserir, ativar ou reprimir genes
específicos em bactérias (Nature. Mar/2013), células humanas
(Science. Fev/2013), zebrafish (Nature. Mar/2013), em camundongos (Science. Fev/2013 ) e mais recentemente, em plantas ( Nature Ago/2013 ). Apenas no mês de agosto/2013, a tecnologia da Cas9 foi foco de quatro
artigos originais da Nature, um Science, além de uma série revisões e
comentários nas principais revistas de divulgação cientifica.
Fig. 3 A Cas9 é uma
endonuclease guiada RNAi contendo uma sequencia alvo.
O que torna a Cas9 elegante e um dos tópicos mais
quentes da biotecnologia no momento é o fato dela ser uma endonuclease guiada
por um RNAi que pode, a princípio, editar qualquer tipo de genoma - desde que
atendidos os requerimentos básicos. Além disso, comparativamento a Cas9 parece
ser tão ou mais eficiente para editar genomas do que metodologias de ZFN e
TALENs (Science, Fev/2013). A
tecnologia da Cas9 dispensa o desenho customizado de novas nucleases para cada
novo gene de interesse. Por outro lado Já existem software livres que permitem
o desenho de novos sgRNA (single-guide RNA) para qualquer sequencia gênica. Com
a Cas9, cientistas agora podem criar modelos animais de doenças humanas mais
rápido do que antes, estudar genes individuais com maior agilidade e facilmente
alterar múltiplos genes com o objetivo de estudar suas interações e funções. A
Cas9 é uma ferrramenta e, portanto, tem suas limitações. Mais estudos são
necessários para resolver algumas questões importante em torno da atividade
da proteína, por exemplo, o quão específico o sgRNA é para seus alvos evitando a
ocorrência de off-target?
Por fim, um dos exemplos mais relevantes do uso dessa
tecnologia para nós imunologistas é a construção de animais knockout em tempo e a um custo sem precedentes. Diversos grupos
neste momento estão usando a Cas9 para gerar esses animais. O tempo para gerar
um novo knockout total antes da Cas9
era em média de seis a 12 meses. Agora é possivel gerá-los entre quatro a cinco
semanas, em condições otimizadas. Durante meu estágio no laboratório do
professor Dr. Richard Flavell (Yale University) nos útimos dois meses (como
participante do programa “2013 summer
research fellowship program ” em parceira da Yale University com a clínica
médica da FMRP/USP) eu mesmo pude acompanhar como essa metodologia trouxe
perspectivas para um série de novas construções. Até mesmo arrisquei criar meu
próprio camundongo mutante - que deve estar para nascer. A Cas9, devido seu
custo e simplicidade, trás boas opotunidades para países/institutos de pesquisa
que ainda não dominam a tecnologia para criar seus próprios knockouts.
É de se pensar: Por que não usarmos a Cas9 para
gerarmos nossos próprios transgênicos ? E assim diminuir ,em partes, a
dependência do exterior para o fornecimento de certos animais. Isso certamente
geraria maior autonomia em nossas pesquisas e agilizaria a publicação de
novidades made in Brazil. Por que
não?
Post de Rodrigo Pereira de Almeida Rodrigues (Mestrando, IBA – FMRP-USP)
Excelente texto! Tirou minhas dúvidas! Obrigada!
ResponderExcluirParabéns pelo texto! Me ajudou muito.
ResponderExcluirParabéns e obrigada pelo texto!
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