Embora a manchete da entrevista tenha sido "Fiocruz vai testar vacina contra dengue"Barral discorreu sobre temas importantes relacionados à ciência e diretrizes da Fiocruz-Bahia. Vale a pena conferir!
Nos
próximos meses, será iniciado um estudo de dengue envolvendo ensaio de vacina
na Fiocruz-Bahia, informa o novo diretor da entidade, o médico e pesquisador
Manoel Barral Netto. Em entrevista ao A TARDE, ele anuncia os planos de sua
gestão, entre os quais a informatização da geração de biodados para o SUS e a
parceria com o Parque Tecnológico da Bahia.
A
TARDE - Uma das funções da Fiocruz é produzir conhecimento científico
para o SUS. Como isso se dá?
Manoel
Barral Netto - Isso é feito em vários níveis. Em
pesquisas de novas terapias e diagnósticos visando as doenças que são de
importância para o País. A ênfase se dá naquelas que não são cobertas pela
iniciativa privada e atingem as camadas menos favorecidas. As
doenças que são internacionalmente negligenciadas são as doenças da pobreza.
AT
- Como se dará a mudança do perfil epidemiológico no Brasil?
MBN
- Como instituição, temos que estimular a
realização de novas pesquisas em torno dessas doenças, que estarão aí em pouco
tempo. A exemplo das doenças crônico-degenerativas (diabetes, hipertensão,
Alzheimer, etc.), bastante comuns entre idosos, principalmente aquelas não
cobertas pela iniciativa privada, sendo obrigação do governo cuidá-las.
AT
- Em termos de investimentos em pesquisa, como a Fiocruz Bahia se situa em
relação à suas congêneres de outros estados?
MBN
- A Bahia é dos centros regionais que
historicamente funciona há mais tempo e um dos mais consolidados em relação às
demais unidades da Fiocruz. Nossa preocupação é ela permanecer boa
no que faz e começar a se preparar para o futuro. Temos vários
indicadores de produção científica muito bons. Tanto nacionais quanto
internacionais. O nosso foco é voltado para produção de conhecimento e
doenças infectoparasitárias. Mas já aparecem com destaque pesquisas com
células-tronco e epidemiologia.
AT
- Quais os desafios e prioridades nessas pesquisas?
MBN
- As doenças cardiovasculares,
as neurodegenerativas, como Alzheimer, tornam-se mais importantes a
partir do instante em que mais gente envelhece no Brasil. Contudo, não
devemos pensar a pesquisa só pelo aspecto da doença, mas nos mecanismos
que envolvem essas doenças. Temos um boa estrutura de avaliação do
sistema imune. Além deste aspecto, é fundamental o estudo do processo
inflamatório. Cada vez mais está claro que a inflamação está envolvida
nas doenças degenerativas. A inflamação é um mecanismo essencial para o
homem. Doenças não relacionadas à inflamação, como, por exemplo, a
arteriosclerose, hoje estão vinculadas a ela, já que a gordura é um
elemento que estimula a inflamação. Hoje este processo diz respeito à
cardiologia, neurologia, reumatologia. Por isso dizemos que é
importante a gente estimular a mudança do perfil da pesquisa científica.
AT
- A urgência surge com o envelhecimento da população?
MBN
- No Brasil de 80 anos atrás nossa
expectativa de vida era muito menor do que hoje. A inflamação era naquela época
um mecanismo mais protetor do que destrutivo, pois as pessoas morriam cedo.
Hoje tem muito mais gente envelhecendo. Essa mudança de perfil da população
explica por que hoje vemos a inflamação mais como dano do que como
proteção. O importante é saber não como se destrói a inflamação mas
como manter o controle sobre ela.
AT
- Que outros aspectos devem ser destacados?
MBN
-Devemos ainda ficar atentos para outros
aspectos que permitem interpretar a doença. Um deles na área biológica é
a produção física de dados. Cada vez mais essas técnicas permitem
gerar um impressionante volume de informações. Em poucos anos cada
indivíduo vai ter seu genoma inteiramente disponível. Isto vai permitir a
produção de medicamentos personalizados. Por outro lado, além de dados
biológicos, temos os dados relacionados ao ambiente em grande quantidade
e precisos. O desafio é o tratar esses dados de forma inteligente,
transformando-os em algo útil. Essa tarefa cabe à biologia computacional,
subdivisão da informática médica e da estatística.
AT
- Há pessoas já formadas para gerir dados na área de biologia
computacional?
MBN
- Temos aqui na Fiocruz aberto vagas em
concurso para selecionar pessoal capacitado. Falta gente no mundo inteiro e
aqui no Brasil também. É uma área muito nova, e as técnicas de geração de dados
progrediram mais rápido.
AT
- A parceria com o Parque Tecnológico visa reforçar a informática médica?
MBN
- Dentro do campo da informática
médica, temos o desenvolvimento de aplicativos que ajudem no controle das
doenças e no trabalho do Programa de Saúde da Família. Esse é um dos
nossos objetivo na parceria com o Parque Tecnológico. A ideia é criar um
núcleo para gerir o aplicativo nesta área de controle da saúde. Vamos
atuar como fomentador.
AT
- A Fiocruz pretende migrar também as plataformas tecnológicas para o Parque...
MBN
- Essas plataformas tecnológicas atendem a
todos os nossos laboratórios, seja microscopia eletrônica, seja de
seccionamento de amostras de material genético. Migraremos algumas dessas
plataformas para o Parque Tecnológico para interagir com outras
instituições governamentais e também com empresas. Será possível, por
exemplo, uma empresa realizar um sequenciamento sem precisar fazer
investimento na compra desses equipamentos. A ideia é operar essas plataformas
lá, e o Estado dará um contrapartida. Há uma das plataformas que não temos
aqui, e o Estado se comprometeu em adquirir. A nossa plataforma de
sequenciamento já está mais ou menos em seu limite. A meta é ter uma outra
máquina, mais avançada, para que possamos expandir. Então, na verdade, é uma
parceria e não apenas uma mudança.
AT
- A transferência já está em processo?
MBN
- Temos um documento sendo analisado com
uma sinalização muito positiva do secretário [de Ciência e Tecnologia ] Paulo
Câmara e da presidência nacional da Fiocruz. Espero que nos próximos meses
tenhamos lá a área da TI e até o final do ano estejamos com algumas plataformas
lá. São máquinas bastante sofisticadas, algumas delas teremos que contratar uma
empresa para serem transportadas.
AT
- Como o senhor vê o novo Código de Ciência e Tecnologia que está sendo
debatido no Congresso Nacional?
MBN
- O projeto em discussão traz avanços,
sim. O país necessita de uma legislação da área de tecnologia mais apropriada
diante das dificuldades que temos. A atividade de pesquisa não permite elaborar
planejamentos tão rígidos para que se saiba o quanto vai se gastar até o final.
Há projetos e planos, mas, na verdade, não se sabe aonde vai chegar, pois, se
soubéssemos, não era necessário fazer a pesquisa. Não queremos
flexibilidade para fugir dos controles. Os controles é que têm que ser
apropriados para o tipo de atividade que desenvolvemos. Hoje, ao fazermos
um projeto, temos que planejar até o nível de gasto de um reagente. Só
que após um período pode ser necessário fazer alterações. Por isso
gastamos muito tempo escrevendo justificativas. Isso retarda o processo. A
atividade de pesquisa envolve competitividade internacional, e os países
que têm legislação mais ágeis conseguem mais velocidade na produção de resultados
do que nós, presos na burocracia.
AT
- Como se encontra a pesquisa na Bahia?
MBN
- A Bahia é hoje o estado do Nordeste que
tem o maior número de doutores atuantes em pesquisa e o estado com o maior
número de produção científica internacionalmente indexada. No entanto, a
Bahia tem um problema sério no setor educacional. Se
analisarmos o programa Ciência sem Fronteira, veremos que o estado
tem aproveitado muito pouco o programa. É impressionante. Ficamos atrás do
Ceará, Pernambuco, como também do Paraíba e do Rio Grande do Norte. Então é
muito ruim o nosso desempenho. Falo nisso, pois significa que, para
melhorarmos a competitividade do estado, temos que ter gente fazendo ciência. E
isso se complica caso não se tenha tido uma educação qualitativa. Se não
melhorarmos o nosso desempenho, isso vai comprometer o futuro da ciência na
Bahia.
AT
- Quais as pesquisas feitas em doenças como a dengue?
MBN - Está planejado para se iniciar nos próximos meses um grande estudo de
dengue envolvendo um ensaio de vacina. A gente tem que descobrir o que
protege para depois ter uma vacina de fato eficiente. Também o diagnóstico
rápido da leishmaniose, uma doença que ainda não conseguimos
eliminar , é muito importante. Trata-se de uma doença aguda, de evolução
muito rápida, e há várias pesquisas aplicadas tanto no diagnóstico quanto em
vacinas. O Brasil é um dos países que mais têm a doença, e o Nordeste é onde é
mais prevalente, inclusive na Bahia. Esta pesquisa da vacina é bastante
importante, pois seguimos uma abordagem diversificada: a saliva do
mosquito transmissor ajuda a transmitir a leishmaniose. Caso o
protozoário causador seja injetado sem a saliva do mosquito tem muito menos a
capacidade de sobrevivência. De tal maneira que, se neutralizarmos
os efeitos da saliva, então poderemos potencializar a vacina.