quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Entrevista de Manoel Barral-Netto ao jornal A Tarde, Salvador -Bahia.







Embora a manchete da entrevista tenha sido "Fiocruz vai testar vacina contra dengue"Barral discorreu sobre temas importantes relacionados à ciência e diretrizes da Fiocruz-Bahia. Vale a pena conferir!



Nos próximos meses, será iniciado um estudo de dengue envolvendo ensaio de vacina na Fiocruz-Bahia, informa o novo diretor da entidade, o médico e pesquisador Manoel Barral Netto. Em entrevista ao A TARDE, ele anuncia os planos de sua gestão, entre os quais a informatização da geração de biodados para o SUS e a parceria com o Parque Tecnológico da Bahia.

A TARDE - Uma das funções da Fiocruz é  produzir conhecimento científico para o SUS. Como isso se dá?
Manoel Barral Netto - Isso é feito em vários níveis. Em pesquisas de novas terapias e diagnósticos visando as doenças que são de importância para o País. A ênfase se dá naquelas que não são cobertas pela iniciativa privada  e atingem as camadas menos favorecidas.  As doenças que são internacionalmente negligenciadas são as doenças da pobreza.

AT - Como se dará a mudança do  perfil epidemiológico no Brasil?
MBN - Como instituição, temos que estimular a realização de novas pesquisas em torno dessas doenças, que estarão aí em pouco tempo. A exemplo das doenças crônico-degenerativas (diabetes, hipertensão, Alzheimer, etc.), bastante comuns entre idosos, principalmente aquelas não cobertas pela iniciativa privada, sendo obrigação do governo cuidá-las.
AT - Em termos de investimentos em pesquisa, como a Fiocruz Bahia se situa em relação à suas congêneres de outros estados?
MBN - A Bahia é dos centros regionais que historicamente funciona há mais tempo e um dos mais consolidados em relação às demais unidades da Fiocruz. Nossa   preocupação é ela permanecer boa no que faz e começar a se preparar para o futuro. Temos  vários indicadores de produção científica muito bons. Tanto  nacionais quanto internacionais. O  nosso foco é voltado para produção de conhecimento e doenças infectoparasitárias. Mas já  aparecem com destaque pesquisas com células-tronco e epidemiologia.
AT - Quais os desafios e prioridades nessas pesquisas?
MBN - As doenças cardiovasculares,  as  neurodegenerativas, como Alzheimer,  tornam-se mais importantes a partir do instante em que mais gente envelhece no Brasil.  Contudo, não devemos pensar a pesquisa só pelo aspecto da doença, mas  nos mecanismos que envolvem essas doenças. Temos um boa  estrutura de avaliação do sistema imune. Além deste aspecto,  é fundamental o estudo do processo inflamatório.  Cada vez mais está claro que a inflamação está envolvida nas doenças degenerativas. A inflamação é um mecanismo essencial para o homem.  Doenças não  relacionadas à inflamação, como, por exemplo, a arteriosclerose, hoje estão vinculadas a ela, já que a  gordura é um elemento que estimula a inflamação. Hoje este processo diz respeito à cardiologia,   neurologia, reumatologia. Por isso dizemos que é importante a gente estimular a mudança do perfil da pesquisa científica.
AT - A urgência surge com o envelhecimento da população?
MBN - No Brasil de 80 anos atrás nossa expectativa de vida era muito menor do que hoje. A inflamação era naquela época um mecanismo mais protetor do que destrutivo, pois as pessoas morriam cedo. Hoje tem muito mais gente envelhecendo. Essa mudança de perfil da população explica por que  hoje vemos a inflamação mais como dano do que como proteção.  O importante é saber  não como se destrói a inflamação mas como manter o controle sobre ela.
AT - Que outros aspectos devem ser destacados?
MBN -Devemos ainda ficar atentos para outros aspectos que permitem interpretar a doença. Um deles na área  biológica é a produção física de dados.  Cada vez mais essas técnicas permitem  gerar um impressionante volume de informações.  Em poucos anos cada indivíduo vai ter seu genoma inteiramente disponível.  Isto vai permitir a produção de medicamentos personalizados.  Por outro lado, além de dados biológicos, temos  os dados relacionados ao ambiente em grande quantidade e precisos. O desafio é o tratar esses dados de forma inteligente, transformando-os em algo útil. Essa tarefa cabe à biologia computacional, subdivisão da informática médica e da estatística.
AT - Há pessoas já formadas para gerir  dados na área de biologia computacional?
MBN - Temos aqui na Fiocruz aberto vagas em concurso para selecionar pessoal capacitado. Falta gente no mundo inteiro e aqui no Brasil também. É uma área muito nova, e as técnicas de geração de dados progrediram mais rápido.
AT - A parceria com o Parque Tecnológico visa reforçar a informática médica?
MBN - Dentro do campo da  informática médica, temos o desenvolvimento de aplicativos  que ajudem no controle das doenças e no trabalho do Programa de Saúde da Família.  Esse é um dos nossos objetivo na parceria com o Parque Tecnológico. A ideia é criar um núcleo  para gerir o aplicativo nesta área de controle da saúde. Vamos atuar como fomentador.
AT - A Fiocruz pretende migrar também as plataformas tecnológicas para o Parque...
MBN - Essas plataformas tecnológicas atendem a todos os nossos  laboratórios, seja microscopia eletrônica,  seja de seccionamento de amostras de material genético. Migraremos algumas dessas plataformas para o Parque Tecnológico  para interagir com outras instituições governamentais e  também com empresas. Será possível, por exemplo,  uma empresa realizar um sequenciamento sem  precisar fazer investimento na compra desses equipamentos. A ideia é operar essas plataformas lá, e o Estado dará um contrapartida. Há uma das plataformas que não temos aqui,  e o Estado se  comprometeu em adquirir. A nossa plataforma de sequenciamento já está mais ou menos em seu limite. A meta é ter uma outra máquina, mais avançada, para que possamos expandir. Então, na verdade, é uma parceria e não apenas uma mudança.
AT - A transferência já está em processo?
MBN - Temos um documento sendo analisado com uma sinalização muito positiva do secretário [de Ciência e Tecnologia ] Paulo Câmara e da presidência nacional da Fiocruz. Espero que nos próximos meses tenhamos lá a área da TI e até o final do ano estejamos com algumas plataformas lá. São máquinas bastante sofisticadas, algumas delas teremos que contratar uma empresa para serem transportadas.
AT - Como o senhor vê o novo Código de Ciência e Tecnologia que está sendo debatido no Congresso Nacional?
MBN - O projeto em discussão traz avanços, sim. O país necessita de uma legislação da área de tecnologia mais apropriada diante das dificuldades que temos. A atividade de pesquisa não permite elaborar planejamentos tão rígidos para que se saiba o quanto vai se gastar até o final. Há projetos e planos, mas, na verdade, não se sabe aonde vai chegar, pois, se soubéssemos, não era necessário fazer a pesquisa.  Não queremos  flexibilidade para fugir dos controles. Os controles é que têm que ser apropriados para o tipo de atividade que  desenvolvemos. Hoje, ao fazermos um projeto,  temos que planejar até o nível de gasto de um reagente. Só que após um período  pode ser necessário fazer alterações. Por isso  gastamos muito tempo escrevendo justificativas. Isso retarda o processo. A atividade de pesquisa envolve  competitividade internacional, e os países que têm legislação mais ágeis conseguem mais velocidade na produção de resultados do que nós, presos na burocracia.
AT - Como se encontra a pesquisa na Bahia?
MBN - A Bahia é hoje o estado do Nordeste que tem o maior número de doutores atuantes em pesquisa e o estado com o maior número de produção científica internacionalmente indexada.  No entanto, a Bahia tem um problema sério no setor  educacional.  Se analisarmos  o programa Ciência sem Fronteira, veremos que o estado  tem aproveitado muito pouco o programa. É impressionante. Ficamos atrás do Ceará, Pernambuco, como também do Paraíba e do Rio Grande do Norte. Então é muito ruim o nosso desempenho. Falo nisso, pois  significa que, para melhorarmos a competitividade do estado, temos que ter gente fazendo ciência. E isso se complica caso não se tenha tido uma educação qualitativa.  Se não melhorarmos o nosso desempenho, isso vai comprometer o futuro da ciência na Bahia.
AT - Quais as pesquisas feitas  em doenças  como  a dengue?

MBN - Está planejado para se iniciar nos próximos meses um grande estudo de dengue envolvendo um ensaio de vacina.  A gente tem que descobrir o que protege para depois ter uma vacina de fato eficiente. Também o diagnóstico rápido da leishmaniose, uma doença que ainda  não conseguimos  eliminar ,  é muito importante. Trata-se de uma doença aguda, de evolução muito rápida, e há várias pesquisas aplicadas tanto no diagnóstico quanto em vacinas. O Brasil é um dos países que mais têm a doença, e o Nordeste é onde é mais prevalente, inclusive na Bahia. Esta  pesquisa da vacina é bastante importante, pois seguimos  uma abordagem diversificada: a saliva do mosquito transmissor  ajuda a transmitir a leishmaniose. Caso o protozoário causador seja injetado sem a saliva do mosquito tem muito menos a capacidade de sobrevivência.  De tal maneira que, se  neutralizarmos os efeitos da saliva, então poderemos potencializar a vacina.




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