Olá
todos
Uma pequena (ou grande) parcela
das discussões científicas acontecem em ambientes longe dos laboratórios,
incluindo alguns eventos sociais. Em um
desses eventos tive a oportunidade de ouvir as opiniões de uma dupla sobre como
pode ser frutífero o casamento das ideias de ecólogos e imunologistas. Embora
esta matéria já tenha passado por este blog, achei interessante convidar esta
dupla para expor como este tema é visto dentro da ecologia, mas sem perder a
visão dos imunologistas. Espero que este
texto ajude a fortalecer o time da ecoimunologia
brasileira e favoreça o aparecimento de parcerias. Segue uma breve descrição
dos autores e o texto.
Rafael é biólogo, mineiro, doutor em Ecologia pela UNICAMP e
atualmente professor do departamento de ecologia da UFG. Patrícia, também
bióloga, mineira, doutora em Genética e Biologia Molecular com ênfase em
Imunologia pela UNICAMP e atualmente professora no setor de imunologia da UFG.
Novas perspectivas em imunologia
ecológica
por Patrícia R. A. Nagib & Rafael D. Loyola
Os
mecanismos por meio dos quais a variação genética é traduzida em variação
fenotípica podem ser bastante complexos, de maneira que generalizações à
respeito de seu funcionamento são difíceis de se obter. Essa falta de
generalizações dificulta a associação entre alterações genéticas e variação
imunológica em um contexto eco-evolutivo, de maneira que cada interação
parasita-hospedeiro é, geralmente, considerada um estudo de caso [1].
A
ecologia se caracteriza pela busca de padrões na distribuição e interação dos
organismos entre si e com o ambiente e os mecanismos que os explicam. No início
da década de 90, essa ciência uniu-se formalmente à imunologia, delimitando um
novo campo de estudo chamado “imunologia ecológica” ou “ecoimunologia”, que já
foi assunto no blog da SBI [2].
O foco
da imunologia ecológica tem sido o de descrever e explicar a variação natural
em funções imunológicas [3], mais especificamente, por que e
como fatores bióticos e abióticos contribuem para a variação na imunidade em
ambientes naturais. Tal abordagem difere-se grandemente da maioria das
pesquisas em imunologia que controlam tal variação experimentalmente em busca
dos detalhes, em nível celular e molecular, dos mecanismos de resistência (ou
tolerância) à parasitas.
A
imunologia ecológica sugere que a resposta imune é apenas um elemento de uma
resposta integrada do organismo que é totalmente dependente contexto ecológico
no qual ele está inserido [4]. A resposta imune é capaz de
impedir a disseminação de células cancerígenas ou barrar infecções, mas a
qualidade e quantidade de recurso ingerido pelo organismos, o clima, a
competição com organismos da mesma espécie e a predação podem ser também muito
importantes. Se as necessidades ecológicas forem muito altas (por exemplo, se o
organismo tem que gastar muita energia para escapar de seus predadores, seja
criando barreiras químicas ou com mudanças comportamentais, a resposta imune
pode ser diminuída ou até mesmo seriamente comprometida). Em libélulas, por exemplo,
manchas nas asas causadas por depósitos de melanina são vistas como pistas
ecológicas da saúde dos indivíduos. A melanina tem um papel importante na
resposta de invertebrados ao parasitismo, assim, indivíduos que podem
disponibilizar melanina para pigmentação das asas, são aqueles que não
“gastaram” esse composto em defesa, estando, supostamente, sadios.
Neste
sentido, a imunologia ecológica vem ganhando destaque na literatura
demonstrando a importância do sistema imune na manutenção da diversidade animal
e vegetal e ampliando os conhecimentos sobre a relação entre sistema imune e
espécies ameaçadas de extinção. Na imunologia humana o impacto também não é
menor, estudos que avaliam o impacto de estresses ambientais, sejam eles
físicos, químicos ou psico-sociais demonstram a estreita relação entre ambiente
e imunidade. Este conceito porém, não é totalmente novo pois a relação
neuro-imune-endócrina já é conhecida e estudada por muitos. Contudo, a temática
ecológica amplia o conceito e traz uma nova perspectiva sob o ponto de vista
evolutivo e permite a interação com diferentes áreas. Um exemplo disto é a
conciliação da imunologia ecológica com a ecologia de doenças (disease ecology) [5]. Desta conciliação estão
surgindo inúmeros trabalhos que visam traduzir a variação em processos “dentro”
do hospedeiro (isto é, a resposta imune) em uma dinâmica entre hospedeiros
(isto é, transmissão de parasitas). Tais estudos podem ser usados para prever,
por meio da modelagem de nicho ecológico, qual o risco de transmissão de uma
determinada enfermidade, qual a distribuição geográfica de vetores de
importância médica, como as mudanças climáticas globais podem alterar a
distribuição de vetores, patógenos e do risco de transmissão de enfermidades e
como tais modelos podem contribuir para a definição de políticas de saúde
pública em âmbito nacional e regional.
Desde
sua criação a imunologia ecológica diversificou-se bastante. Atualmente,
existem temas “quentes” que carecem de estudos especialmente no Brasil. Alguns
desses temas são: (1) as várias maneiras por meio das quais hospedeiros
(animais ou plantas) lidam com o parasitismo em ambientes naturais (resistência
ou susceptibilidade, por exemplo); (2) diversidade de MHC e doenças auto-imunes;
(3) quais as consequências ecológicas da herdabilidade imunológica entre
gerações e (4) qual o papel da resistência ao parasitismo para a evolução da
virulência de patógenos. A associação de imunologistas e ecólogos para a
elucidação de questões como essas seria muito bem-vinda no Brasil e há espaço
para isso.
Referências
1. Martin
LB, Hawley DM, Ardia DR (2011) An introduction to ecological immunology. Funct Ecol 25: 1–4. doi:10.1111/j.1365-2435.2010.01820.x.
2. http://blogdasbi.blogspot.com.br/2012/09/imunologia-ecologica.html.
3. Sheldon
BC, Verhulst S (1996) Ecological immunology: costly parasite defences and
trade-offs in evolutionary ecology. Trends Ecol Evol 11: 317–321.
doi:10.1016/0169-5347(96)10039-2.
4. Graham
AL, Shuker DM, Pollitt LC, Auld SKJR, Wilson AJ, et al. (2011) Fitness
consequences of immune responses: strengthening the empirical framework for
ecoimmunology. Funct Ecol 25: 5–17. doi:10.1111/j.1365-2435.2010.01777.x.
5. Hawley
DM, Altizer SM (2011) Disease ecology meets ecological immunology:
understanding the links between organismal immunity and infection dynamics in
natural populations. Funct Ecol 25: 48–60. doi:10.1111/j.1365-2435.2010.01753.x.