domingo, 28 de abril de 2013

Journal Club IBA: Papel do MYD88 na patogênese do Lupus Eritematoso Sistêmico (LES)




É de conhecimento de todos que o lúpus eritematoso sistêmico é uma doença multifatorial de caráter autoimune na qual ocorre quebra da tolerância a antígenos nucleares. Pouco se sabe a respeito dos mecanismos imunológicos à cerca da doença, no entanto, a alta frequência de autoanticorpos específicos à cromatina e complexos ribonucleoproteicos desempenham um papel central das células B em sua patogênese, visto que há depósitos de imunocomplexos nos glomérulos renais. Essa característica da resposta imune é uma das principais complicações da doença, a nefrite lúpica.  
Existe grande interesse no conhecimento da gênese da doença e é muito intrigante como os ácidos nucleicos, considerados pouco imunogênicos, desencadeiam a quebra da tolerância por células B autorreativas no LES. Um mecanismo proposto e altamente aceito na comunidade científica seria o papel “adjuvante” da sinalização via Toll-like receptors (TLRs). De acordo com essa teoria, o primeiro sinal, representado pela ligação do BCR ao seu autoantígeno (DNA ou RNA), por si só, seria insuficiente para a geração de uma produção eficiente de autoanticorpos. Tal produção só poderia ser alcançada mediante a um segundo sinal. E é nesse ponto que entra os extensivamente estudados TLRs.
   O reconhecimento do ácido nucleico próprio por um BCR específico (1o sinal) somado à posterior sinalização via um TLR específico (2o sinal) seria responsável pela quebra da tolerância observada no LES. O TLR7 e TLR9 que reconhecem, respectivamente, ssRNA e dsDNA, são bem descritos nesse contexto. Animais deficientes desses receptores apresentam ausência de autoanticorpos específicos, o que reforça essa hipótese. De maneira interessante, ambos sinalizam via molécula adaptora MyD88. Animais Myd88-/- apresentam fenótipo similar ao duplo knockout (KO) de Tlr7 e Tlr9, o que sugere papel central MyD88 na formação dos autoanticorpos no LES.
  Adicional ao papel descrito das células B na doença, células dendríticas convencionais (DCs) e DCs plasmocitóides (pDCs) também expressam TLR7 e TLR9. Em tais células, essa sinalização é responsável, principalmente, pela produção de IFN do tipo I, citocina encontrada em altas concentrações no soro de pacientes com SLE e, diretamente, relacionadas com o quadro clínico observado. Essas observações limitam a interpretação da participação dos linfócitos B e de DCs na etiopatogenia do Lupus utilizando animais knockout totais para essas moléculas.
   A fim de elucidar os mecanismos dependentes de MyD88 em células B e DCs durante o LES, Teichmann e colaboradores (2013) utilizaram animais com células B ou DCs Myd88-/- e publicaram um elegante trabalho, mês passado na conceituada Immunity, demonstrando novos mecanismos envolvidos na patogênese no LES.
     Nesse trabalho elegante foi demonstrado que células B autorreativas são diretamente ativadas pelo ácido nucleico próprio (1) e secretam autoanticorpos de maneira dependente de MyD88 (2). Após essa sinalização, também ocorre a ativação secundária de células T (3), assim como a secreção de citocinas relacionadas com o padrão Th1(4), deletérias na doença. Tais autoanticorpos são responsáveis pela formação de imunocomplexos (5) que são reconhecidos e internalizados por DCs, ativando-as de maneira MyD88-dependente. Nesse contexto, as DCs apresentam papel secundário na doença. Nos rins, por mecanismos que ainda permanecem não elucidados, essas células interagem com as células T (6) e são responsáveis pela nefrite intersticial observado. Já na pele, as DCs interagem com células T e são responsáveis pela dermatite lúpica, mecanismo também dependente de MyD88.
     Com relação aos aspectos clínicos decorrentes do LES, a deficiência de MyD88 nas células B contribui para redução da nefrite observada no lúpus, relacionado com uma menor produção de autoanticorpos e de imunocomplexos no rim. Por outro lado, tal sinalização em DCs não altera a produção de autoanticorpos e tão pouco contribui para a melhora da nefrite. No entanto, a deficiência de MyD88 nestas células foi importante para um quadro de melhora da dermatite lúpica.

Post de Kalil e Gisele (IBA-FMRP-USP)




        

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