É de conhecimento de todos
que o lúpus eritematoso sistêmico é uma doença multifatorial de caráter
autoimune na qual ocorre quebra da tolerância a antígenos nucleares. Pouco se sabe
a respeito dos mecanismos imunológicos à cerca da doença, no entanto, a alta frequência
de autoanticorpos específicos à cromatina e complexos ribonucleoproteicos
desempenham um papel central das células B em sua patogênese, visto que há
depósitos de imunocomplexos nos glomérulos renais. Essa característica da
resposta imune é uma das principais complicações da doença, a nefrite lúpica.
Existe grande
interesse no conhecimento da gênese da doença e é muito intrigante como os ácidos
nucleicos, considerados pouco imunogênicos, desencadeiam a quebra da tolerância
por células B autorreativas no LES. Um mecanismo proposto e altamente aceito na
comunidade científica seria o papel “adjuvante” da sinalização via Toll-like
receptors (TLRs). De acordo com essa teoria, o primeiro sinal, representado
pela ligação do BCR ao seu autoantígeno (DNA ou RNA), por si só, seria
insuficiente para a geração de uma produção eficiente de autoanticorpos. Tal
produção só poderia ser alcançada mediante a um segundo sinal. E é nesse ponto que
entra os extensivamente estudados TLRs.
O reconhecimento do ácido nucleico
próprio por um BCR específico (1o sinal) somado à posterior
sinalização via um TLR específico (2o sinal) seria responsável pela
quebra da tolerância observada no LES. O TLR7 e TLR9 que reconhecem,
respectivamente, ssRNA e dsDNA, são bem descritos nesse contexto. Animais
deficientes desses receptores apresentam ausência de autoanticorpos
específicos, o que reforça essa hipótese. De maneira interessante, ambos
sinalizam via molécula adaptora MyD88. Animais Myd88-/- apresentam fenótipo similar ao duplo knockout (KO) de Tlr7 e Tlr9, o que sugere
papel central MyD88 na formação dos autoanticorpos no LES.
Adicional ao papel descrito das
células B na doença, células dendríticas convencionais (DCs) e DCs plasmocitóides
(pDCs) também expressam TLR7 e TLR9. Em tais células, essa sinalização é
responsável, principalmente, pela produção de IFN do tipo I, citocina
encontrada em altas concentrações no soro de pacientes com SLE e, diretamente,
relacionadas com o quadro clínico observado. Essas observações limitam a
interpretação da participação dos linfócitos B e de DCs na etiopatogenia do
Lupus utilizando animais knockout totais
para essas moléculas.
A fim de elucidar os mecanismos dependentes de MyD88 em
células B e DCs durante o LES, Teichmann
e colaboradores (2013) utilizaram animais com células B ou DCs Myd88-/- e publicaram um elegante trabalho, mês
passado na conceituada Immunity, demonstrando novos mecanismos envolvidos na
patogênese no LES.
Nesse trabalho
elegante foi demonstrado que células B autorreativas são diretamente ativadas
pelo ácido nucleico próprio (1) e secretam autoanticorpos de maneira dependente
de MyD88 (2). Após essa sinalização, também ocorre a ativação secundária de
células T (3), assim como a secreção de citocinas relacionadas com o padrão
Th1(4), deletérias na doença. Tais autoanticorpos são responsáveis pela
formação de imunocomplexos (5) que são reconhecidos e internalizados por DCs,
ativando-as de maneira MyD88-dependente. Nesse contexto, as DCs apresentam
papel secundário na doença. Nos rins, por mecanismos que ainda permanecem não
elucidados, essas células interagem com as células T (6) e são responsáveis
pela nefrite intersticial observado. Já na pele, as DCs interagem com células T
e são responsáveis pela dermatite lúpica, mecanismo também dependente de MyD88.
Com relação aos aspectos clínicos decorrentes do LES, a
deficiência de MyD88 nas células B contribui para redução da nefrite observada
no lúpus, relacionado com uma menor produção de autoanticorpos e de
imunocomplexos no rim. Por outro lado, tal sinalização em DCs não altera a
produção de autoanticorpos e tão pouco contribui para a melhora da nefrite. No
entanto, a deficiência de MyD88 nestas células foi importante para um quadro de
melhora da dermatite lúpica.
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