quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Um novo tipo de célula T supressora regula outras células T competindo por ligantes self-MHC subliminares

 
Devido à imprevisibilidade dos contatos antigênicos futuros, é crucial para o sistema imune manter um repertório variado de linfócitos T, apesar da idade e das repetidas expansões clonais provocadas por infecções. Como o repertório contrai após uma expansão é um processo ainda mal compreendido. Por exemplo, se a restauração dos números de células T fosse regulada apenas por competição por fatores de sobrevivência e/ou crescimento, deveríamos esperar uma perda gradual de clones de células T “bystander”, e uma redução progressiva do repertório em função do tempo, o que não acontece. Além disso, a importância da presença de clones não relacionados para o destino de um clone é grande. Em modelos experimentais, os clones autorreativos só se comportam de forma agressiva, quando estão em ambiente linfopênico, mas os mecanismos regulatórios exercidos por outros clones não estão totalmente esclarecidos.

Um trabalho recente de Singh e colaboradores identificou um novo tipo de célula T supressora para células T CD4, que recapitula a seleção positiva no timo, e ajuda a preservar a variabilidade clonal através de competição entre clones não relacionados de células T (Singh, NJ, Bando, JK, e Schwartz, RH. 2012. Subsets of nonclonal neighboring CD4+ T cells specifically regulate the frequency of individual antigen-reactive T cells. Immunity 37; 735-746).

Singh e colaboradores estabeleceram um modelo em que células T CD4 transgênicas 5C.C7, específicas para o citocromo c de pombo eram transferidas para animais transgênicos que expressavam o citocromo c mas, como esperado, só causavam autoimunidade em recipientes linfopênicos. A mistura do clone 5C.C7 com células T policlonais normais inibia o aparecimento de autoimunidade. Como identificar a célula T normal que interferia com o clone ? Os autores então dividiram o “pool” de linfócitos T normais em subpopulações de 100 células, e mostraram que alguns destes pools, mas não outros, deletavam as células 5C.C7autoimunes. Importante, a atividade deletadora não tinha qualquer relação com a expressão de marcadores de células Treg. Um pool que fosse supressor para o clone 5C.C7, no entanto, não deletava a atividade de um clone específico para outro antígeno. Além disso, o pool não tinha especificidade para citocromo, mas era capaz de deletar o clone 5C.C7 também em interações singênicas, na ausência do antígeno exógeno.

Como resultado de muito esforço, Singh et al. sequenciaram os TCRs do pool celular deletador. A partir de um TCR identificado, criaram um camundongo transgênico expressando o TCR capaz de deletar o clone 5C.C7 em culturas, indicando que este novo TCR clonado era responsável pela atividade deletadora do pool. A co-transferência in vivo para animais linfopênicos mostrou que este novo clone de célula T CD4 era um potente supressor da atividade autoimune do clone 5C.C7.        

Um trabalho anterior havia identificado um peptídeo endógeno, expresso em diferentes tecidos, inclusive no timo, e que era capaz de mediar a seleção positiva do TCR expresso pelo clone 5C.C7 (Ebert PJ et al., 2009, Nat. Immunol. 10; 1162-1169). Singh e colaboradores mostraram que a nova célula T supressora, assim como o clone 5C.C7, reconhecia exatamente este mesmo peptídeo endógeno. Os autores denominaram o peptídeo de ligante subliminar, porque não levou a respostas flagrantes, mas sim a sinais de sobrevivência. Quando o clone 5C.C7 e o novo clone deletador eram misturados, eles competiram diretamente por este peptídeo, até que as células deletadoras ganharam. Os autores propuseram que o pool periférico de linfócitos T pode ser subdividido em “colônias” discretas, contendo clones não relacionados, que têm em comum a reação cruzada por um peptídeo endógeno complexado a MHC, que é um ligante subliminar que permite liberação de sinais de sobrevivência (Figura 1). Desta forma, a regulação da contração clonal ocorre dentro de uma determinada colônia, e não se alastra por todo o repertório. Esta fragmentação da atividade regulatória pode ser um mecanismo crucial para manter a estabilidade e a variabilidade do repertório ao longo do tempo. Uma questão interessante é se as APCs deste sistema seriam células dendríticas e macrófagos, ou se seriam células epiteliais, como ocorre no timo. Este trabalho mostra a importância da autorreatividade intrínseca dos TCRs e revela a existência de um potente mecanismo de regulação periférica: uma célula T supressora independente de células Treg, baseada em competição por um ligante antigênico do próprio hospedeiro. Estudos futuros deverão avaliar a relevância deste mecanismo regulatório em situações de inflamação e autoimunidade.

 

 

Figura 1. A figura mostra o repertório de células T subdividido por diferentes colônias. Uma colônia contem múltiplos clones, que reconhecem diferentes antígenos exógenos, mas estes clones fazem reação cruzada com um ligante subliminar, que fornece sinais de sobrevivência. O clone deletador de cada colônia é aquele que possui a maior afinidade pelo ligante subliminar; é este que vai determinar a contração de um clone competidor após uma expansão clonal provocada por uma infecção (representado interagindo com o ligante subliminar).

(figura retirada do comentário editorial de: Walker, LSK, Immunity 37; 598-600, 2012)

 

Post de George A. DosReis

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