Há certo tempo, o metabolismo do Ferro teve um destaque na imunologia, especialmente
pela relação entre a Heme Oxygenase (HO-1) e a atividade das células T reguladoras. A HO-1 cataliza a clivagem oxidativa do grupo heme para gerar Ferro livre,
monóxido de carbono (CO) e biliverdina. O CO tem um forte efeito
regulador da imunidade celular [1], como foi comentado aqui no Blog da SBI no recente post do professor Barral [2].
É amplamente estabelecido que o Ferro é um micronutriente imprescindível para a sobrevivência
de microrganismos patogênicos no interior do hospedeiro. Menos conhecidos, porém, permanecem os mecanismos moleculares responsáveis pela interação entre o sistema
imune e o sistema de transporte/estoque de Ferro. Boa parte das respostas a esses interrogantes estão sendo geradas graças
a estudos sobre a anemia induzida por malária, apesar de ser este um fenômeno comumente observado em diferentes infeções [3,4],
Devido às propriedades oxido-redutivas que seus estados de valência lhe conferem, o Ferro participa em inúmeras enzimas presentes na maioria dos sistemas de transporte de oxigênio em
todas as formas de vida, e constitui um ponto central na
interminável batalha evolucionária entre microrganismos patogênicos e hospedeiros por recursos nutricionais.
Como estratégia geral contra os micróbios (e também para proteger os
tecidos do dano oxidativo), os mamíferos evoluíram
complexos e eficientes sistemas de retenção direcionados a diminuir o Ferro acessível aos invasores. Nos seres humanos, as proteínas predominantes
com estas funções são a transferrina, a lactoferrina, e a ferritina para o Ferro; a haptoglobina para a hemoglobina; e a hemopexina para o heme. Desta forma,
quando agentes patogênicos pretendem habitar o trato respiratório, intestinal e
gênito-urinário, eles encontram um ambiente com deficiência de Ferro na
superfície das mucosas, já que o oligoelemento é quelado pela lactoferrina, uma
glicoproteína extracelular do sistema imune inato. Além disso, a lactoferrina está
presente em grandes quantidades no leite materno e outros fluidos, ajudando a proteger os epitélios. Ainda, esta proteína é produzida por neutrófilos no
local da infecção.
Por outro lado, vários patógenos protozoários desenvolveram mecanismos para
obter o Ferro a partir da lactoferrina. Por exemplo, Trichomonas fetus,
Trichomonas vaginalis, Toxoplasma gondii e Entamoeba histolytica expressam
proteínas de ligação á lactoferrina e usam estas como fontes de Ferro para seu
crescimento in vitro. Promastigotas de Leishmania
spp também usam uma redutase de superfície capaz de reconhecer e reduzir o Ferro da
forma férrica para a forma ferrosa. Assim, diversas estratégias têm sido desenvolvidas por microrganismos patogênicos para ganhar acesso ao Ferro a partir da lactoferrina do
hospedeiro e assim sobreviver em ambientes hostis [5, 6].
A Hepcidina (também conhecida como LEAP-1, por liver-expressed
antimicrobial peptide) é o principal mecanismo
de regulação do Ferro plasmático em mamíferos. Drake-smith e Prentice publicaram uma revisão na Science [7] sobre a
importância deste peptídeo durante um processo infeccioso, explicando como ele está envolvido na retenção do Ferro, no intuito de evitar que se converta em um fator de crescimento para patógenos microbianos, reduzindo sua replicação, e
como as bactérias intracelulares são capazes de impedir esta resposta do
hospedeiro.
IL-6, IL-22
e IFN tipo I induzem Hepcidina através de STAT3, principalmente em hepatócitos,
mas também em outras células, como macrófagos A Hepcidina se encontra elevada
na malária aguda e contrário ao esperado, não guarda relação direta com os níveis de hemoglobina, mas
sim com os níveis de IL-10 e IL-6, e com a carga parasitária [8].
Assim, a hepcidina deveria ser
determinada rotineiramente neste tipo de pacientes, e há necessidade de testes diagnósticos de
baixo custo para este propósito [9]. Por outro lado, diversos trabalhos destacam os perigos potenciais da suplementação de ferro na anemia induzida por enfermidades infecciosas, especialmente a malária, em que uma sobrecarga de Ferro pode anular os efeitos protetores da hepcidina.
Tem então um
cenário interessante para repensar o conceito atual de anemia, especialmente
durante infecções, e aprofundar no estudo das interações entre metabolismo de
Ferro e o controle da resposta imune, lembrando que às vezes, tolerar uma infeção
é uma forma de se defender, de acordo com o conceito recentemente introduzido por David S Schneider [10, 11]. Além disso, o estudo da Hepcidina em outras infeções que não acometem
diretamente as hemácias, poderá trazer novos conceitos e mecanismos da resposta
imune para controlar o crescimento do patógeno e a intensidade da resposta inflamatória.
Olá Fredy, muito bom o post.
ResponderExcluirTemos um artigo que vai sair na edição de Novembro da Cell Host and Microbe que taz mais novidades nessa área. Exploramos a ferritina na malária com enfoque na tolerância clínica à malária.
Só tenho uma pequena correção no seu texto. O conceito de disease tolerance não foi introduzido pelo Ruslan. Esse conceito vem de longa data e o segundo autor dessa revisão que você cita (Schneider) tem inúmeras revisões sobre essa ideia. Vale a pena ler os artigos desse cara. O Ruslan recentemente passou a dar atenção a este tema, mas por influencia do Schneider e o Miguel Soares, amigos dele e que na verdade são mais pioneiros nessa área.
Abraço
Olá Bruno, muito obrigado pela correção e o comentário. Na verdade eu tinha revisado o artigo da NRI de 2008 do Schneider, mas acabei errando na hora de citar.
ResponderExcluirParabéns pelo artigo da Cell Host and Microbe.
Abs
F
Oi Fredy, saudades! Adorei seu post. Com o que vc esta trabalhando agora?
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