“Extra!
Extra! Aproximem-se! Venham todos. Venham ver o maior espetáculo da terra. Respeitável
público, não perca as atrações mais aclamadas da noite, num espetáculo circense
jamais visto em tempos idos. Deleitem-se com o menor pigmeu do mundo, apreciem
a incrível resistência do jejuador turco e surpreendam-se com a aterrorizante
mulher barbada vinda diretamente da África; admirem o horrendo lobisomem brasileiro
e contemplem os assombrosos gêmeos siameses da Papua Nova Guiné. Certamente,
esta será a maior noite da sua vida.” – bramiam os alto-falantes dos carros de
som nas ruas mais movimentadas dos Estados Unidos e da Europa durante o século
XIX.
Nesse
período, uma das atividades mais rentáveis nos Estados Unidos era,
indubitavelmente, a exposição a céu aberto de pessoas com doenças genéticas
raras, normalmente taxadas pelo grande público como seres macabros. Aproveitando-se
do fascínio humano pelo grotesco, muitos empresários do show business americano locupletaram-se com os famosos circos dos
horrores, construindo patrimônios financeiros gigantescos. Talvez o mais
célebre empresário americano neste ramo tenha sido Phineas Taylor Barnum,
proprietário do Ringling Bros and Barnum
& Bailey Circus.
Há
tempos o homem tem verdadeira admiração pelo bizarro. À vista do grande
público, o grotesco sempre despertou mais atenção do que o belo, como relatado
por Franz Kafka no conto “Um artista da fome”, no qual o escritor lança um
olhar sobre a alienação humana, na medida em que expõe a verdadeira idolatria
que as pessoas do século XIX tinham pelos jejuadores - uma profissão que,
convenhamos, é bastante insólita atualmente, pra não dizer extinta -, os quais
passavam dias a fio meditando dentro de jaulas, sem receber qualquer tipo de
alimentação, sob o pretexto de exibir sua resistência anormal aos transeuntes.
E
não adianta falar que atualmente nós preferimos o belo ao grotesco, porque é
falácia. Basta observarmos a atração desmedida que muitos têm pelas páginas
policiais de jornais, pelas revistas de fofocas ou pelas notícias
sensacionalistas. Não é à toa que os donos de tabloides ingleses ou de
hebdomadários nacionais e internacionais estão nadando em dinheiro, tal é a
admiração humana pelo bizarro.
Como
verdadeiros empresários do show business
americano, as revistas científicas na área da imunologia (e em qualquer outra
área) também possuem seus carros de som e os seus circos de horrores. Não é
raro ouvir nos alto-falantes das revistas especializadas em imunologia anúncios
macabros aos ouvidos dos mais céticos, como “Extra! Extra! Venham ver o maior
espetáculo da terra. Deleitem-se com o macrófago M2, o neutrófilo N2 e os
linfócitos Th17 regulando a resposta imune, apreciem as fabulosas células NK de
memória, surpreendam-se com a admirável transformação de células B em células
T; vejam a incrível formação de células T reguladoras dependente de GATA3,
admirem a extraordinária plasticidade das células T CD4+ e desfrutem
da adorável presença das novas subpopulações de linfócitos Th9 e Th22.
Certamente, estas serão as maiores leituras da sua vida.” E sem pestanejar todos
erguem o dedo em riste e culpam o famigerado microambiente pela aparição dessas
“aberrações imunológicas”.
Desculpem-me
os apreciadores dos linfócitos Th9, mas é no mínimo questionável a existência
dessa subpopulação celular. E com o advento de técnicas que analisam milhares
de genes diferencialmente expressos em determinada população celular, como o microarray, decididamente não foi uma
tarefa árdua descobrir um fator de transcrição que representasse essa suposta
subpopulação de células, o tal do PU.1. Ao mesmo tempo, entendo perfeitamente
que é muito mais vendável e atrativo um artigo estampado na capa de uma revista
com o título “Th9: uma nova subpopulação de linfócitos T envolvida na
exacerbação da asma” do que um intitulado “Células Th2 produzem IL-9 num
estágio tardio da asma”, afinal fazer ciência é muitas vezes confundido com o
mero ato de publicar e de ser citado por outros autores.
Seguramente,
outras notícias que quebram paradigmas imunológicos surgirão em breve.
Portanto, não se assustem se vocês se depararem com artigos inusitados
publicados futuramente, como basófilos mediando resposta Th1, células Th2
eliminando vírus, células NK apresentando antígenos ou macrófagos e neutrófilos
de memória. E se não houver explicação sensata para tal fato, basta recorrermos
ao microambiente, já que não existe válvula de escape melhor para os imunologistas.
Basófilos Th1? A culpa é do microambiente!
Não
questiono aqui a veracidade de tais informações, e sim a maneira como
absorvemos facilmente qualquer informação veiculada nas grandes revistas
científicas. Mudemos nossos hábitos. Admiremos o belo; esqueçamos o bizarro.
Saibamos deglutir e absorver o belo da imunologia, desprezando o grotesco. Na
imunologia, sejamos críticos e não aceitemos tudo aquilo que nos enfiam goela
abaixo, afinal falsos áugures estarão sempre vaticinando verdades supostamente incontestáveis
aos olhos do grande público.
Post de Tiago Medina, FMRP-Iba
Adorei o seu post! Compartilho da mesma opinião! Parabéns.
ResponderExcluirParabens Tiago, ótimo texto.
ResponderExcluirMuito pertinente o post, excelente!!
ResponderExcluirExcelente post!!
ResponderExcluirGrande Pará! excelente post!
ResponderExcluirA crítica realmente é muito importante, não só na imunologia, que avança com alta velocidade, mas em todas as outras disciplinas.
Em agosto, o professor Nelson Vaz fez um post aqui no blog que chama atenção a este tema. Neste post, ele cita Thomas Kuhn, o cara que nos mostra como a ciência pode evoluir do senso comum aos paradigmas e teorias. E são justamente os paradigmas que constantemente sofrem ajustes e recebem novas peças do quebra-cabeças, até que chega-se um momento onde as observações passam a fugir das fronteiras da teoria, desencadeando uma revolução no pensamento ou o surgimento de novas disciplinas. Deste modo, as descobertas com relação aos subtipos de células ou novas funções das células conhecidas são de fato especulações, ou realmente estamos à beira de uma revolução dos nossos paradigmas?
Tiaguito, uma palavra pra vc: fantástico!
ResponderExcluirParabéns Parazito!
em especial pela parte: "...afinal fazer ciência é muitas vezes confundido com o mero ato de publicar e de ser citado por outros autores"
é essa nossa realidade atual, infelizmente!
bjokas e valeu pela reflexão!
Fantástico!!!!!!! Muito bom post cheio de cultura, indagações e informações importantes!!!! Acredito também Tiago que precisamos ficar atentos com o que é real, moda ou apenas um erro experimental. Acho que novas populações existem sim. Porém, as pessoas exacerbam tudo isso para se tornar capa de uma revista. Certamente nos próximos espetáculo veremos coisas bizarras, mas também iremos usufruir de muita beleza experimental.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMuito bom Tiago! Parabéns!!
ResponderExcluirQue bom que vocês compartilham da mesma opinião.
ResponderExcluirGustavo, certamente os posts do professor Nelson Vaz nos encorajam a emitir opiniões que saem um pouco daquele conhecimento engessado que a gente vê nos artigos científicos. Também tive a oportunidade de ler esse post que você citou, e gostei muito.
Grace, penso da seguinte forma: uma célula Th1, antes de qualquer coisa, é uma célula T CD4+, assim como uma Th2, uma Th17 ou uma "Th qualquer número". Parece-me razoável a ideia de que elas possuam funções semelhantes em algumas situações - claro! a célula é a mesma -, assim como possuam funções completamente diferentes em outras, tudo moldado pelo tal do microambiente. Se tudo é dependente do microambiente, tudo é transitório; e se tudo é transitório, quantos “Ths” novos serão criados daqui pra frente? Faz sentido a criação de inúmeras subpopulações à revelia, já que estamos falando da mesma célula? Se a intenção era facilitar o entendimento da resposta adaptativa e tornar o assunto mais didático, tudo vai por água abaixo após o surgimento dessas subpopulações.E o mesmo é válido para os macrófagos M1, M2, M3, M4 ou "M qualquer número" e para os neutrófilos N1 e N2. O que não devemos fazer é transformar a imunologia numa sopa de letras e números.
Salve Medina,
ResponderExcluirCom certeza marketing na hora de "vender o peixe" faz parte do jogo e cabe ao leitor ter postura critica.
Mas essa coisa de novos achados, com certeza vai aumentar à medida que métodos mais sensíveis são desenvolvidos. Veja, quando analisamos muitos parâmetros ao mesmo tempo, com uma técnica qualquer, como multiplex, microarray ou citometria, a chance de encontrarmos algo novo fica maior a medida que aumentamos parâmetros e, consequentemente, combinações possíveis.
Por exemplo, a chance de sortearmos 5 números (entre 1 e 60) aleatoriamente e repetirmos esse sorteio com os mesmos 5 números é difícil (cenário do sorteio da quina), mas é muito mais difícil se ao invés de 5 números fossem 6 números, (como na mega-sena) e por isso o premio da mega-sena é muito maior que da quina - aprendi isso em aulas de álgebra, com um ótimo professor, Prof. Moisés, coisa de 16 ou 18 anos atrás.
Em citometria, as possibilidades são 2 elevado a "N" , onde N é o número de cores utilizadas: 3 cores, 8 populações distintas, 8 cores, 256 populações, aumentando suas chances de encontrar diferenças dentro de seu modelo experimental.
Então a medida que vc vai refinando sua análise, coisas não descritas serão encontradas, mas qual a relevância desses achados ou se eles são diferentes o suficientes de outros achados anteriores para serem, por exemplo, novas populações celulares, dependerá de quem está contando a história e de quem está ouvindo...
Tiago, parabens pela coragem ao escrever esse post. Entretanto, esses conhecimentos que quando lemos em um ms, sao frutos de anos de pesquisa... por ex, nos sabemos como foi a estoria do pu.1 e th9... nao foi facil... nao foi simples... nos entendemos q no paper, tudo esta digerido e as perguntas sao respondidas numa sequencia logica... mas nem sempre as coisas sao assim... lendo o seu post, ficamos um pouco assustados do jeito que vc ve as coisas, pelo menos nos deu a entender que tudo e muito simples... microambiente... e uma visao muito simplista da ciencia atual...na verdade, esses artigos passaram por revisores, editores, meetings com outros autores ate chegar o momento da publicacao. Muita gente se envolve em um paper, e as vezes um PI passa anos da sua vida para chegar a\te uma conclusao definitiva sobre um determinado topico. Entao, apesar de todos os nomes de propagandas geradas em torno de um artigo, as pedras no meio do caminho nao sao reveladas e tudo parece muito simples... Um leitor inexperiente pode facilmente chegar a essas conclusoes simplistas...Pensar de forma critica sobre os artigos e necessario e faz bem pro estomago e pra mente... mas cuidado com a forma q vc coloca o seu ponto de vista, pq pode parecer desrespeitoso com o trabalho do cientista.
ResponderExcluirum abraco
henrique serezani e ana moreira
Oi, Henrique e Ana.
ResponderExcluirAchei bem legal as dicas que vocês me deram. Vou guardá-las pra um próximo post. Vocês só me permitem dicordar de um único ponto? Na verdade, eu não costumo pensar a imunlogia de forma reducionista ou simplista. Muito pelo contrário. O que quis dizer é que muitos, em uníssono, dão um jeitinho de reduzir tudo ao microambiente. Uma prova disso foi quando utilizei as expressões "famigerado microambiente" e "válvula de escape" no corpo do texto. Tento entender a imunologia no aspecto "macro" , e não com subdivisões - parece simplista pra muitos, mas não é.
Como disse também no texto, a minha intenção não é falar que célula Th9 não existe e que os trabalhos não estão corretos. É claro que célula T produz IL-9. O que talvez devesse ser repensado é se vale a pena uma nova classificação pra um célula T que produz IL-9.
Também sei que esses artigos também passaram por diversos crivos antes de serem publicados. São de fato artigos belíssimos. Eu mesmo, no estágio em que estou, seria incapaz de desenvolver um trabalho desses. Só reitero o que falei acima: não sei se vale a pena dar uma nova classificação pra essa célula.
Peço desculpas se o post ficou agressivo, porque não era essa a intenção. Espero ter me justificado, ainda que tarde.
Walter, também gostei do seu comentário. Na verdade, sempre gostei mais de matemática do que de biologia no ensino médio. Também me recordo bem dessas aulas de análise combinatória. Acho até que você deveria escrever um post sobre isso.
Abraços. E desculpem-me novamente pelo mal entendido.
Excelente post, Pará!
ResponderExcluirA forma com que você escreve nos prende ao texto e o tempo passa, como se estivessemos lendo um livro!!
Como disse o Walter, na ciência, realmente temos que saber vender o peixe!!
Compartilho da sua opinião, mas também considero o "bizarro" muito atraente!! O bizarro de hoje, muitas vezes, é o novo conceito de amanhã!
Como cientistas, só devemos ter cautela na hora de analisar os resultados!!
Abraços e parabéns!
Tiago,
ResponderExcluircomo já te falei, vc é brilhante e seu texto, genial.
Fico feliz que vc não componha o bloco dos que seguem um comportamento condicionado.
Parabéns!