Como todos sabem, o timo é o órgão linfóide primário
responsável pela maturação de células T. Esse órgão possui uma estrutura e
componentes celulares específicos que garantem a instrução necessária para uma
célula precursora se maturar em uma célula T. A separação física de órgãos linfóides
primários é uma estratégia simples e inteligente que permite que células
precursoras com múltiplo potencial de diferenciação possam receber as
sinalizações necessárias para gerar células maduras específicas. Especificamente
no timo, células epiteliais tímicas (TECs) garantem uma sinalização específica
via Delta like ligand 4 (Dll4) (Koch, Fiorini et al. 2008) e
receptor NOTCH 1(Radtke, Wilson et al. 1999), mais
expresso em células precursoras Duplo Negativas 1 (DN1) (artigo central). Entretanto,
o bloqueio da sinalização no timo, tanto na deleção do ligante Dll4 ou na
deleção do receptor NOTCH 1, leva a um bloqueio na maturação de células T e
acúmulo de células com perfil duplo negativo no timo. Porém, células
precursoras migram da medula para o timo em um estágio bem inicial e possuem um
potencial de gerar diversas células da linhagem linfóide. Assim, quando se
bloqueia a sinalização via NOTCH 1 ocorre a geração de linhagens alternativas
no timo, como, por exemplo, células B e células dendríticas tímicas (tDCs) (Koch, Fiorini et al. 2008; Feyerabend, Terszowski et al. 2009; Billiard, Kirshner et al. 2011).
No
entanto, qual seria uma possível utilidade em alterar os tipos celulares
presentes no timo? Pouco se sabe sobre os mecanismos da geração de células T
reguladoras naturais (nTreg) e um trabalho de 2005 trouxe um pouco de luz para
o contexto (Watanabe, Wang et al. 2005). Em
humanos, os autores demonstraram um papel muito interessante dos Corpúsculos de
Hassal (HC), estruturas bem desenvolvidas no timo humano e pouco desenvolvidas
no timo de camundongo. Essas estruturas são compostas por um acúmulo de TECs, e
acredita-se que essas são responsáveis pela limpeza de linfócitos apoptóticos
que não passaram pela seleção negativa, além de um papel pouco definido na
maturação de linfócitos T. Nesse trabalho, os autores descobriram que os HC são
uma fonte de TSLP (do inglês Thymic
Stromal Lymphopoietin), uma citocina com potencial de ativar células apresentadoras
de antígeno. Em seguida, os autores evidenciaram que em torno do HC havia uma
aglomeração de células dendríticas ativadas, com expressão positiva de CD80,
CD86 e MHC-II, e que essas forneciam uma sinalização adequada para células CD4+CD8-CD25-
autoreativas se tornarem nTregs. Enfim, os autores finalizam o artigo
confirmando a presença das células nTregs ao redor do HC, juntamente com as DC
ativadas. Em um artigo mais recente (Hanabuchi, Ito et al. 2010), o mesmo
grupo demonstrou que o mesmo mecanismos também ocorre para células dendríticas
plasmocitóides (pDC) ativadas. Assim, a manipulação da maturação de células
precursoras no timo, com geração de linhagens alternativas, em específico tDCs,
poderia aumentar a geração de células nTreg e, consequentemente, na periferia?
Essa manipulação teria aplicação clínica em doenças autoimunes? Essas são as
perguntas que o artigo central vem tentar responder.
Um artigo elegantérrimo, Fabienne Billiard o nome dela (Billiard, Lobry et al. 2012)! Ela mostra que o bloqueio da sinalização via Dll4 (nas células epiteliais tímicas) e NOTCH (nas células progenitoras de células T) leva, de fato, a uma diferenciação alternativa de células. Através da utilização de um anticorpo anti-Dll4, os autores puderam analisar a cinética dos fatos antes que o timo diminuísse muito sua celularidade, fato que ocorria em animais knockouts. Assim, foi demonstrado que o bloqueio de Dll-4 leva a um aumento de células B e DCs no timo, e que o aumento de DC está relacionado ao aumento de células nTregs no timo. Ela mostrou que as tDCs são derivadas de DN1, e que essas possuem potencial tolerogênico (lê-se, potencial de polarizar para nTREG), de maneira dependente de MHCII e independente de Flt3-L. Ainda, as célula nTREGs geradas são capazes de migrar para periferia e atuar de maneira profilática e terapêutica na diabetes tipo I. Em animais NOD, o estudo conseguiu reverter diabetes tipo I estabilizada em 100% dos animais com uma única dose do anticorpo anti-Dll4. O período de remissão da doença durou por 4 semanas e foi correlacionado com o aumento do número nTregs no linfonodo periférico do pâncreas e inibição da migração de células TCD8+ para a ilhota pancreática. Bom, com esses resultados, não temos o porquê de ficarmos surpresos com o uso futuro desse anticorpo na clínica. Apreciem o mecanismo.
Post de Manuela S.L. Nascimento e Felipe F.V. da Silva
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