sexta-feira, 9 de março de 2012

A inflamação como fator transformador na carcinogênese


A área de estudo do câncer associado à inflamação tem avançado rapidamente nos últimos anos. Uma das grandes descobertas recentes que deve impulsionar muitas pesquisas foi a de que a inflamação pode ser não apenas um fator auxiliar do processo de tumorigênese, mas sim ser o fator transformador em si, o que coloca o controle epigenético do câncer em uma posição de maior importância.
Nessa linha de pensamento, um novo artigo dá mais um passo em direção ao entendimento dos mecanismos inflamatórios que levam à transformação celular, em especial no câncer de mama. Pesquisadores do instituto de pesquisa The Scripps Research ajudaram a esclarecer exatamente como a ativação de duas vias de sinalização inflamatória leva a transformação de células epiteliais de mama em células tumorais.
 Nesse trabalho, os pesquisadores fizeram uma co-cultura de células epiteliais normais da mama (MCF10A) e monócitos de linhagem (U937), garantindo que não houvesse contato entre as células, e obtiveram a transformação das células epiteliais de mama em células tumorais. Esse evento ocorreu via a liberação de MCP-1 pelos monócitos, e a taxa de células transformadas foi similar à induzida pelo uso do carcinógeno DMBA. A retirada dos estímulos não alterou o estado transformado das células, ainda que por várias gerações.  Monócitos humanos de cultura primária demonstraram um resultado similar, indicando que todos os monócitos podem potencialmente  causar transformação celular.
            Os autores foram ainda à frente e, passo a passo, descreveram uma via de sinalização em que a via MEK/ERK e IKK/NF-kappaB era ativada nas células MCF-10A. A ativação desta via culminou com a liberação de IL-6, uma citocinas envolvida em um grande número de processos inflamatórios e doenças autoimunes e câncer. A IL-6 inibe a ação do micro RNA miR-200c, o qual é um supressor tumoral que ajuda a limitar a formação de metástases e regular negativamente a inflamação, e desta maneira ocorre uma ativação constitutiva da via inflamatória demonstrada no esquema abaixo.

Figura 1: Esquema demonstrando o loop inflamatório autorregulado da IL-6. 
Retirado de Rokavec et al. 2012

Esse processo pode ser descrito como um comutador epigenético e fenotípico, em que um estímulo inflamatório transiente induz um circuito de sinalização inflamatória constitutiva. Dessa forma, a IL-6 age como um iniciador do tumor, disparando um loop inflamatório auto-sustentado necessário para a iniciação e manutenção do estado transformado da célula tumoral.
O artigo esclarece os passos iniciais moleculares que desencadeiam a carcinogênese, mas instiga vários questionamentos. Uma vez que existem constantemente estímulos inflamatórios transientes no organismo sem necessariamente haver transformação celular, o que exatamente determina se e quando o estímulo inflamatório induzirá transformação celular? Outras citocinas pró-inflamatórias seriam capazes de induzir a mesma via? Quais outras vias inflamatórias podem estar por trás da carcinogênese? A descrição desses loops inflamatórios permitiria extrapolar a situação para outras além do câncer?  


Post de Nathalia M. de Vasconcelos
Mestranda
Laboratório de Microscopia Eletrônica
Universidade de Brasília – UnB


Referências:
1. Iliopoulos D, Hirsch H, Struhl K. An epigenetic switch involving NF-kB, Lin-28, Let-7 MicroRNA and IL-6 links inflammation to cell transformation. Cell v. 139, n.4, p. 693-706. 2009.

2. Rokavec M, Wu W, Luo JL. IL6-Mediated Suppression of miR-200c Directs Constitutive Activation of Inflammatory Signaling Circuit Driving Transformation and Tumorigenesis, Molecular Cell. 2012. 




2 comentários:

  1. Muito legal, Nath!!

    Esse ponto é interessante mesmo. Como o nosso organismo faz para evitar a transformação de células normais em tumorais, visto que estamos expostos a estímulos constantemente (infecções, etc).

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  2. mais uma vez vemos que para ficar doente não é tão fácil assim. Tem que muita coisa "dar errado" para que nosso organismo sucumbe. Estímulos temos o tempo todo, seja inflamatório, carcinogênico, tóxico, etc, mas para que pequenas mudanças celulares sejam antidas e se propaguem, outros mecanismos, como os regulatórios, tem que falharem naquele momento. Essa gangorra in vivo é fascinante mesmo!
    Parabéns pelo post Nathalia, está muito bem escrito.

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