domingo, 6 de novembro de 2011

Imunologia, Evolução e Evasão

“Nada em biologia faz sentido a não ser à luz da evolução” – Theodisius Dobzhansky

Esta frase muito conhecida por cientistas ao redor do mundo dá início a um comentário publicado já há algum tempo na Nature Immunology 1 intitulado Immunology taught by Darwin, em que o tema central discutido é como os mecanismos de ação do sistema imunológico podem refletir na seleção e evolução de patógenos e tumores. Partindo destas idéias surgem os questionamentos sobre as adaptações que permitem microorganismos e tumores evitar a resposta imune e prolongar seu desenvolvimento.

As estratégias de evasão são diversas e alguns microorganismos atuam ocupando nichos especiais onde o sistema imune não consegue “enxergar”, como exemplo, os parasitas que causam a Malária (Plasmodium sp). Este patógeno tem uma fase assexual no interior de eritrócitos, os quais não são capazes de produzir e expressar MHC de classe I em sua superfície, garantindo que a presença deste microorganismo não seja anunciada ao sistema imune na forma de complexos peptídeo-MHC.2

Já outros microorganismos patogênicos, como fungos, podem evitar a detecção mascarando padrões moleculares associados à patógenos (PAMPS), como carboidratos presentes na superfície celular, e uma vez detectados, várias espécies interferem com fagócitos e tráfego intracelular e podem reprimir produtos anti-microbianos como o óxido nítrico (NO).3

Recentemente, dois trabalhos mostraram características da bactéria Staphylococcus aureusque evidenciam mecanismos utilizados para escapar da resposta imune por meio da inibição do sistema complemento. Chen H. e colaboradores4 mostraram que a proteína ligante de fibrogênio (Efb) produzida por S. aureus age como um inibidor alostérico induzindo mudanças conformacionais no fragmento C3b do complemento que se propaga através de vários domínios e influencia regiões funcionais distantes do sítio de ligação da Efb. Notavelmente, o inibidor prejudicou a interação de C3b com o fator B do complemento e conseqüentemente, a formação da C3 convertase ativa. Como este complexo enzimático é crítico tanto para ativação quanto para amplificação da resposta mediada pelo sistema complemento, esta inibição alostérica representa uma contribuição fundamental para as estratégias de evasão de S. aureus.

Já Laarman, A e colaboradores5 identificaram uma metaloprotease que também inibe o sistema complemento. A aureolisina inibe efetivamente a fagocitose e eliminação da bactéria por neutrófilos. Ainda esta metaloprotease tem função de inibir a deposição de C3b na superfície da bactéria e a liberação do C5a. Análises demonstraram que a aureolisina cliva a proteína C3, proteína central do complemento. No entanto, houve uma diferença clara entre a clivagem de C3 em soro e em condições purificadas. A aureolisina cliva C3 purificado especialmente na cadeia-a, próximo a região de clivagem da C3 convertase, levando a C3a e C3b ativas. Porém, em soro foi observado que a C3b gerada pela clivagem por aureolisina é degradada posteriormente por fatores do hospedeiro. Desta forma, conclui-se que a aureolisina age em sinergia com reguladores do hospedeiro para inativar C3, assim inibindo o sistema complemento e conseqüentemente a resposta imune.

Portanto, ficam as perguntas: não estaria o sistema imune, ao longo do tempo, selecionando os patógenos mais adaptados e quais modificações sofrem ou vão sofrer os mecanismos de combate a estes patógenos?




Post de Luiz Gustavo Gardinassi – Aluno de doutorado (IBA)

Referências

1 – Rodney E. Phillips Immunology taught by Darwin Nat. Immunol. 2002; 3(11) 987-989.

2 – David Sacks e Alan Sher Evasion of innate immunity by parasitic protozoa Nat. Immunol. 2002; 3(11) 1041-1047.

3 - John R Collette and Michael C Lorenz Curr Opin Microbiol. 2011; (14) 1-8

4 – Chen H et al. Allosteric inhibition of complement function by a staphylococcal immune evasion protein. Proc Natl Acad Sci U S A. 2010; 107(41) 17621-6.

5 – Laarman, A et al. Staphylococcus aureus Metalloprotease Aureolysin Cleaves Complement C3 To Mediate Immune Evasion 2011 J Immunol 2011; (186) 6445-6453

3 comentários:

  1. Luiz Gustavo e João,

    sou da opinião que a co-evolução é constante entre o patógeno e seus hospedeiros. O processo de seleção (ou aprendizagem) é contínuo... se não fosse assim, como explicar os mecanismos propostos no post?

    O meu medo é que a intervenção humana gerada pela ciência (que é o tópico que discutimos neste espaço) quebre os paradigmas existentes. Aí teremos a temida geração de monstros - que nada mais serão do que anormalidades evolutivas, por meio do surgimento de eventos que não conseguiremos mais prever.

    Abraços, Tiago.

    ResponderExcluir
  2. Tema interessante!!!!!! Pois é, eu também acredito na co-evolução, ou seja uma corrida armamentista ( patógeno X hospedeiro). O sistema imune vai sempre evoluir para ter mecanismos que tentem eliminar o patógeno, e o inverso também é verdadeiro. Esses mecanismos são todos controlados geneticamente. Não acredito na geração de monstros, mas sim na intervenção ideal partindo do principio de genes de resistência do hospedeiro e de virulência do patógeno.... vencemos vários patógenos e acredito plenamente que usando das ferramentas ideiais contuaremos vecendo-os. A tendência é essa...

    ResponderExcluir
  3. Tiago e Grace

    Também concordo com a idéia de uma co-evolução constante entre ambas as partes, mesmo porque como o Tiago disse, não seria possível observamos os mecanismos de evasão. Mas o que me intriga é pensar em como algo que conhecemos hoje possa vir a ter conotações diferentes no futuro, de forma a adaptar-se.
    Também concordo com o Tiago quanto à influência humana, e um exemplo disso são os fármacos que tem boa eficiência hoje, porém podem selecionar patógenos cada vez mais resistentes no futuro.
    Abraços
    Luiz Gustavo

    ResponderExcluir