quarta-feira, 23 de março de 2011

Apresentação de antígenos lipídicos por moléculas CD1: novas perspectivas sobre o reconhecimento do próprio e não-próprio

Fonte: Marco Colonna. Skin function for human CD1a-reactive T cells. Nature Immunology 2010, vol. 11, n. 12, pag. 1079-1080.


Por Kelly Grace Magalhães


A descoberta da apresentação de antígenos por moléculas CD1 mudou a visão geral dos imunologistas sobre o papel dos linfócitos T, através da demonstração de que linfócitos T reconhecem não apenas peptídeos, mas também antígenos lipídicos. O primeiro registro desse achado foi feito em 1994 pelo grupo do Dr. Michael Brenner (Brigham and Women’s Hospital - Harvard Medical School), que demonstrou que lipídeos micobacterianos poderiam ser reconhecidos por linfócitos T αβ. Desde então diversos trabalhos vem documentando a apresentação e o reconhecimento de diferentes lipídeos, glicolipídios ou mesmo lipopeptídeos aos linfócitos T.

Surpreendentemente, uma fração significativa do nosso repertório normal de linfócitos T provenientes de sangue periférico humano são autoreativos ao grupo 1 da família de proteínas CD1. Esse foi o interessante achado do grupo do Dr. David Branch Moody (Brigham and Women’s Hospital - Harvard Medical School), publicado na Nature Immunology (Dec 2010, vol. 11, n. 12, pag.1102-1109), que demonstrou que linfócitos T respondem à CD1a, uma molécula apresentadora de antígenos lipídicos expressa na superfície de células de Langehans na pele humana, entre outras células. Esses resultados mostraram pela primeira vez que moléculas CD1 são capazes de apresentar lipídeos endógenos aos linfócitos T αβ e induzir secreção de IL-22, uma citocina capaz de estimular a liberação de peptídeos antimicrobianos bem como a sobrevivência e proliferação de queratinócitos. Estes autores desenvolveram um interessante ensaio que dispensava o uso de tetrâmeros CD1-lipídeos. Eles desafiaram linfócitos T com uma linhagem celular (K562) transfectada com genes que codificam CD1a, CD1b e CD1c. As células K562 não são apresentadoras de antígeno profissionais, não expressam o complexo maior de histocompatibilidade (MHC) classe II, mas apenas baixos níveis de MHC classe I. Isso permitiu a estimulação de linfócitos T de maneira independente de MHC sem a indução de linfócitos T aloreativos. Com esse ensaio, eles descobriram que todos os doadores testados possuíam, inesperadamente, uma alta freqüência de linfócitos T que responderam às células K562 transfectadas com o gene que codifica CD1a, mas em contraste, poucos doadores tinham linfócitos T restritos à CD1b ou CD1c.

Em outro interessante estudo, o grupo da Dra. Giulia Casorati (San Raffaele Scientific Institute) publicado na European Journal of Immunology (Mar 2011, vol. 41, pag. 602-610), comparou clones de linfócitos T provenientes de cordão umbilical e de sangue periférico de adultos. Estes autores estimaram que de cada 10 a 300 linfócitos T circulantes, 1 era autoreativo ao grupo 1 da família de proteínas CD1, uma freqüência comparável ao de linfócitos T aloreativos ao MHC. Além disso, o grupo da Dra. Casorati observou que linfócitos T autoreativos ao CD1 estão presentes em freqüências comparáveis, tanto em adultos quanto no cordão umbilical.

Portanto, tem se tornado cada vez mais claro que linfócitos T autoreativos, restritos à CD1, constituem uma porção muito mais significativa do que se pensava anteriormente, e devem desempenhar um papel distinto e não-convencional no sistema imunológico. Além disso, o estudo de linfócitos T que reconhecem lipídeos endógenos apresentados por moléculas CD1a é de especial importância no melhor entendimento dos mecanismos de doenças autoimunes da pele, como dermatite atópica e psoríases, e pode auxiliar na identificação de potenciais alvos de intervenção terapêutica.

Para quem quiser se aprofundar no assunto segue uma lista com alguns ótimos artigos da área:

de jong, A., Pena-Cruz, V., Cheng, T.-Y., Clark, R. A., Van Rhijn, I. and Moody, D. B., CD1a-autoreactive T cells are normal component of the human αβ T cell repertoire. Nat. Immunol. 2010. 12: 1102–1109.

Colonna M. Skin function for human CD1a-reactive T cells. Nat Immunol. 2010. 12:1079-80.

Young MH & Gapin L. Group 1 CD1-restricted T cells take center stage. Eur. J. Immunol. 2011. 41: 602–610

de Lalla, C., Lepore, M., Piccolo, F. M., Rinaldi, A., Scelfo, A., Garavaglia, C., Mori, L. et al., High frequency and adaptative-like dynamics of human CD1 self-reactive T cells. Eur. J. Immunol. 2011. 41: 602–610.

Barral, D. C. and Brenner, M. B., CD1 antigen presentation: how it works. Nat. Rev. Immunol. 2007. 7: 929–941.

De Libero, G. and Mori, L., Recognition of lipid antigens by T cells. Nat. Rev. Immunol. 2005. 5: 485–496.

Beckman, E. M., Porcelli, S. A., Morita, C. T., Behar, S. M., Furlong, S. T. and Brenner, M. B., Recognition of a lipid antigen by CD1-restricted ab T cells. Nature 1994. 372: 691–694.

2 comentários:

  1. Olá Patrícia, ótimo post!

    Para os interessados, recomendo também a leitura do paper (e respectivo comentário) na Immunity de 2010 sobre a estrutura tri-dimensional do CD1c, com a localização do sítio de ligação dos lipídeos para apresentação antigênica.

    Scharf et al. The 2.5 å structure of CD1c in complex with a mycobacterial lipid reveals an open groove ideally suited for diverse antigen
    presentation. Immunity 33(6): 853-62, 2010.

    De Libero G, Mori L. The easy virtue of CD1c. Immunity. 33(6):831-3, 2010.

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  2. Eu recomendo ler Nelson Vaz Self and non-sense
    Ou seja, de acordo com a antecipacao do Nelson. todos os linfocitos so podem ser auto reativos e eu acrescentaria que todo o sistem imune e suas celulas sao ativados por moleculas proprias, assim como ocorre no sistema nervoso, endocrino e por ai vai

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