sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A microbiota em risco

Grandes modificações da vida humana – o controle do fogo (± 350 mil anos antes do presente); a invenção da agricultura (5-10 mil anos) e o uso de desinfetantes e antibióticos (desde ±1930) - modificaram o conjunto de micróbios que vive sobre a nossa pele e mucosas, os micróbios ditos comensais, nativos, a chamada a microbiota humana nativa  (Gillings et al., 2015). 

Nas últimas décadas, agravou-se uma “extinção de micróbios” e, ao mesmo tempo, houve um grande aumento de doenças alérgicas (como a asma) e autoimunes (como a diabetes tipo-1, o lúpus e a artrite reumatoide), além de um conjunto de outras doenças de origem e natureza obscuras, de um aumento da frequência da obesidade e de modificações emocionais como a depressão. Este aumento da imunopatologia humana tem sido explicado pela “hipótese da higiene” (Okada, H., et al., 2010), que responsabiliza, por exemplo, a diminuição das infecções na infância como um fator causal decisivo.

A extinção maciça de linhagens bacterianas por antibióticos oferece uma explicação mais abrangente. Além de suas vantagens, o viver moderno pode incluir sérias desvantagens em relação aos habitantes do paleolítico, um “paleo-deficit” (Logan et al., 2015 a,b). 

As doenças infecciosas já foram vistas como castigos divinos. Pasteur e Koch propuseram que elas podem ser causadas por micróbios e passamos a ter inimigos invisíveis. Depois, nos demos conta de que este é um planeta repleto de micróbios, que estamos imersos em uma verdadeira sopa de micróbios; que para cada célula do corpo, há 10 células microbianas vivendo sobre o nosso corpo e em nosso intestino. Além de muito abundantes, estes micróbios são muito diversos e interferir com sua biodiversidade tem consequências sobre a nossa saúde.

Segundo Gillings et al. (2015), no último meio século a generalização do uso de antibióticos na medicina e na pecuária, reduziu muito  (talvez à metade) a diversidade da microbiota humana. Este empobrecimento da microbiota, e, portanto, de sua versatilidade, mais que o simples aumento da higiene, estaria na raiz dos graves distúrbios na imunopatologia humana. Há comprovações experimentais de que populações indígenas na África e no Brasil abrigam uma microbiota diferente e muito mais diversificada e começa a ser aplicada a transferência de fezes humanas como recurso terapêutico (Brandt, 2015). O uso indiscriminado de antibióticos pela medicina humana, principalmente em pediatria requer uma reavaliação urgente. As informações disponíveis no momento sugerem que, geração após geração humana, espécies bacterianas estão sendo extintas para sempre. Ironicamente, resta-nos a esperança das fezes dos desvalidos!

Brandt, L. J. (2015). "Fecal Microbiota Transplant: Respice, Adspice, Prospice." J Clin Gastroenterol 49 Suppl 1: S65-68.

Gillings, M. R., et al. (2015). "Ecology and Evolution of the Human Microbiota: Fire, Farming and Antibiotics." Genes (Basel) 6(3): 841-857.

Logan, A. C., et al. (2015). "Natural environments, ancestral diets, andmicrobial ecology: is there    a modern “paleo-deficit disorder”? Part I." Journal of Physiological Anthropology (2015)       34: 1 

DOI 10.1186/s40101-015-0041-y

Logan, A. C., et al. (2015). "Natural environments, ancestral diets, andmicrobial ecology: is there    a modern “paleo-deficit disorder”? Part II." Journal of Physiological Anthropology 34:9
DOI 10.1186/s40101-014-0040-4


Okada, H., et al. (2010). "The ‘hygiene hypothesis’ for autoimmune and allergic diseases: an             update." Clinical and Experimental Immunology 160: 1–9.

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