segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Estratégias para explorar a flexibilidade do receptor durante o docking.

Autor: Dinler Antunes, pós-doutorando no Departamento de Ciências da Computação da Rice University, no Texas/EUA.


    As proteínas são os principais efetores da informação genômica e suas funções são usualmente influenciadas pela interação com outras moléculas. Descrever e compreender tais interações nos permite planejar formas de interagir com estes sistemas, sobretudo através do uso de pequenos ligantes (fármacos ou peptídeos); os quais podem estimular ou inibir rotas de interesse.
Figura 1. Modelos de reconhecimento biomolecular. Chen YC, 2015
  Do ponto de vista teórico, nossa compreensão sobre os mecanismos de interação molecular evoluiu do revolucionário (mas incompleto) modelo de "chave e fechadura", para modelos que consideram a flexibilidade estrutural das moléculas envolvidas (Figura 1). Os dois modelos de maior destaque são o (i) "Encaixe Induzido" e a (ii) "Seleção Conformacional". O primeiro, descreve uma situação na qual proteína e ligante não apresentam conformações adequadas para uma interação forte, mas se adaptam um ao outro após o contato inicial. O segundo modelo deriva da compreensão de que proteínas existem em solução como um conjunto (ensemble) de confôrmeros alternativos, cujas proporções são determinadas por efeitos termodinâmicos. O ligante, neste modelo, apresenta maior afinidade por um determinado confôrmero, de modo que a subsequente interação estabiliza esta subpopulação, aumentando sua frequência no conjunto. Apesar de usualmente retratados como modelos alternativos, os dados experimentais suportam a ideia de que ambos sejam na verdade casos particulares de um fenômeno mais abrangente (Csermely et al., 2010Feixas et al. 2014).
   Paralelamente ao desenvolvimento de modelos teóricos, o aumento no número de estruturas proteicas determinadas por métodos experimentais fomentou o desenvolvimento de diversos métodos computacionais para auxiliar na seleção de potencias ligantes, bem como para predizer a afinidade e a estrutura do complexo formado. Uma das principais ferramentas neste contexto é o chamado ancoramento molecular (ou docking), o qual tem sido amplamente utilizado na pesquisa e na indústria, abrangendo uma grande diversidade de métodos e aplicações (Souza et al., 2013).
   A primeira vista, o desenvolvimento destes métodos parece refletir a evolução dos modelos teóricos, começando pelo uso de softwares que consideravam proteína e ligante como estruturas rígidas e evoluindo para uma diversidade de métodos que considera tanto a flexibilidade do ligante quanto a do receptor. Por exemplo, o uso de etapas de minimização do complexo após o docking com a proteína rígida parece simular o efeito de "encaixe induzido". Por outro lado, o uso de múltiplas estruturas do receptor para realizar o docking de um mesmo ligante  parece uma implementação do modelo de "Seleção conformacional". Tais associações são tão naturais que passaram a ser utilizadas como uma forma de classificar os diferentes métodos desenvolvidos. No entanto, as limitações computacionais tiveram um impacto muito maior do que os modelos teóricos no sentido de moldar a evolução dos métodos de docking, sobretudo no que se refere a inclusão da flexibilidade do receptor. Proteínas podem ter milhares de ligações flexíveis, e a exploração explicita de toda esta flexibilidade era computacionalmente inviável. Uma alternativa foi desenvolver métodos que consideravam a flexibilidade do receptor apenas de forma implícita, como através da suavização do potencial de Van-der-Waals, ou de forma explícita mas parcial, explorando por exemplo apenas alguns poucos resíduos do receptor. A rápida evolução dos computadores viabilizou o desenvolvimento de uma série de novos métodos, muitos dos quais incluem uma combinação de métodos anteriores, o que torna inviável uma classificação baseada nos modelos teóricos. 
    Em um artigo publicado recentemente, nós realizamos uma revisão atualizada dos métodos utilizados para explorar a flexibilidade da proteína durante o ancoramento molecular do ligante, sugerindo uma nova forma de classificação (Antunes et al. 2015). Ao invés de focar na semelhança com os modelos teóricos, nós agrupamos os métodos de acordo com o nível de flexibilidade do receptor efetivamente explorado durante o docking (Figura 2). O artigo também discute como a escolha do método mais adequado depende da aplicação desejada e aborda alguns dos desafios atuais no desenvolvimento de novos métodos de ancoramento molecular.

Figura 2. Nova proposta de classificação dos métodos para explorar flexibilidade do receptor durante o docking. Imagem modificada de Antunes et al., 2015. Texto completo aqui. Todos os métodos incluídos nesta classificação também exploram simultaneamente a flexibilidade do ligante, utilizando diferentes algoritmos.  Uma revisão das estratégias para explorar a flexibilidade do ligante é apresentada em Guedes et al., 2013.

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