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segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Mais um papel biológico descrito para o ômega-3


 

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Não há dúvidas de que a observação de fenômenos tem grande importância para a evolução da ciência. E foi dessa forma - através da observação - que nos anos 80 os benefícios do consumo de ácidos graxos poliinsaturados n-3 (ômega-3) começaram a ser estudados. Foi a baixa incidência de doenças de caráter inflamatório numa população de esquimós da Groelândia que deu os primeiros indícios das atividades imunomoduladoras dos ômegas-3.

Atualmente já estão descritos mecanismos que auxiliam-na compreensão dos diferentes efeitos observados com a suplementação de dietas com ômega-3. Muitos deles decorrem diretamente da incorporação do ômega-3 nas membranas das células do sistema imunológico. Isso se deve a substituição parcial do ácido araquidônico da membrana plasmática pelos ácidos docosahexaenóico (DHA) ou eicosapentaenóico (EPA), os principais ômegas-3 com atividade biológica. Contudo, apesar de já terem se passados décadas de estudos, os mecanismos de ação dos ômegas-3 ainda não são completamente conhecidos. O título de uma revisão publicada em 2013 pelo Philip Calder ilustra bem esse fato: n-3 fatty acids, inflammation and immunity: new mechanisms to explain old actions [1].

O vírus do papiloma humano (VPH ou HPV, do inglês “human papiloma virus”) é um vírus que infecta os queratinócitos da pele ou, mucosas, e possui mais de 200 variações diferentes. A maioria dos subtipos está associada a lesões benignas, tais como verrugas, mas certos tipos são frequentemente encontrados em determinadas neoplasias como o cancro do colo do útero, do qual se estima que sejam responsáveis por mais de 90% de todos os casos verificados. O governo brasileiro deu inicio em 10 de março de 2014 uma campanha para vacinar meninas de 11 a 13 anos gratuitamente, nas escolas públicas e privadas e nos postos de saúde. Em 2015, a cobertura incluirá as meninas de nove a 11 anos. A partir de 2016, a ação ficará restrita às garotas de nove anos.

De uma forma geral, o HPV possui no seu genoma vários genes que são expressos numa fase inicial. Alguns destes, concretamente os genes E6 e E7, foram classificados como oncogenes pela sua capacidade de induzir a transformação maligna das células infectadas. O E6 e E7 codificam oncoproteínas que têm como alvo as proteínas p53 e Rb respectivamente, que são proteínas codificadas por genes supressores tumorais. O Rb (gene do retinoblastoma) impede a célula de prosseguir a divisão celular, ao bloquear o factor de transcrição E2F. A p53 tem o mesmo efeito ao aumentar a expressão de p21, além de também desencadear a apoptose em casos de dano extenso ao ADN. Basicamente, os genes E6 e E7 induzem a divisão celular e evitam a apoptose.

O artigo de Jing e colaboradores publicado recentemente na Cell Death and Disease, um periódico vinculado à nature publishing group, demonstra parte do mecanismo de ação do DHA sobre células infectadas por HPV- 16 e 18. Por meio de estudos in vitro os autores mostraram que o DHA induz apoptose de células infectadas por HPV bem como a degradação das oncoproteínas virais E6/E7. As oncoproteínas E6/E7 atuam inibindo as proteínas de controle do ciclo celular p53 e Rb, respectivamente, e assim são responsáveis pelo fenótipo maligno das células cancerosas infectadas por HPV.

Nas células estudadas o DHA estimula o acúmulo de espécies reativas de oxigênio (ROS) primariamente através da superprodução de ROS mitocondriais, que levam a falência da mitocôndria e ativação do sistema ubiquitina-proteassoma. Como resultado, o processo de degradação das oncoproteínas virais E6/E7 por esse sistema é acelerado. Além da superprodução de ROS, a disfunção da mitocôndria por si só também contribuí para a ativação do sistema ubiquitina-proteassoma induzido pelo DHA. A diminuição dos níveis de E6/E7 nas células tratadas com DHA mostrou-se associada com o aumento dos níveis nucleares de p53/Rb, que normalmente encontram-se indetectáveis nas células infectadas por HPV. A restauração dessas proteínas de controle do ciclo celular nas células infectadas por HPV tem sido caracterizada como o principal mecanismo de apoptose decorrente da repressão de E6/E7. Esses resultados identificam um novo papel do DHA, nesse caso envolvido diretamente com a regulação do sistema ubiquitina-proteassoma e proteínas virais (veja figura abaixo).
 Proposed model showing how DHA reduces the expression of the E6/E7 viral oncoproteins in oncogenic HPV-infected cancer cells. DHA stimulates cellular ROS accumulation primarily via inducing mitochondrial ROS overproduction, which leads to mitochondria failure and the activation of cellular UPS. As a result, the UPS-dependent degradation of E6/E7 viral proteins is accelerated. Note that mitochondrial dysfunction might contribute to the UPS activation induced by DHA (dashed line).

 
Referências:
[1]. Calder, PC. n-3 fatty acids, inflammation and immunity: new mechanisms to explain old actions. Proc Nutr Soc.  72(3):326-36. doi: 10.1017/S0029665113001031, 2013.
[2] Brito, Ricardo (22 de janeiro de 2014). SUS inicia em 10 de março vacinação contra HPV em meninas de 11 a 13 anos (em português) Estadão.
[3] K Jing el al., Docosahexaenoic acid induces the degradation of HPV E6/E7 oncoproteins by activating the ubiquitin–proteasome system. Cell Death and Disease 13;5:e1524. doi: 10.1038/cddis.2014.477, 2014.

 
Maria Isabel Lovo-Martins, doutoranda, ICC-Fiocruz, Pr.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 
 
 
 
 
 














 


 





 

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