quarta-feira, 9 de julho de 2014

Copa e coqueluche


E assim é a vida, caiu pra mim blogar no dia depois da derrota histórica do Brasil na Copa. Eu tinha combinado falar sobre o  surto de coqueluche  que começou na Califórnia porque alguns pais decidiram não vacinar os filhos, sabe como é o pessoal da Califórnia, tem uns ripongas adeptos do tudo natural, que funciona pra muita coisa, mas não pra infecções com risco de vida. Esse pessoal anti-vacina é o mais descolado dos anti-ciência atuais. Tem os anti-evolução (mais malucos) e os anti-mudança climática mundial (mais capitalistas), esses são mais à direita. Os anti-vacina são alternativos, bixo-grilos, mas foi no quintal deles que se originou o surto que já tem mais de 800 casos.

Mas acho que ninguém dormiu direito esta noite,  e todos acordamos ainda esperando que tudo fosse apenas um pesadelo esportivo. Como não falar nisso?
Doeu muito porque é a seleção do coração, do esporte de coração da gente que é brasileiro. Doeu mais pela magnitude do fracasso e, claro, por ter sido em casa.

Mas assim gente vamos combinar: é um jogo, né? Como cientistas e como educadores somos todos os dias humilhados pela conquistas de nossos colegas de países desenvolvidos, que possuem tradição de investimento em educação, ciência e tecnologia. Mesmo assim, nos emocionamos com os avanços que fazem na ciência, e lutamos de forma autodidata para aprender as regras desse outro jogo, milhões de vezes mais competitivo, trilhões de vezes mais impactante. Quantas vezes vimos alguém elucidar antes de nós um problema no qual trabalhamos há anos? E mesmo assim, não desistimos. Nosso futebol pode aprender muito com a tenacidade dos cientistas brasileiros que não desistem mesmo sem ter nenhuma tradição de investimento,  nadando contra a corrente e ainda assim de vez em quando emplacando uns golaços, ainda que individualmente.

Mas também, até quando? O Brasil nunca investiu em nada, só no futebol, e mesmo assim, meia boca em comparação com a Europa, tanto que nossos craques jogam lá. Funcionava quando se ganhava só no talento, hoje o jogo está cada vez mais sofisticado. Nossos craques de ciência também preferem ficar lá, se tiverem a oportunidade. Os brasileiros tem que aprender que, sem investimento, sem preparo, sem criticas profundas, sem treinamento, sem tecnologia, não sairemos nunca do nosso status de colônia. As derrotas ensinam, ainda que do jeito mais dolorido.

Coqueluche, pela facilidade de contágio, pela velocidade como espalha, sempre foi metáfora pra algo contagioso. A coqueluche não gera imunidade duradoura, então a vacina, com reforços, é o único jeito eficiente atualmente de controlar a propagação da bactéria. O futebol brasileiro sempre foi a coqueluche de todas as copas, contagiando a todos pela beleza e pela alegria. Os cientistas brasileiros sabem o que precisa mudar para sermos competitivos. Resta esperar que essa derrota nos vacine, nos fortaleça, e nos faça não só refletir sobre mudanças fundamentais que precisam acontecer no Brasil, mas sim trabalhar para que elas se concretizem.




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