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quinta-feira, 17 de julho de 2014

Aprendendo com as contribuições do sistema de pesquisa Canadense


Reproduzo abaixo texto enviado pelos brasileiros Sérgio Lira, da Mount Sinai School of Medicine, em  Nova Iorque, e Daniel de Carvalho, da Universidade de Toronto, em consonância com o texto publicado no periódico PNAS sobre as falhas do sistema de pesquisa estadunidense (aqui) e como nós, brasileiros, podemos aprender com esses erros, que muitas vezes também são nossos, ou acabamos repetindo e reproduzindo, por tabela. Bom saber que podemos aprender também com as contribuições do sistema de pesquisa canadense, que também ainda não sofre, do meu ponto de vista, com as falhas estadunidenses. Parece que, pelo contrário, no Canadá há um problema de falta de recursos humanos, o que não significa que o sistema de seleção não seja competitivo, pois a qualidade de pesquisa canadense é também reconhecida mundialmente, e tão eficiente quanto o alemão e o estadunidense, guardadas as devidas proporções (320 milhões de estadunidenses, 200 milhões de brasileiros, 90 milhões de alemães e 34 milhões de canadenses).




Semana passada estive visitando NYC e aproveitei para visitar o lab do Sérgio Lira para definirmos alguns detalhes de uma colaboração que começou no meeting ‘Cancer Challenges and Solutions’ em Angra organizado pela Cris Bonorino. Entre conversas cientificas e futebolísticas, surgiu o tema do Blog da SBI e o post “Sem fronteira, com resgate” (aqui). Como o Sérgio me deu algumas dicas e sugestões durante a minha transição do postdoc e acompanhou um pouco o processo, ele me sugeriu escrever algo sobre o tema para o Blog, a fim de ilustrar um pouco das diferenças entre o processo de recrutamento das Universidades norte-Americanas (Canada e USA) e Brasileiras.

Acho que o processo das universidades Brasileiras é bem conhecido por todos aqui: concurso. Tem algumas variações de universidade para universidade, mas no geral consiste em uma prova escrita (!), e arguição da banca, onde se discute sobre os feitos científicos do candidato e futuros planos. Em geral o concurso é bem amplo, sem buscar uma subespecialidade especifica. O candidato aprovado terá então estabilidade (funcionário publico) após um estagio probatório curto. Ele terá também uma carga horaria de aulas bastante elevada e em muito casos terá que dar aula em períodos pouco desejados (noturno) pelos professores mais sênior. Além de uma elevada carga horaria de comitês e outras tarefas administrativas. Não há start-up packages, com recursos para pesquisa (compra de equipamentos, compra de reagentes, salários de estudantes, técnicos, postdocs), não há suporte administrativo e geralmente não há auxilio para relocação. Se o individuo tiver sorte, receberá uma sala e um espaço para laboratório. Se tiver muita sorte, herdará o laboratório de algum professor se aposentando e terá assim alguns equipamentos (não necessariamente os equipamentos adequados para a sua linha de pesquisa).


A minha experiência com as universidades Americanas e Canadenses foi diametralmente oposto. O processo seletivo era bem focado, geralmente buscando uma subespecialidade para complementar a expertise presente no departamento ou instituto. Eles são bastante pro-ativos, não só anunciando em sites internacionais (Cell, nature, etc) como também contatando os experts da área para pedir indicações. Uma entrevista que eu participei, não havia sequer me inscrito, eles contataram o meu antigo supervisor e ele me indicou. O processo consiste em uma palestra aberta onde o candidato apresenta seus trabalhos anteriores e uma ‘chalk talk’ fechada onde são apresentados os futuros planos de pesquisa. Além de diversos meetings individuais. Tudo para ver se o candidato é um bom fit para o instituto e se tem um bom potencial. Mas também a todo tempo eles estão tentando ‘vender’ a imagem que ali é um ótimo lugar para se trabalhar e para morar. Para o candidato selecionado eles fazem uma oferta formal, onde é detalhado salario, benefícios (planos de saúde, aposentadoria, etc), auxílios de relocação, auxilio para pesquisa (salários de trainees e reagentes), auxilio para compra de equipamentos, suporte administrativo, carga horaria de aulas (geralmente bastante reduzido, por volta de pelo menos 80% do tempo protegido para pesquisa), duração do contrato (geralmente de 5 a seis anos). Após esse período ocorre uma avaliação bastante rigorosa para renovar o contrato ou para receber o tenure se for uma instituição que ainda tem. Geralmente é possível negociar essa oferta inicial, pedindo por exemplo mais recursos para pesquisa ou algum equipamento especial mais caro. Eles também tentam sempre que possível fazer uma oferta de emprego para a esposa ou marido do candidato ou, se for uma área distinta, oferecem algum auxilio para recolocação profissional.

Um programa que me chamou a atenção e que eu imagino poderia ser aplicado no Brasil é o programa ‘Canada Research Chair’, onde o governo Canadense oferece para as universidades um determinado numero de ‘chairs’ (proporcional a quantidade de ‘grants’ federais obtidos pela universidade). Para cada ‘Chair’, o governo cobre o salario por 5 anos renováveis por mais cinco além de um substancial auxilio para compra de equipamentos. Assim a universidade tem que apenas suplementar o salario caso esteja competindo com alguma outra pelo mesmo candidato e oferecer o auxilio para reagentes/salario de trainees. Além de cobrir os aumentos salariais durante este período e o salario após os dez anos. Esse programa é geralmente usado para recrutar candidatos no exterior, permitindo que as universidades Canadenses tenha uma vantagem sobre universidades Americanas na competição pelo mesmo candidato.

Acho que a conclusão é que se as universidades brasileiras quiserem realmente atrair os melhores cientistas (brasileiros ou não), como o Bernardo Franklin citado pelo Sergio, tem que haver uma mudança estrutural por parte da universidade, talvez em parceria com agencias de fomento, para termos 
ofertas mais atrativas e competitivas internacionalmente e não apenas bolsas para atrair jovem talentos.

Post de
Daniel De Carvalho
Scientist, Princess Margaret Cancer Centre
Assist Prof, Dept of Medical Biophysics, University of Toronto
http://www.uhnres.utoronto.ca/researchers/profile.php?lookup=58011

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7 comentários:

  1. Olá Daniel,

    Parabéns pelo post. Esse é realmente o meu sonho: Poder voltar ao Brasil em condições comparáveis as que os cientistas encontram em países como os EUA, Canadá, Alemanha, entre outros.
    Afinal, dependendo da etapa da vida em que se encontra, o cientista tem que pesar na decisão de onde se estabelecer (seja no seu país de origem ou fora), vários outros aspectos que vão além dos convencionais do trabalho (infra-estrutura, carga horária de aulas, salário, tempo e recursos para pesquisa). Inclusive os aspectos profissionais, como progressão de carreira, até aspectos pessoais como o bem estar da família, a qualidade de vida, etc. Parece que estamos pedindo demais, mas é assim em vários outros países que aprenderam que se não valorizarem sua ciência e os seus cientistas e fizerem um esforço para recrutá-los, outros irão fazer. E não é de bolsa que eu estou falando. Pois, como o Sergio bem colocou, bolsa não resolve o problema. Infelizmente, não estou otimista de que essa mudança que você falou vá ocorrer em breve. Afinal, sequer conquistamos o direito de exercermos nossa profissão. A profissão de cientista não existe no Brasil.
    http://www.cienciaempauta.am.gov.br/2013/08/a-ciencia-brasileira-nao-e-feita-por-cientistas-afirma-professora-da-ufrj/

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  2. Excelente texto e reflexão Daniel! Realmente o processo de estabelecimento de jovens pesquisadores que estão retornando do exterior, e querem se estabelecer no Brasil, não é fácil. Passei por esta experiência no meu retorno da Harvard para o Brasil aqui na UnB, e mesmo tendo o auxílio da Pew Foundation para começar o meu Laboratório, tive muitos problemas burocráticos para de fato começar a desenvolver minha pesquisa aqui. Mas deu tudo certo!! Porém, a grande carga de aulas e as responsabilidades administrativas requeridas pelas universidades tomam um tempo precioso nosso, que poderia estar sendo dedicado à pesquisa. E nada está sendo feito para mudar isso. Aí entra a capacidade de perseverança de cada um, para continuar fazendo pesquisa de qualidade no Brasil, mesmo nessas condições. E é possível!!! É mais difícil, mas é possível sim. E tento acreditar que o Brasil ainda possa, futuramente, ter programas para favorecer o estabelecimento e progressão de pesquisadores promissores, implementando as estratégias que vc, Bernardo e o Sérgio já comentaram aqui no Blog. Quem sabe um dia??!

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  3. Otima discussão. E que tal se a gente imaginasse a reintegração das melhores pessoas em centros não estatais, apoiados pela iniciativa privada e filantropia? Com contratos renováveis, com expectativa de produtividade, com mecanismos mais ágeis? Não seria incrível? Uma maneira de mandar e receber mil vezes multiplicado o investimento.
    Abracos pra voce todos

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  4. Essa é uma idéia, Sergio.

    E seria fantástico se acontecesse. Mas como falei: ainda temos problemas muito básicos para resolver. Como o problema da profissionalização do cientista e estabelecer a meritocracia para as contratações e manutenção de cargos públicos. Muita coisa pra alcançarmos antes de esperarmos um padrão internacional.
    O importante é que temos q agir muito rápido. Esse país tem que acordar. Pois ainda há esses poucos de nós (como a Kelly, eu e alguns outros) que, após terem uma experiência internacional e fazerem pesquisa de ponta em universidades renomadas, ainda consideram retornar ao Brasil com a vontade de lutar por uma ciencia melhor, mesmo diante de oportunidades mais atrativas fora. Quanto tempo você acha que isso vai durar? Você mesmo ficou muito surpreso quando eu disse que queria voltar, não foi!?

    Enfim, se não tivermos oportunidades tão atrativas em nosso próprio país, não há como competir. Só atrairemos os cientístas que precisam voltar por questões familiares...

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  5. Pois é, eu concordo com todos. E até o momento, sem publicações de impacto, estou pensando em desistir da carrreira, pois quanto mais o tempo passa, mais se torna verdadeira a frase "publish or perish", pelo menos cientificamente falando. Questionam-se os concursos (como foi questionado aqui), que às vezes são a única opção que temos nesse ambiente supercompetitivo brasileiro, mas não necessariamente produtivo (não estou falando da quantidade de papers). Fui aprovado em pelo menos 4 concursos nacionais (de Campinas-SP a Recife-PE), mas nunca fui chamado, desde 2009. Por quê? O tempo, dinheiro, investimento e esforço que eu gasto prestando concursos, poderia ter publicado pelo menos 4 papers... Sem falar na abdicação da qualidade de vida para perseguir um sonho e na renúncia à família, que essa já não entende mais porque tanto sacrifício...

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  6. Olá João,

    Concordo completamente com seu desabafo. Também sofri com todos os projetos que desenvolvi e com o que me custou concluí-los. Para muitos de nós, isso custa desde a qualidade de vida e convivência com amigos e familiares até mesmo ao desenvolvimento de doenças relacionadas a estresse, algumas das quais ainda vão se manifestar no futuro em conseqüência desse estilo de vida.

    Vale a pena? Só pela paixão. Pois, se for olhar o que nossa profissão exige é muito difícil que uma remuneração financeira ou profissional a altura do nosso investimento. Como se não bastassem o tempo investido em formação (mestrado, doutorado, pós-doutorado), o cientista ainda precisa dominar uma outra lingua (pelo menos inglês), falar e escrever muito bem, ser um bom apresentador (e falar bem em público), ter flexibilidade de horários (para dar conta dos experimentos que tomam as noites e os fins de semanas) e flexibilidade de morar em outros países, para aprender técnicas e interagir com pessoas de outras culturas.
    Sem querer desvalorizar qualquer outra profissão, mas um engenheiro ou advogado que tenha sequer um doutorado já ganha muito melhor do que um cientista vai ganhar em toda sua carreira.

    Sinceramente, acho que se esperarmos o merecido reconhecimento (dado todo o investimento que fizemos), vamos nos frustar. A questão é que muitos de nós, fazemos ciência pela paixão pela descoberta. Pela paixão em fazer perguntas e tentar respondê-las com experimentos. Isso, até agora, é o q me valeu a pena. Mas até quando? Essa é a questão.

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  7. Bernardo, não precisa um advogado ou engenheiro ter doutorado pra ganhar muito mais do que nós. Eu morei na moradia da USP e dividia apartamento com um engenheiro que fazia mestrado na Poli. Mas ao que me parece, o seu mestrado era mais profissionalizante do que acadêmico (sem querer desmerecer, não estamos em situação para isso), pois ele prestava consultoria pra empresas sobre os diversos tipos de produção de energia no país (desde elétrica, térmica até eólica e solar). Ele foi contratado logo no fim do mestrado por uma grande empresa do ramo petrolífero (não é a Petrobrás). Nossa outra colega, moradora no mesmo apartamento, geóloga, terminou o doutorado, prestou concurso e foi contratada pela Petrobrás. Ela continua fazendo ciência lá. Não me lembro se ele tenha publicado sua dissertação. No nosso caso, eu costumo brincar ("rir é o melhor remédio; é melhor rir pra não chorar"): tem que ter muuuuito amor à profissão. E haaaaja amor!

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