Saber, ou
procurar saber, é muito menos estressante do que acreditar cegamente no que
outros dizem. Parece mentira, mas é verdade. Na Idade Média, cometas eram
vistos como anunciadores de desastres e doenças, gerando pânico, saques e
mortes nos vilarejos. Quando a epidemia de AIDS começou nos anos 80, ela foi
vista por muitos como uma punição cósmica a homossexuais e usuários de drogas, resultando
em um clima de pessimismo que marcou uma geração. Hoje sabemos que cometas são
corpos celestes atraídos pela gravidade da Terra, prevemos (e gostamos) quando eles aparecem. Sabemos também
que a AIDS é causada por um vírus que surgiu mais recentemente, desenvolvemos
medicamentos para tratar a infecção, e em breve teremos vacinas disponíveis. O
conhecimento tranqüiliza, e se torna parte do nosso dia a dia,
imperceptivelmente. Isso é o que a ciência faz de melhor pela humanidade.
A vacinação
é um conceito já bem estabelecido. Contudo, em 1998 um artigo foi publicado na
revista The Lancet sugerindo que
havia uma ligação entre a vacina tríplice viral – MMR (sarampo, caxumba e
rubéola) e autismo. Apesar de ter sido rejeitado pela comunidade cientifica, esse
estudo recebeu uma grande publicidade, gerou medo, e por causa disso milhares
de crianças deixaram de ser vacinadas contra essas doenças, que podem resultar
em problemas neurológicos, surdez ou morte. O que poucos sabem é que este
estudo foi retratado - retirado do Lancet - e os autores foram inclusive condenados por fraude. Infelizmente,
ainda hoje esses resultados
(inventados) são evocados para gerar dúvidas sobre vacinação.
A
comunidade cientifica pressionou para a retirada do artigo não por ideologia,
mas porque foi testar a idéia do artigo e esta não foi reproduzível. Uma
característica importante da nossa profissão é a dúvida. A certeza absoluta não
deixa espaço para fazer mais perguntas e portanto não permite que a gente
aprenda mais. E sempre existe mais para aprender. Sempre se pode fazer
progresso. Duvidar é bom. Portanto, quando surge um movimento ou afirmativa
como essa da vacina e autismo, a resposta do cientista é : 1) seria possível? e
2) qual a evidencia existente que apóia essa hipótese? Invariavelmente, se
houver evidencia esmagadora contra uma afirmativa, ela vai ser rejeitada. Se
não houver evidencia, a hipótese vai ser testada, rigorosamente. A evidencia é
soberana, e a reprodutibilidade entre estudos, sejam na Inglaterra, Brasil ou
Japão, fundamental.
Atualmente
na Nigéria, nos Camarões, no Paquistão e na Síria existe um alerta de
poliomielite, uma doença que estava prestes a ser erradicada graças à vacinação.
Esses países deixaram de vacinar por causas políticas, corrupção, guerra. A não
vacinação é hoje particularmente mais perigosa porque viagens internacionais são
tão mais comuns, ampliando o risco de disseminação do vírus. Vacinas funcionam
sob um conceito que chamamos de rebanho: quanto mais pessoas imunizadas em uma
população, menos chance há de propagação de um patógeno. Um governo que deixa
de vacinar é irresponsável e criminoso. E se você recusa uma vacina, não é, como
você pode pensar, uma escolha pessoal, com efeitos restritos. Você está
matematicamente ampliando a chance de outros indivíduos se infectarem.
As vacinas
disponíveis não tem efeitos colaterais graves, e é biologicamente impossível ficar gripado com a vacina da
gripe, ao contrário do que muitas pessoas falam. A sensação gripal que alguns
experimentam após a vacinação se deve à ativação do sistema imune, nada mais. Procure
o site da Organização Mundial da Saúde (WHO ou OMS), ou do Centro de Controle
de Doenças infecciosas, o CDC. Se você não lê inglês, você pode ir ao site do
Ministério da Saúde, da Sociedade Brasileira de Imunização, da Sociedade
Brasileira de Imunologia.
Duvide, mas
procure saber.
Cristina
Bonorino é Professora Titular de Imunologia da PUCRS e Pesquisadora 1C do CNPq.
Texto
publicado no Caderno PROA, Jornal Zero Hora, em 18 de maio de 2014
Ótimo texto Cris!
ResponderExcluirJuliano Bordignon
ICC/Fiocruz
Extremamente pertinente, principalmente durante este tempo onde os boatos que circulam na internet e a pseudo-informação parecem ter mais força do que a vontade de saber a verdade. Parabéns!
ResponderExcluirValeu gente. O caderno Proa abriu este espaço pra gente falar de ciencia com a comunidade. Mandem sugestoes de pauta!
ResponderExcluirMuito bom texto. Adorei!!!!
Excluirótimo Cristina. É sempre bom falar sobre vacinas,
ResponderExcluirBom texto Cris
ResponderExcluirSabemos que vacinar é preciso. INFELIZMENTE não temos tantas vacinas como gostaríamos.
SERGIO
Excelente post!
ResponderExcluirÉ sempre bom ler a imunologia que abrange não só nossa linha de pesquisa, mas a sociedade como um todo!