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quinta-feira, 8 de maio de 2014

Imunologia molecular In silico – Parte II

 A Imunoinformática Estrutural

Conforme apresentado na primeira parte deste post, em 2009 o NBLI teve um projeto aprovado no Grand Challenges Explorations (GCE) da fundação Bill & Melinda Gates. O grupo recebeu um auxílio de U$ 100.000 dólares para desenvolver um banco de dados de estruturas peptídeo:MHC (pMHC-I), voltado à identificação de padrões estruturais nestes complexos. No ano seguinte, o NBLI publicou um trabalho descrevendo padrões estruturais apresentados pelos epitopos quando complexados à fenda do MHC (Antunes e cols., 2010), padrão este que não era dependente da sequência do epitopo e que era específico para cada alotipo1 de MHC (Figura 1).

Figura 1. Exemplo da sobreposição de epitopos cristalografados na fenda de MHCs murinos. As estruturas de cinco epitopos restritos a H2-Db (1CE6, 1S7V, 1WBZ, 1ZHB e 3BUY) e cinco epitopos restritos a H2-Kb (1FO0, 1FZJ, 1LK2, 1RJY e 1S7R) foram sobrepostas. (A) Visão lateral salientando as diferenças conformacionais apresentadas por epitopos no contexto do H2-Db (vermelho) e do H2-Kb (azul), especialmente entre as posições 5 e 7 (p5-7). (B) Visão superior. (C) Sobreposição de duas estruturas cristalográficas (1S7V e 1S7R) apresentando o mesmo epitopo (KAVYNLATM) no contexto destes dois alotipos distintos. Modificado de Antunes e cols., 2010.

   
      Este trabalho foi realizado a partir da análise de todas as estruturas de pMHCs até então determinadas experimentalmente para alguns dos alotipos de MHC de classe I mais estudados (H2-Db, H2-Kb, HLA-A*02:01 e HLA-B*27:05), disponíveis no ProteinData Bank. Além do caráter descritivo, a identificação destes padrões permitiu o desenvolvimento de uma nova estratégia de predição de estruturas  de pMHC-I. Trabalhos recentes têm utilizado ferramentas de ancoramento molecular (docking) para a predição estrutural de complexos pMHC (Bordner, 2006; Antunes, 2010; Khan, 2010). O docking é amplamente utilizado para predizer o modo de ligação de fármacos e pequenos ligantes ao sítio ativo de enzimas e receptores proteicos, apresentando resultados rápidos e confiáveis (Morris, 2009; Trott, 2010). No entanto, sua acurácia decai rapidamente com o aumento do número de ligações flexíveis do ligante, o que aumenta o número de conformações possíveis e eleva o custo computacional para a resolução do problema (Chang e cols., 2010). Enquanto a maioria dos algoritmos disponíveis apresenta resultados confiáveis para o ancoramento molecular de ligantes com até 10 ligações flexíveis, um peptídeo típico (apresentado por MHC de classe I) possui cerca de 9 aminoácidos e pode apresentar mais de 40 ligações flexíveis. Neste contexto, a descoberta de padrões conformacionais específicos para cada alotipo de MHC viabiliza o docking de complexos pMHC-I, na medida em que permite reduzir o número de ligações flexíveis do ligante. Esta foi a premissa utilizada no desenvolvimento de uma nova estratégia de predição estrutural de complexos pMHC-I, referida como D1-EM-D2 (Figura 2).

Figura 2. Fluxograma da abordagem D1-EM-D2. A estrutura de um dado complexo pMHC-I, cuja estrutura ainda não é conhecida, pode ser modelada em três etapas: (i) Docking, (ii) Energy Minimization e (iii) Docking (D1-EM-D2). A sequência linear de aminoácidos de um peptídeo pode ser utilizada como entrada para um script do PyMOL (a), o qual gera um arquivo de coordenadas espaciais (PDB) para o epitopo alvo, ajustando a conformação da cadeia principal ao padrão “alotipo-específico”. Uma estrutura de referência contendo o alotipo de interesse é utilizada como “Doador de MHC”, removendo-se o peptídeo da fenda. O “Doador de MHC” e o “Epitopo 3D” são utilizados como entrada para o ancoramento molecular (docking) com o Autodock Vina (b), gerando um novo pMHC-I. Um ciclo de otimização da estrutura é realizado para ajustar o “Doador de MHC” ao novo epitopo. Modificado de Sinigaglia e cols., 2013.

Mesmo considerando-se apenas os genes clássicos de MHC em humanos (HLA-A, HLA-B e HLA-C)2, já são descritos mais de 8.000 alelos3, dos quais uma parcela insignificante possui estrutura conhecida. Cada um destes alelos codifica a cadeia pesada de um alotipo de MHC capaz de apresentar milhares de peptídeos, muitos dos quais seriam de grande interesse para estudos de imunologia (variantes virais, autoantígenos, epitopos que apresentam reatividade-cruzada, etc). Muitos avanços foram feitos no campo da Cristalografia de Raios-X e da Ressonância Magnética Nuclear, permitindo a determinação experimental de um número cada vez maior de estruturas proteicas. No entanto, estes métodos continuam sendo extremamente caros e demorados. Assim sendo, considerando-se a magnitude e a variabilidade deste sistema, análises estruturais em larga escala de complexos pMHC-I seriam praticamente inviáveis sem o auxílio de métodos in silico, rápidos, precisos e de baixo custo.
A abordagem D1-EM-D2 foi amplamente validada em comparação com estruturas cristalográficas, sendo então aplicada na predição em larga escala de complexos pMHC-I apresentando peptídeos imunogênicos. Estes complexos foram posteriormente disponibilizados em um banco de dados específico, o CrossTope (Sinigaglia, 2013). Juntamente com o arquivo contendo as coordenadas espaciais do complexo, o CrossTope disponibiliza informações sobre o alelo de MHC, a proteína e o organismo de origem do epitopo apresentado, etc. São fornecidos links para bancos com informações complementares, como o IEDB e o NCBI. Além disso, o banco fornece uma imagem do potencial eletrostático sobre a superfície do pMHC que fará contato com o TCR. Estudos recentes indicam que características estruturais desta superfície, como cargas e topografia, podem direcionar o reconhecimento pelos linfócitos T CD8+ (Sandalova, 2005; Antunes, 2011; Shen, 2013). De acordo com resultados in vitro, mesmo a troca de um único aminoácido pode abortar o reconhecimento por uma dada população de linfócitos (Fytili, 2008).
Figura 3. Potencial eletrostático na superfície de interação com o TCR. A imagem mostra a vista superior de três complexos pMHC formados por variantes de um mesmo epitopo (com trocas por alanina), no contexto do HLA-A*02:01. Observe a posição dos domínios α1  e α2 do MHC, entre os quais se localiza o epitopo. Regiões com cargas positivas (azuis) e negativas (vermelhas) são representadas em uma escala de -5 kT a +5 kT. As superfícies de complexos que estimulam altos níveis de IFN-gamma frente a uma população de linfócitos específica contra o tipo selvagem (CVNGVCWTV) são muito semelhantes (A e B), enquanto diferenças de topografia e cargas (setas verdes) são visíveis na superfície de um complexo que estimula fracamente a mesma população de linfócitos (C). Modificado de Antunes e cols., 2010.

Além de continuar trabalhando no aperfeiçoamento e automatização da abordagem para predição estrutural de complexos pMHC-I, nosso grupo tem especial interesse na predição de reatividade-cruzada entre epitopos virais. Na terceira e última parte deste post, serão apresentados resultados referentes ao uso de estatísticas multivariadas para a triagem virtual de complexos pMHC-I. Esta abordagem baseada em estrutura nos permitiu predizer uma reatividade-cruzada até então desconhecida, entre epitopos que não compartilhavam nenhum aminoácido em sua sequência, um resultado que já está sendo confirmado por experimentos in vitro.

Post de Dinler Amaral Antunes
NBLI - Núcleo de Bioinformática do Laboratório de Imunogenética.
Aluno de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGBM/UFRGS).


1 A expressão “alelos de MHC” é usualmente utilizada para referenciar tanto as variantes dos genes quanto as diferentes proteínas codificadas por estas variantes gênicas. No entanto, este segundo uso da expressão não é adequado uma vez que o termo “alelo” se refere especificamente a DNA, não a proteína. A expressão “alotipo” é indicada para referenciar as diferentes proteínas codificadas por alelos de MHC.
2 A cadeia pesada do complexo responsável pela apresentação de peptídeos endógenos na superfície celular é referida genericamente como MHC de classe I (na sigla em inglês para Major Histocompatibility Complex), mas a nomenclatura varia de acordo com a espécie. Por exemplo, em humanos ele recebe o nome HLA (na sigla em inglês para Human Leukocyte Antigen), em camundongos é referido como antígeno H2, etc.
3 Até as 14 horas de Quarta-Feira, dia 07/05/2014, havia 8.124 alelos de MHC de classe I listados no http://hla.alleles.org/nomenclature/stats.html.

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