terça-feira, 22 de abril de 2014

Índia e o microbioma


Tirei essa foto ai de cima na estrada entre Jaipur e Agra, na saida do Rajastão.   Ver essa mulher fazendo essas tortas me provocou por varias razões. Primeiro pelo inusitado (para mim) da matéria prima da torta. Sim, ela fazia tortas de esterco bovino, e as secava ao sol. Uma vez secas, ela as utilizaria em casa, para fazer fogo e cozinhar. A cinza seria a seguir usada no campo como adubo. 

Segundo, por me informar da divisão de trabalho. Na India, os mais ocupados pareciam ser sempre as mulheres. Até carregando pedra na cabeça eu vi. Na construção, no campo, em tudo. Os homens muitas vezes estavam deitados num estrado a beira da estrada, ou conversando nos bares, no meio da rua. Parecia o nordeste do Brasil, mas era mais espetacular em números.

Terceiro, por denunciar a grande mistureba entre bicho e homem retratada na mão da moça. Fiquei pensando sobre o que vinha do bicho pra ela, se isso iria mudar a vida dela. Ou se a vida dela incluía a vida dos bichos, se eram uma coisa só. Acho que ja existe algo conhecido em relação as trocas de bioma que se establecem na convivencia de cães e gente, mas acredito que no caso dessa mulher, a escala de troca é gigantesca. Será que alguém já estudou isso?  Se não, deve ser um assunto, no mínimo, fértil. Vou perguntar ao Barral (que é muito melhor que perguntar ao Google, porque a resposta além de certa, será engraçada).

Mas antes que ele me responda vou postar aqui algo dessa viagem….

Udaipur
A caminho de Udaipur, domingo 19 de janeiro de 2014. Um Bombardier de duas helices nos leva pro coração do Rajastão. Não dormimos nada, mas não reclamo. A aventura de ver esse lugar nos deixa alertas, prontos pra ver um macaco na rua, uma estátua colorida na frente do crematório, um mar de gente. E tuktuks verde-amarelos, como os papagaios que vimos entre as pedras vermelhas de Qutub minar. Se não fosse pelo colorido que rende uns xás lindos nas cabecas das mulheres e dos homens, poderia ser o Brasil, na sua pobreza mais cruel e no sorriso das pessoas. 

Fomos ao city castle. O maharane de Udaipur, mais que maharaja, esta vivo, o filho casa agora. Eu pensava que  essa raça ja tinha sumido, mas continuam num parasitismo discreto, agora explorando as antigas propriedades. O palacio é muito bonito, com vista pro lago, com peças muito bonitas e tal. Ao sair demos de novo com a Índia, vimos todas as cores do espectro na rua. Vimos tambem muitos macacos em volta do palacio. Uns 10, enormes. Dois deles trepavam calmamente, inconscientes de que pudor é coisa de homem. Saímos de barco pelo lago, bonito sim. No hotel, de volta, escutamos um rebequeiro e vimos uma mulher dançar com um pote de fogo na cabeca enquanto jantávamos.  

Na segunda acordamos cedo e fomos ver o nascer do sol no lago. Depois cafe da manha, o guia veio nos pegar pra ver o templo Jagdish. Construido no seculo 17, de pedra, dedicado a Vishnu, o organizado, do qual vem Krishna. Krishna, o das 16000 noivas. No exterior do templo na pedra, rodeando o templo estão imagens esculpidas na pedra, em camadas. Na camada de baixo, figuras de monstros para afastar os maus espiritos. Uma outra em cima, de elefantes, para dar sorte, outra de cavalos pro poder, depois seres humanos, o kama sutra, depois as divindades. E assim vai. No templo, rituais de cantico. O priest parecia um amigo meu,  depois de ter tomado todas. E tome cantoria. Uma hora, sinos, palmas, sininhos de hare krishna (um homem ensinava o filho bater no sino, bater no bombo). Uma figura que julguei americano, dava umas florezinhas minusculas, que as pesoas comiam. E lhe tocavam o joelho. No intervalo  disso, ele lia jornal. A maior parte das pessoa eram mulheres. No fim da cerimonia as pessoas jogaram flores em Vishnu. Não podia tirar foto, que lástima. Mas gravei a cantoria. A seguir o mercado e mais uma vez as cores mais deslumbrantes, mulheres lindas, homens com tremendos xales, verduras no chão, o povo no chão. Sao 1.2 bilhoes deles, vivendo por aqui misturando tudo, meninos defecando na rua, incenso, espiritualidade; intensa e vária iconografia, merda de boi, flor de lotus, tamarindo, manga, e buganvilia.

Fomos ver um show mais tarde. Meninas lindas dançavam com vestidos hipercoloridos e apontavam pro ceu, caleidoscopicamente. Paixão, música, dança, cores. E depois jantar. E depois dormir, que o corpo não aguenta tanta emoção impunemente.


Rumo a Narlai 
Na manhã seguinte saimos no meio da neblina para Narlai, no meio do Rajastão. Vimos o campo, com seus pastores, seus turbantes, vacas, cheiro de estrume e madeira queimando. Lembrancas do nordeste do Brasil, do interior de Pernambuco, do agreste. Num trecho da viagem vimos muitos macacos, que dessa vez sentaram no capo do carro e nos espiaram. Os macacos, as cobras e as vacas, são sagrados. As vacas abrigam 33 milhões de deuses dentro de si (sério).

Ao chegarmos em Narlai uma surpresa. O hotel era uma antiga casa de campo onde a familia real de Jodhpur se hospedava quando ia caçar. Um hotel com decoração rustica, e retratos da aristocracia rural, dos ingleses. Fomos ver um templo escorado por uma pedra enorme. E vacas subindo os degraus. Depois passear um pouco pela cidade,  e ao descobrir mais templos, ver um deus com um enorme falo, decorado com uma fitinha. Mais tarde, encontramos no jardim pra conversar com um dos donos do hotel que nos explicou o que íamos ver a seguir. Íamos jantar numa cisterna, que existia desde o século 6. Saímos, estrada a fora, pela noite, em carros de boi. E como num filme, o mundo do campo, o som ao redor, dos bichos, dos chocalhos, o ranger das rodas, o cheiro de esterco e  de madeira queimando.  Ao olhar pro céu, um tremendo choque de estrelas, a brisa, homens tangendo os bois, a noite sem luz que fazia tempo não víamos. Passamos a seguir por um homem semi nu, com tranças rastafari, que tocava uma concha, o som mais primitivo; o som que se escutou na cerimonia de  independencia da India, na meia noite de 14 de agosto de 47. Era uma prece. Ao chegarmos ao lugar, outro choque. Um terraço, varios terraços até a fonte. Todos eles com lampadas de óleo acesas. Um espetáculo. Um curral de onde os bois giravam uma manivela para trazer a agua lá do fundo. Sentamos em poltronas muito confortáveis e nos trouxeram a comida enquanto um homem cantava, dentro da cisterna, uma longa canção sobre Shiva and Parvati, com uma rebeca. Por cima de tudo um céu sem limite, e, nos silencios, a música das estrelas.

PS. A última linha do último post de Nelson Vaz,  prenunciou este post aqui. Abraço mestre.

3 comentários:

  1. Bacana Sergio, inteligente. Seus Poster possibilita uma viagem mental e nos fornece um entendimento mais humilde da vida. A vida está organizada para que todo o universo possa ter a oportunidade de ofertar e usufruir. Quanto mais amadurecemos, mais ofertamos. Ao evoluir desenvolvemos qualidades e habilidades que podem ser extremamente úteis para outros seres.
    abraço
    Com saudade das nossas conversas no Simposio Sul de Imunologia em Curitiba
    Phileno em obras!

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  2. Caro Sérgio,
    Excelente post, comme d'habitude.
    Infelizmente, nem sei a resposta certa nem engraçada.
    Abraço,
    Barral

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  3. Ha-ha, certo e engraçado...Oh Phileno, esse em obras foi em serio ou na zona?
    Abração pros dois

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