terça-feira, 13 de novembro de 2012

Anemia e infecção: A batalha pelo Ferro

Há certo tempo, o metabolismo do Ferro teve um destaque na imunologia, especialmente pela relação entre a Heme Oxygenase (HO-1) e a atividade das células T reguladoras. A HO-1 cataliza a clivagem oxidativa do grupo heme para gerar Ferro livre, monóxido de carbono (CO) e biliverdina. O CO tem um forte efeito regulador da imunidade celular [1], como foi comentado aqui no Blog da SBI no recente post do professor Barral [2].

É amplamente estabelecido que o Ferro é um micronutriente imprescindível para a sobrevivência de microrganismos patogênicos no interior do hospedeiro. Menos conhecidos, porém, permanecem os mecanismos moleculares responsáveis pela interação entre o sistema imune e o sistema de transporte/estoque de Ferro. Boa parte das respostas a esses interrogantes estão sendo geradas graças a estudos sobre a anemia induzida por malária, apesar de ser este um fenômeno comumente  observado em diferentes infeções [3,4], 

Devido às propriedades oxido-redutivas que seus estados de valência lhe conferem, o Ferro participa em inúmeras enzimas presentes na maioria dos sistemas de transporte de oxigênio em todas as formas de vida, e constitui um ponto central na interminável batalha evolucionária entre microrganismos patogênicos e hospedeiros por recursos nutricionais.

Como estratégia geral contra os micróbios (e também para proteger os tecidos do dano oxidativo), os mamíferos evoluíram complexos e eficientes sistemas de retenção direcionados a diminuir o Ferro acessível aos invasores. Nos seres humanos, as proteínas predominantes com estas funções são a transferrina, a lactoferrina, e a ferritina para o Ferro; a haptoglobina para a hemoglobina; e a hemopexina para o heme. Desta forma, quando agentes patogênicos pretendem habitar o trato respiratório, intestinal e gênito-urinário, eles encontram um ambiente com deficiência de Ferro na superfície das mucosas, já que o oligoelemento é quelado pela lactoferrina, uma glicoproteína extracelular do sistema imune inato. Além disso, a lactoferrina está presente em grandes quantidades no leite materno e outros fluidos, ajudando a proteger os epitélios. Ainda, esta proteína é produzida por neutrófilos no local da infecção.

Por outro lado, vários patógenos protozoários desenvolveram mecanismos para obter o Ferro a partir da lactoferrina. Por exemplo, Trichomonas fetus, Trichomonas vaginalis, Toxoplasma gondii e Entamoeba histolytica expressam proteínas de ligação á lactoferrina e usam estas como fontes de Ferro para seu crescimento in vitro. Promastigotas de Leishmania spp também usam uma redutase de superfície capaz de reconhecer e reduzir o Ferro da forma férrica para a forma ferrosa. Assim, diversas estratégias têm sido desenvolvidas por microrganismos patogênicos para ganhar acesso ao Ferro a partir da lactoferrina do hospedeiro e assim sobreviver em ambientes hostis [5, 6].

A Hepcidina (também conhecida como LEAP-1, por liver-expressed antimicrobial peptide) é o principal mecanismo de regulação do Ferro plasmático em mamíferos. Drake-smith e Prentice  publicaram uma revisão na Science [7sobre a importância deste peptídeo durante um processo infeccioso, explicando como ele está envolvido na retenção do Ferro, no intuito de evitar que se converta em um fator de crescimento para patógenos microbianos, reduzindo sua replicação, e como as bactérias intracelulares são capazes de impedir esta resposta do hospedeiro. 

IL-6, IL-22 e IFN tipo I induzem Hepcidina através de STAT3, principalmente em hepatócitos, mas também em outras células, como macrófagos  A Hepcidina se encontra elevada na malária aguda e contrário ao esperado, não guarda relação direta com os níveis de hemoglobina, mas sim com os níveis de IL-10 e IL-6, e com a carga parasitária [8]. Assim, a hepcidina deveria ser determinada rotineiramente neste tipo de pacientes, e há necessidade de testes diagnósticos de baixo custo para este propósito [9]. Por outro lado, diversos trabalhos destacam os perigos potenciais da suplementação de ferro na anemia induzida por enfermidades infecciosas, especialmente a malária, em que uma sobrecarga de Ferro pode anular os efeitos protetores da hepcidina.

Tem então um cenário interessante para repensar o conceito atual de anemia, especialmente durante infecções, e aprofundar no estudo das interações entre metabolismo de Ferro e o controle da resposta imune, lembrando que às vezes, tolerar uma infeção é uma forma de se defender, de acordo com o conceito recentemente introduzido por David S Schneider  [10, 11]. Além disso, o estudo da Hepcidina em outras infeções que não acometem diretamente as hemácias, poderá trazer novos conceitos e mecanismos da resposta imune para controlar o crescimento do patógeno e a intensidade da resposta inflamatória.



3 comentários:

  1. Olá Fredy, muito bom o post.

    Temos um artigo que vai sair na edição de Novembro da Cell Host and Microbe que taz mais novidades nessa área. Exploramos a ferritina na malária com enfoque na tolerância clínica à malária.

    Só tenho uma pequena correção no seu texto. O conceito de disease tolerance não foi introduzido pelo Ruslan. Esse conceito vem de longa data e o segundo autor dessa revisão que você cita (Schneider) tem inúmeras revisões sobre essa ideia. Vale a pena ler os artigos desse cara. O Ruslan recentemente passou a dar atenção a este tema, mas por influencia do Schneider e o Miguel Soares, amigos dele e que na verdade são mais pioneiros nessa área.

    Abraço

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  2. Olá Bruno, muito obrigado pela correção e o comentário. Na verdade eu tinha revisado o artigo da NRI de 2008 do Schneider, mas acabei errando na hora de citar.

    Parabéns pelo artigo da Cell Host and Microbe.
    Abs
    F

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  3. Oi Fredy, saudades! Adorei seu post. Com o que vc esta trabalhando agora?

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