quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O apoio à ciência aplicada e o abandono da ciência básica

É antiga a discussão entre ciência básica e ciência aplicada em termos de importância, prioridades etc. No Brasil muito se tem falado sobre o aumento da produção científica não acompanhado de aumento de patentes ou de outros indicadores de impacto da ciência em termos econômicos.  A nossa economia tem crescido, porém continua baseada em produtos não resultantes de tecnologia ou de inovação. Não somos uma economia de conhecimento. Reflexo disto é que somos a sexta economia mundial mas o 13o. país em número de publicações científicas. Quando a produção de conhecimento científico é avaliada pelo impacto das publicações a nossa posição decresce razoavelmente. O conhecimento que chega ao mercado é o conhecimento de maior impacto. 
A ênfase em inovação deriva da necessidade de se observar um impacto da ciência na economia. Sem criação de riqueza baseada em conhecimento, o apoio da população (e dos políticos) para ciência tende a se reduzir. O gasto governamental em ciência é mais fácil de ser explicado para a sociedade quando a ciência contribui para a geração de riqueza.  O problema, em grande parte, é que muitos não entendem que é necessário um tempo razoavelmente longo para que a ciência gere impacto econômico. A comunidade científica contribui, por vezes, para aumentar a confusão. São feitas promessas irresponsáveis sobre a possibilidade de resultados rápidos. Não é possível prometer resultados tecnológicos rápidos quando os problemas científicos do tema não estão resolvidos. O não cumprimento dos prazos leva ao desgaste e à descrença na ciência - quando deveria ser apenas em alguns cientistas.  
A preocupação com a falta de apoio à ciência básica não é restrito ao Brasil. Em abril último um editorial do The Lancet (Catastrophic neglect of the basic sciences in medicine; Vol 379: 1273; April 7, 2012) tratou do tema do abandono da ciência básica na área médica de forma muito enfática: “The basic medical sciences are not only being neglected, they are being systematically eroded.”  O texto mistura um pouco de fatores como a revisão de projetos com críticas que me parecem atingir tanto a ciência básica quanto a aplicada. Além do tom exageradamente dramático para um texto britânico: “Patient care will be harmed by the prevailing short- sighted and expedient approach to discovery science.” ou “Not the least of which is the excision of investment into future generations of young medical researchers. Such a perilous policy, pursued by some research councils and larger charities alike, is being driven by a political environment that emphasises big science and aggresive commercial returns on research investments.” Apesar de tudo isto, o texto recomenda um necessário repensar da situação de investimento:
The basic science of medicine, and the future of safe and effective patient care, relies on smart people working in laboratories to answer questions about which they are passionate. We seem to have forgotten that lesson. We need to relearn it quickly.”
Uma outra forte mensagem de apoio à ciência básica veio do relatório “Research Universities and the Future of America: Ten Breakthrough Actions Vital to Our Nation’s Prosperity and Security” e que foi motivo de texto na Science (22 June 2012 Vol 336) com o título de “Universities, Key to Prosperity” assinado por Charles O. Holliday, que foi CEO da I. du Pont de Nemours and Company e coordenou o comitê do NRC que elaborou o relatório. Alguns trechos são bem ilustrativos:
“U.S. universities have been the incubators of the nation's prosperity.”
“… especially in these tough times, the United States cannot afford to defer investment in research universities. ... It is critical to revitalize the partnership between our research universities, government, and industry.”
U.S. businesses, which depend on universities for technology and talent, must also provide long-term financial support and regionally build strong, enduring partnerships.”

Um dos problemas no Brasil que acirra a disputa dos recursos governamentais entre ênfase na pesquisa mais fundamental, de descoberta, e a pesquisa mais aplicada de resultados práticos é o baixo investimento do setor privado.  O gráfico acima do post, compara os investimentos (como percentagem do PIB) dos setores governamental ou privado em diversos países. No caso do Brasil, embora ainda deva ainda ocorrer um aumento percentual de investimento governamental, o que realmente precisa ser incrementado em grande medida é o investimento privado em ciência e tecnologia.

Um comentário:

  1. "porém continua baseada em produtos não resultantes de tecnologia ou de inovação"<=Hmmm, isso não é bem verdadeiro.

    Há bastante tecnologia e inovação por trás dos produtos primários exportados pelo Brasil - notadamente a pesquisa da Embrapa com os produtos agropecuários.

    A questão é que são produtos com baixo valor agregado - mesmo que tecnologias de melhoramento genético e transgenia sejam utilizados.

    []s,

    Roberto Takata

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