domingo, 1 de julho de 2012

Journal Club-Iba: CITRULINAÇÃO, AUTOFAGIA E HLA: como estes fatores podem ser determinantes na autoimunidade?

           Modificações pós-traducionais são processos biológicos comuns que alteram partes específicas da proteína após sua síntese. Uma modificação que tem chamado atenção dos pesquisadores é a conversão de arginina em citrulina, processo chamado citrulinação ou deiminação. Esse processo é catalizado pela família de enzimas ativadas por cálcio, as pepitilarginina deiminases (PAD). Atualmente estão descritos cinco membros dessa família (PAD1, 2, 3, 4 e 6), que estão distribuídos em diferentes tecidos e células. A citrulina não é um aminoácido codificado naturalmente pelo DNA, e a introdução dela na proteína modifica sua estrutura e função, além de determinar novos antígenos. A citrulinação está relacionada com eventos fisiológicos e patológicos. Os eventos fisiológicos compreendem diferenciação epitelial, regulação da expressão gênica, descondensação de cromatina para formação de armadilhas extracelulares (NETs) por neutrófilos e apoptose. Por outro lado, a citrulinação está envolvida em doenças inflamatórias como esclerose múltipla, doença de Alzheimer e Artrite reumatóide (AR).
A relação de citrulinação com AR foi bem estabelecida por Hill e colaboradores (2008). Nesse trabalho, os autores demonstraram a indução de artrite em camundongos C57BL/6 transgênicos para o alelo do HLA humano DRB1*0401, imunizados com o fibrinogênio humano citrulinado (CithFib).  Essa proteína é comumente encontrada no tecido sinovial inflamado e é também um alvo frequente de anticorpos em pacientes com AR. No estudo, animais transgênicos e selvagens foram imunizados com o fibrinogênio humano, citrulinado ou não modificado. Os autores demonstraram que apenas animais transgênicos imunizados com o CithFib desenvolveram artrite. Estes animais apresentaram uma resposta mais pronunciada de células T, caracterizada por maior proliferação celular e níveis elevados de IFN-γ, além de maior produção de anticorpos, que foram reativos contra diversos peptídeos implicados na patogênese da artrite, citrulinados ou não.  Este trabalho corresponde à primeira descrição de artrite dependente de citrulinação em camundongos, e apesar de suas imperfeições, o modelo representa um protótipo fidedigno da AR, contrastando com os modelos prévios – como a artrite induzida por colágeno, mais representativos de artrite inflamatória em geral.
Por outro lado, Ireland & Unanue (2011 e 2012) esclareceram o mecanismo pelo qual células apresentadoras de antígeno (APCs) apresentam peptídeos citrulinados às células T CD4. Inicialmente, eles demonstram que macrófagos e células dendríticas, fisiologicamente, ao processar peptídeos próprios, têm a capacidade de citruliná-los para que sejam apresentados a células T. Em contraste, células B necessitam de um estímulo adicional para que a citrulinação aconteça, seja ele desencadeado por stress ou pela ativação via BCR. A descoberta chave do estudo foi demonstrar que a citrulinação de peptídeos pelas APCs é dependente do processo de autofagia e a enzima PAD apresenta atividade dentro de vesículas autofágicas. Além disso, a citrulinação pelas APCs é bloqueada pelo 3MA, um inibidor de autofagia. No entanto, o processo de citrulinação pelas células dendríticas e macrófagos difere das células B (Figura 1). Nas primeiras, após a ligação da proteína à membrana, há a formação de uma vesícula endossomal inicial e, a partir dela, a proteína pode seguir dois caminhos. Ela pode ser levada a vesículas tardias e processada em peptídeos, que são apresentados por moléculas de MHC de classe II em sua forma não modificada. Alternativamente, a proteína pode ser levada a vesículas autofágicas, onde é processada em peptídeos, os quais sofrem citrulinação e são apresentados na superfície da célula como peptídeos citrulinados. De forma diferente, nas células B, apenas após a ativação do BCR, via antígeno específico ou via anti-imunoglobulina, há ativação da autofagia. O complexo proteína-BCR endocitado é direcionado a vesículas autofágicas, onde a proteína é processada e citrulinada. Caso não haja essa ativação, a proteína endocitada é levada a vesículas endocíticas e processada para ser apresentada como peptídeo não modificado.


Modelo de citrulinação de pepídeos dependente de autofagia. A) Citrulinação em células dendríticas e macrófagos; B) Linfócitos B. (HEL - hen egg-white  lysozyme)


A descoberta de que a autofagia está diretamente relacionada à geração de peptídeos citrulinados por APCs tem fundamental importância no que diz respeito à autoimunidade. Em certas doenças como na AR, mudanças no microambiente tecidual, podem induzir autofagia em APCs e com isso, citrulinação. Peptídeos citrulinados, em combinação com alelos que predispõem à doença, constituem condições propícias à auto-reatividade de células T, levando à iniciação ou aumento do processo patológico. Além disso, a ativação da autofagia nas células B por auto-anticorpos, como os que compõem o fator reumatóide, é outro evento determinante na produção de peptídeos citrulinados, e dessa forma, na exacerbação da doença.

Post de Mariana Benício, Milena Espíndola e Thaís Bertolini

Um comentário:

  1. muito legal e didatico o post de vcs! realmente citrulinação é um processo que ainda vai nos ensinar coisas novas quanto a interacao das celulas T com peptideos self, mas modificados.

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