quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Metabolismo e diferenciação de células T CD8+

Por Miriam Werneck

Estudos recentes têm despertado um grande interesse sobre as vias, mediadores e mecanismos que estão envolvidos nas interações entre metabolismo e o sistema imune, com implicações para o entendimento das alterações imune/inflamatórias nas doenças metabólicas e também na diferenciação de linfócitos.

Um conjunto de trabalhos publicados simultâneamente em 2009 demonstrou que a modulação da via de PI3K/mTOR é fundamental no processo de diferenciação de linfócitos T, tendo papéis ligeiramente diferentes em linfócitos T CD4+ e CD8+ (Minton 2009). Em ambos os subtipos celulares há uma diminuição de fenótipos efetores na ausência de atividade mTOR, mas em células T CD4+ é visto um aumento tanto do desenvolvimento quanto da diferenciação de células T reguladoras (Delgoffe et al. 2009; Liu et al. 2009), ao passo que inibição da atividade mTOR em células T CD8+ favorece o fenótipo de memória (Araki et al. 2009).

Focando em células T CD8+, a discussão estimulada pela descoberta que tratamento com rapamicina, o inibidor de mTOR, de animais infectados por LCMV aumenta a diferenciação de células T de memória CD8+ (Araki et al. 2009), foi substanciada pela observação que células T de memória consomem menos glicose e portanto possuem um metabolismo mais lento que células T efetoras (revisado em Finlay e Cantrell 2011). Ativação de mTOR foi inicialmente descrita como fruto da ativação de PI3K e PDK1, com conseqüente ativação de Akt (PKB), que através da fosforilação e inibição de TSC2 leva ao acúmulo de Rheb-GTP que ativa mTOR (Finlay e Cantrell 2011). No entanto, um artigo ainda no prelo da revista Immunity sugere uma alternativa a até então direta associação do controle de metabolismo e diferenciação T via PI3K/Akt/mTOR (Macintyre et al. 2011). Nesse artigo, o grupo da Dra. Doreen Cantrell demonstra que apesar do estímulo via TCR e receptor de IL-2 levarem a ativação de Akt via PI3K, a atividade desta enzima não é essencial para a absorção de glicose, sobrevivência ou proliferação de linfócitos T CD8+ ativados. De forma clara, o grupo demonstra que a atividade de PDK1, no entanto, é essencial, e quando PDK1 é inativada, células T CD8+ in vitro reduzem absorção de glicose e proliferação celular, sem entrar em apoptose. Era imaginado que a ativação de mTOR via o eixo PI3K/Akt fosse responsável pelo aumento na expressão de genes associados com o metabolismo lipídico observado em células T CD8+ efetoras. No entanto, o artigo demonstra por análise do padrão global de expressão gênica de células T CD8+ ativadas na presença ou ausência da atividade Akt ou PDK1 que é a ativação de PDK1 e não de Akt seguindo o estímulo via TCR e receptores de IL-2 que promove o aumento da expressão de proteínas envolvidas com metabolismo lipídico. Juntos, estes resultados sugerem que a via de sinalização iniciada por PI3K/PDK1 independente de Akt é a que sustenta o processo de diferenciação celular de células efetoras T CD8+. No entanto, a função efetora destas células depende da atividade Akt, uma vez que na ausência desta a expressão de IFN-γ e perforina são severamente comprometidas, somado a uma redução na expressão de algumas moléculas de adesão e receptores para citocinas e quimiocinas (Macintyre et al. 2011).

Mais estudos são necessários para determinar se uma via específica ou a ativação coordenada de diferentes quinases deflagrada por PI3K e PDK1 é responsável pela modulação metabólica em células T CD8+, uma vez que além de Akt, PDK1 regula a atividade de outros membros da família AGC, tais como S6K, RSK, SGK e PKC (Pearce et al. 2010). Uma resposta a essa pergunta também pode levar a sugestões quanto ás diferenças observadas entre linfócitos T CD4+ e CD8+ perante estímulos semelhantes. Ainda, resta testar a capacidade de diferenciação das células T CD8+ na ausência de Akt, e como os autores não descartam a possibilidade de que a atividade mTOR está sendo modulada neste contexto também de forma independente de Akt, ainda resta uma lacuna entre este estudo e o que foi previamente mostrado no contexto de infecção viral. No entanto, e mais interessante, o trabalho de Macintyre e colaboradores enfatiza a fina regulação das vias de sinalização que modulam e integram metabolismo, proliferação celular, sinais de diferenciação e aquisição de funções efetoras no contexto de células T, direcionando nossos olhares para além dos dito “suspeitos de praxe”.

Referências:
Minton K. (2009) T cell responses: Quantity and quality control by mTOR. Nat Rev Immunol 9:534.

Delgoffe GM., Kole TP., Zheng Y., Zarek PE., Matthews KL., Xiao B., Worley PF., Kozma SC. e Powell JD. (2009) The mTOR kinase differentially regulates effector and regulatory T cell lineage commitment. Immunity 30(6):832-44.

Liu G., Burns S., Huang G., Boyd K., Proia RL., Flavell RA. e Chi H. (2009) The receptor S1P1 overrides regulatory T cell-mediated immune suppression through Akt-mTOR. Nat Immunol 10(7):769-77.

Araki K., Turner AP., Shaffer VO., Gangappa S., Keller SA., Bachmann MF., Larsen CP. e Ahmed R. (2009) mTOR regulates memory CD8 T-cell differentiation. Nature 460(7251):108-12.

Finlay D. e Cantrell DA. (2011) Metabolism, migration and memory in cytotoxic T cells. Nat Rev Immunol 11(2):109-17.

Macintyre AN., Finlay D., Preston G., Sinclair LV., Waugh CM., Tamas P., Feijoo C., Okkenhaug K. e Cantrell DA. (2011) Protein Kinase B Controls Transcriptional Programs that Direct Cytotoxic T Cell Fate but Is Dispensable for T Cell Metabolism. Immunity In Press.

Pearce LR., Komander D. e Alessi DR. (2010) The nuts and bolts of AGC protein kinases. Nat Rev Mol Cell Biol 11(1):9-22.


Para os aficionados, leitura adicional:
Powell JD. e Delgoffe GM. (2010) The mammalian target of rapamycin: linking T cell differentiation, function, and metabolism. Immunity 33(3):301-11.

Um comentário:

  1. Excelente post, parabéns! Pouco estudamos sobre a interação entre metabolismo e sistema imunológico, tanto o metabolismo intracelular quanto o metabolismo sistêmico.
    Tem uma revisão que será apresentada no Journal Club aqui em Ribeirão sobre Imunometabolismo, também muito interessante...
    http://www.nature.com/nri/journal/v11/n2/pdf/nri2922.pdf

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