sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Vamos com calma

Post de Daniel Mucida
Rockefeller University, New York

Alma não tem cor, porque eu sou branco
Alma não tem cor, porque eu sou negro
Chico César

Não sou patriota (“ter amor e devoção a um país”). Muito menos nacionalista (“forte identificação de um grupo de indivíduos com a nação”). Acho que ambos geram, salvo raríssimas exceções, muito mais danos que benefícios. Basta ver o exemplo recente do “Tea Party” aqui nos EUA. Torço pelo Brasil na copa do mundo, voto sempre que posso, tenho grande interesse em notícias políticas, sociais ou culturais do Brasil. Mas também gostei quando os republicanos perderam nos EUA, não gostei quando o Cavaco Silva foi reeleito em Portugal. Enfim, ponto feito e preferências pessoais a parte, tenho recebido muitas notícias positivas do Brasil recentemente, várias incluem avanços, diria saltos, na área de ciência e tecnologia. Talvez por isso, talvez por outros motivos indefinidos, uma onda de reportagens nas principais revistas científicas mundiais (Science, Nature) ou mesmo revistas menos especializadas (The Economist), tem colocado o Brasil como o próximo (quiçá atual) principal destino da ciência. Este assunto foi recentemente abordado no SBlogI (http://blogdasbi.blogspot.com/2011/01/go-south-young-scientist-sugere-o_13.html) e gerou comentários bem interessantes. Tenho a impressão de que a copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, associadas à fascinante (e merecida) aprovação do ex-governo Lula, podem exaltar ainda mais os espíritos nacionalistas no Brasil. Espero que isso não ocorra, muito menos na ciência. Uma exaltação ao “sentimento nacional” pode desviar a ciência brasileira de um caminho pé-no-chão. A ciência não tem (ou não deveria ter) cor. Não posso dar uma opinião exata sobre a situação atual da ciência e mais especificamente da Imunologia brasileira, pois estou fora há vários anos. Ouvi reações positivas das pessoas que compareceram à última reunião da SBI, como sobre a alta qualidade dos pôsteres. De qualquer maneira, me parece precipitada a exaltação. Estamos longe ainda.

Diversidade
Acho que apesar dos mil e um problemas da sociedade e cultura norte-americanas, o fato da ciência aqui ser (ainda) tão patentemente aberta à qualidade e diversidade de opiniões, não importando muito de onde vem essa qualidade, é algo que deveríamos prestar atenção. Noam Chomsky é judeu e americano, e apesar de chamar os americanos e israelenses de terroristas (e justifica as razões), ainda assim é professor do MIT há mais de 50 anos. O governo americano é abertamente contra o Irã, ainda assim tenho vários colegas iranianos na Rockefeller University. Uma impressão que eu tinha quando estava em Universidades brasileiras era que a justificativa principal da baixa qualidade (em termos gerais) da produção científica brasileira era devido tão-somente à falta de verbas. Não é. Acho que temos outros problemas além de verbas. Não me parece que o cientista brasileiro é mais ou menos brilhante que o cientista de outros países. Há diferenças nítidas na maneira de fazer ciência entre as culturas e países, mas isso não impede (ou facilita) de maneira significativa a possibilidade de fazer ciência de qualidade. Parece-me que as verbas são insuficientes em quase todos os estados, verdade. Deveria melhorar (e aparentemente está melhorando). Mas a ciência não se faz somente de verbas. Problemas de importação, burocracia, falta de divisão (ou prioridade) entre o “pesquisador” e o “professor” (assunto discutido com freqüência entre os cientistas brasileiros no exterior); todos contribuem negativamente para a qualidade da ciência brasileira. Ainda assim, o Brasil tem ciência de qualidade em vários setores e áreas; há muitos exemplos (conservação, energia, física teórica, química, ecologia, parasitologia, etc). No entanto, acho que a Imunologia me parece depender bastante, talvez mais que outras áreas relacionadas, da diversidade. A diversidade de repertório do Sistema Imune é fundamental (o posts do Prof. Nelson Vaz retratam isso de maneira brilhante). O repertório, sendo ele de imunologistas, idéias, técnicas, animais, disciplinas também é fundamental para a Imunologia crescer. Conversar com o geneticista, neurocientista, parasitologista, fisiologista é fundamental. Assim como é fundamental dar possibilidade para o americano, alemão, francês, chileno, argentino, sueco irem para o Brasil e interagirem com o imunologista brasileiro. Acho que devemos fazer um esforço ainda maior para que isso ocorra com mais freqüência, não há como darmos o salto prometido pelas revistas se não incentivarmos a diversidade.

Como fazer isso? Não tenho as respostas. Nem toda crítica necessita de um solução para o objeto criticado. Acho que o incentivo a cursos, seminários, discussões em inglês é um dos passos necessários. A criação de bolsas que ajudem ou incentivem estrangeiros que querem ir fazer ciência no Brasil é outro passo. Conheço muitos, muitos cientistas excelentes que gostariam de passar alguns anos no Brasil. Alguns vão, mas não é suficiente ainda. Temos muito do contrário: possibilidades para cientistas brasileiros fazerem ciência fora, isso também é importante/fundamental, mas acho que se quisermos que os “Young scientist, go south” (como estampou a The Economist”) temos que dar possibilidades para que isso aconteça. Uma imunologia quase monoclonal acaba só gerando doenças auto-imunes.

Auto-crítica
O sentimento nacionalista também pode influenciar outras decisões que nos afastam de uma política pé-no-chão. Um exemplo são as áreas de pesquisa do laboratórios. Qual é a sua pergunta? Mesmo sendo relevante, vale a pena investir nessa pergunta se outros 10 grupos de ponta fizeram a mesma pergunta? Será que deveríamos evitar as áreas específicas que já estão (obviamente) sendo abordadas por laboratórios americanos/europeus? Muitos (como eu) acham que sim, pois não há como competir. Outros acham que não, pois ainda assim podemos gerar conhecimento, educar e fazer a ciência andar para frente. Este é um assunto delicado, já que existem opiniões muito interessantes de vários lados. Acho (portanto, é uma opinião apenas), que independentemente do lado que apoiamos, deveríamos ter bom senso, e entender que a diferença ainda é grande entre as possibilidades “experimentais”, por vários dos motivos citados acima. A competição para resolver questões “quentes” já faz pouco sentido na ciência de ponta, pois o valor científico em publicar algo idêntico, mas uma semana antes que algum outro grupo, é dúbio. Assumir uma inferioridade técnica é um passo importante para gerar questões diferentes, inter-disciplinares, descobrir nichos que não estão repletos e ainda assim são relevantes. É também um passo crucial para saber onde melhorar. Também abre as portas para tentar identificar e usar potenciais locais e regionais que possibilitariam responder às questões de forma original. Acho que uma mudança de comportamento, associada à políticas governamentais corretas ajudarão a mudarmos o fluxo. No momento, o fluxo ainda é “Scientist, go North”. Antes do fluxo estabilizar ou se inverter, acho que deveremos tentar entender porque em geral a preferência dos que sobem para o norte ainda é também “Stay North”.

13 comentários:

  1. Acredito que já sabemos porque muitos decidiram "Stay North". Decisão pessoal, melhores condições de trabalho, melhores salários, mais chance (muito mais!) de publicar em revistas de alto impacto, etc.

    Devemos, quem está aqui no Brasil, é cuidar para ter uma ciência de ponta (qualidade!, não necessariamente publicações em JEM, Nature, etc), com infra-estrutura apropriada, independência para contratar cientistas e técnicos, salários bons para os nativos ou não, etc.

    Como você frisou bem, a ciência não tem pátria. Eu adiciono aqui no SBLOGI que O cientista TEM. Seu post me parece justificativa para quem quer ficar em outros locais e não voltar para o Brasil. Isso é aceitável, decisão pessoal.

    Entretanto, com todo o respeito, me parece muito simples falar de que a ciência no Brasil é "assim ou assado" sem estar aqui, participando de TODO O PROCESSO de orientar estudantes, ser docente em uma PG, aplicar Universal, projeto FAPESP, bolsa PQ-CNPQ, tentar fazer redes, etc. Como disse, a ciência tem pátria.

    Nossa hora de amadurecer, em todos os campos, é essa. Quem está fora, não está participando ativamente desse processo lindo de crescimento científico do País.

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  2. Daniel,

    concordo plenamente... com uma excessão: precisamos de pessoas como você AQUI, ensinando aos demais como fazer ciência!!!

    Não podemos continuar acreditando que os problemas da ciência brasileira se 'auto-resolverão', por meio de partenogênese. Sem bons exemplos, como você, os mais novos não possuirão referências positivas.

    Imagine que o Brasil, com o nível pífio de educação que ainda possui, anda recebendo tais elogios... já pensou se tivéssemos a qualidade de pessoas bem instruídas e vividas como professores e orientadores?

    Parabéns novamente pelo post e escreva neste espaço com mais frequencia.

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  3. Vamos com calma, essa música é do André Abujamra/Karnak, não do Chico César

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  4. Anonimo 1.
    Seu post é um exemplo literal do que acabo de escrever. A impressão que tinha sobre o sentimento nacional parece continuar valendo (para parte das pessoas).
    Alguns pontos sobre o que você (o cientista com pátria, mas sem nome), levantou:
    1-Melhores salários: sálario de pos-doc nos EUA- NIH- descontando imposto (que não são pagos por bolsistas no Brasil)- $2,400 por mês;
    2-Mais chance de publicar em revista de alto impacto: até hoje, fora a melhor qualidade do trabalho, não vi evidência clara de favorecimento de nacionalidades (claro, alguns poucos grupos europeus, americanos ou japoneses tem mais facilidade em publicar em revistas de alto impacto, mas em geral isso me decorrente de uma história de trabalhos de qualidade);
    3-Apenas como fonte de informação: fiz graduação, pós-graduação e parte do pos-doutorado no Brasil, tive bolsas do Cnpq, CAPES, FAPEMIG e FAPESP; é provável que seja suficiente para dar uma opinião (com a ressalva que fiz no texto, de não ser uma opinião exata).
    4- Em relação à infra-estrutura e burocracia que vc citou no segundo parágrafo, concordo plenamente.

    Anônimo 2- obrigado pela informação, não sabia e peço desculpas ao André Abujamra (deveria ter citado "Odeio o Rodeio", essa é do Chico Cesar!

    Daniel Mucida

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  5. Li os posts acima e acho que uma coisa muito simples é fazer as contas de qual o número de indivíduos brasileiros que estão em grandes POLOS, como pesquisadores INDEPENDENTES no mundo afora, uns 100?, 200?, que sejam 500 nos diversos campos. O que vai mudar de fato se eles estivessem aqui agora? O sistema do jeito que está montado desarma a maioria deles.

    Essa visão romântica de esperar que pessoas como fulano, etc venha isso é coisa do passado. Já temos tecnologia em muitas áreas. Já temos um bom número de pessoal bem treinado, competente e sério em muitas áreas e a Imunologia, é claro, uma delas.

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  6. Anônimo 3,

    o 'sistema' não é uma entidade com vontade própria e foi montado por nós mesmos, quando votamos em nossos representantes ou assumimos cargos diretivos.

    As minhas colocações se baseiam no fato de que precisamos urgentemente parar com as RECLAMAÇÕES e começarmos a produzir AÇÕES efetivas, sejam estas com o auxílio dos que buscam prosperidade no exterior ou não.

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  7. Ciência no Brasil realmente é artesanal, feita com pouco recurso e no limite tecnológico. Já nos países desenvolvidos esta é feita de forma industrial, algo muito combatido pelo ilustre Professor Nelson Vaz. Fazer ciência no exterior é muito cômodo, tecnologia e dinheiro para ser investido não é nenhum problema, "...as coisas funcionam..." dizem os recém chegados. A verdade é que é possível fazer ciência de qualidade no Brasil, mas isso pode levar 3 a 5 vezes mais tempo do que levaria para ser feito no exterior. Este é uma das consequências do processo de globalização no qual somos um dos retardatários.
    Mas as coisas estão mudando, um sentimento de otimismo crescente paira sobre muitos pesquisadores brasileiros. Já estamos sentindo estas pequenas mudanças que estão ocorrendo lentamente, talvez imperceptíveis para aqueles que estão fora do Brasil.
    Esta é uma visão que gostaria de compartilhar: Enquanto países como por exemplo os EUA estão no pipeline científico, nós aqui no Brasil já conseguimos observar esta onda chegando, com um aumento da movimentação, mas continuamos a remar. O prognostico parece bom a médio prazo. Mudanças levam tempo...
    A matéria “Young scientist, go south” pode ter favorecido ainda mais este processo, apontando o Brasil como alvo potencial de investimento em pesquisa, acelerando ainda mais a chegada da "onda". Digo que o discurso sobre investimento na pesquisa brasileira anda bem linear por ambas partes, tanto pelo governo brasileiro quanto pelos fundos externos. Isso é um bom sinal e convoco todos aqueles que acreditam nisso para levar adiante a ideia do brasil ser uma potência cientifica em breve. Precisamos de pessoas positivas para levar o sonho adiante.
    Mucida, "vamos com calma" sim, pois este é o ritmo das coisas/mudanças na terrinha, mas por favor, pessimismo externo sobre nossa situação (pois você é uma pessoa formadora de opinião) não ajuda muito. Talvez para o mais jovens parte de seus comentários podem vir a soar como um balde de água fria, e isso seria frear este nosso processo (precioso) de desenvolvimento cientifico, assassinando os sonhos daqueles que realmente acreditam e podem fazer algo de bom pela pesquisa no Brasil.

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  8. Tiago,
    Obrigado pelos comentários no seu post1.
    Sinceramente não acho que a volta dos brasileiros que estão fora para o Brasil resolverá os problemas da ciência brasileira, é verdade que pode ser que ajude-relativamente-a ciência brasileira, mas talvez o mal para a ciência em geral (que para mim, não tem bordas) seja maior, pelo menos ainda. Sempre podemos colaborar, faz parte da ausência do patriotismo e é inerente à ciência.
    Como disse, acho que todos (no caso, os cientistas), deveríamos tentar a melhoria da ciência sem a influência do sentimento patriota/nacionalista. Dei exemplos da diversidade e da auto-crítica, ambos influenciados por este sentimento. Em relação a volta para o Brasil, a partir do momento em que o Brasil (como sociedade- através de mudanças de atitude e e produzindo ações, como vc diz- ou como país- com ações políticas) der condições para a geração de ciência (bem, vamos nos restringir, para fim deste blog, à Imunologia) de fato de qualidade, resolvendo ou dando passos para a resolução dos problemas citados (burocracia, importação, diversidade, foco da pesquisa etcetcetc) e outros não citados, tenho certeza que muitos brasileiros que não pensam em voltar, voltarão e, além disso, estrangeiros poderão dar uma contribuição mais efetiva, irão "south". Precisamos disso. Eu e muitos outros imunologistas que conheço que estão fora colaboramos com pesquisadores brasileiros (tenho algumas colaborações e estou aberto a mais), participamos de congressos, cursos etc no Brasil, mas isso também não é suficiente.
    Em relação a educação, minha impressão (inexata), é um pouco distinta da sua. É verdade que a educação básica de qualidade é em geral privada. o que restringem o acesso à educação superior de qualidade, em geral pública (principalmente se tratando de pesquisa). Mas o Brasil forma muita gente de qualidade, sem dúvida. Mas isso por si só (apesar de ser conditio sine qua non) não resulta na geração de ciência de qualidade.
    Enfim, isso dá panos pra manga.

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  10. Oi pessoal

    No final, pouco importa se uma porção de revistas ou pessoas dizem que as condições no Brasil estão melhores ou piores. Querer comparar o Brasil com os Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, etc me parece uma estupidez. Deixa eu me corrigir: não é uma estupidez. A comparação é importante, mas não podemos ser infantis ao ponto de nos achar a altura de algum país destes. Podemos nos achar bons, achar o país lindo e com muito potencial. E que estamos num caminho interessante. E podemos também ter uma bandeirinha do Brasil em casa, calçar havaianas, mas isso é só. Pelo menos por enquanto (um longo por enquanto). Nosso sistema educacional não pode ser comparado com o desses países. A estrutura educacional é totalmente diferente. Vou somente exemplificar algumas diferenças que notei quando cheguei a Washington DC. Deixa eu me explicar também aos anônimos. Sou muito brasileiro, toda a minha (curta) vida científica foi no Brasil, tenho 30 anos e somente 10 em pesquisa. Vim do programa de iniciação científica (o tal do PIBIC) do CNPq. Durante o meu doutoramento, participei de um grupo de pesquisa relativamente forte e tive oportunidade de escrever projetos para o FINEP, Pronex, Fapesb e PP-SUS. Fiz muita compra de reagentes, kits, e contatei muita gente para auxiliar em importações. Fiz muita política. Trabalhei na Amazônia atendendo pacientes e recrutando indivíduos para estudos clínicos. Vi pacientes morrerem de malária por falta de assistência. Vi gente querendo vender os filhos para equipe de trabalho do nosso estudo, em troca de um gerador de energia. Vi famílias com 15 filhos. Vim de um eixo científico fora do Sudeste. Vim da Bahia. Mas sou é cearense. Conheço os pólos da ciência no Nordeste e sei o potencial de cada um. Estudo a ciência brasileira há pelo menos 8 anos. Não sou imunologista básico, e uso a imunologia como ferramenta para descrever padrões de suscetibilidade a diversas doenças infecciosas. Tenho alguns papers, mais nenhum publicado em revistas extraordinariamente aclamadas pela comunidade científica (podem checar meu lattes). Tudo isso para dizer que me considero genuinamente brasileiro. Sou mais um dentre muitos outros, muitos destes muito melhores do que eu. E aí eu tive oportunidade de vim para um pós doutorado nos Estados Unidos e pude comparar cada detalhe da estrutura de ensino e da ciência também. Eu acho que eu posso dizer que esta comparação pura e simplesmente não é o que importa agora. Nós brasileiros temos muita coisa ainda para ajustar. A ciência vem caminhando, e isso é um bom sinal. E devemos ficar orgulhosos disso sim. Orgulhosos, não conformados. Claro que a comparação com grandes países desenvolvidos é boa e nos dá oportunidade de ter ambição, de pensar alto. Mas devemos também nos comparar com países que estão no mesmo patamar. Somos os melhores em ciência dentre os nossos colegas da América Latina. Somos melhores do que alguns países europeus e asiáticos. Mas o que importa mesmo é que a gente seja cada vez melhor para nós mesmos. Estamos no caminho certo. É melhor subir do que descer. É melhor ser bem falado pelos colegas gringos do que ser mal falado (na ciência não se pode agir como o já velado ACM, que dizia: falem mal de mim, mas falem de mim. Ser bem falado é essencial para conseguir boas colaborações e etc). Todos nós, cientistas brasileiros, e nisso eu acho que não deve haver exceção sensata, sabemos dos nossos problemas e mais ou menos do caminho que devemos tomar. O post do Daniel é importante no momento em que tenta freiar uma empolgação não racional e romântica de que chegamos lá. Vamos nos tocar. Ninguém vai vim pro Sul agora. E os que estão fora vão demorar para voltar, se de fato voltarem. Vamos tentar entender algumas diferenças estruturais?

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  11. Nos Estados Unidos, o contato com a ciência é feito muitas vezes no College e os estudantes chegam cientificamente um pouco mais maduros no doutorado. O doutorado é longo e muito penoso e depois seguem-se uma série de pós-doutorados até o pesquisador ser considerado pronto para liderar um laboratório. Há exceções neste processo, mas são mínimas. Na minha vivência como cientista nordestino, eu vi que há oportunidade de iniciação científica durante a graduação, e existem alguns estudantes que vão bem longe. Até aí tudo bem. Aí vem o doutorado (o mestrado eu entendi que serve além de ser uma iniciação científica aos que não fizeram uma. Posso estar errado, mas é para isso que temos os anônimos deste Blog!). O doutorado no Brasil pode ser muito sério e pode também ser muito lúdico. Todo mundo pode ter um PhD. É possível notar uma enorme quantidade de gente fazendo doutorado não para fazer ciência, mas para ter um salário melhor fora da ciência per se. Nos EUA, não há lógica em ter PhD se não for cientista. Com isso, gasta-se de maneira mais objetiva. Isso faz uma baita diferença e ilustra como pensamos diferente. Vamos adiante. Quando eu fazia meu doutorado, via o destino dos meus colegas. Poucos são os meu colegas que continuaram a fazer ciência depois do doutorado. A maioria foi dar aulas. Dar aulas é fundamental e precisamos de professores capacitados. Não vou entrar nesta discussão. Só escrevi isso para mostrar que poucos PhD continuam fazendo ciência no mesmo ritmo (não me parece ser uma prioridade para a maioria dos doutorandos). O pessoal pensa assim: “depois do doutorado eu vou começar a trabalhar!” O pós-doutor no Brasil ainda é raro, menos raro no Sudeste e raríssimo no Nordeste. O Daniel disse que a bolsa de post doc nos EUA é pequena e isso é verdade, mas dá para o cidadão viver. No Brasil, se uma pessoa quiser morar fora da casa dos pais e pagar seu aluguel (e também comer), ele tem que trabalhar por fora tanto no doutorado quanto no pós-doutorado (traduzindo, tem que dar aula por fora para pagar as contas). Aí, a ciência, apesar de continuar importante para essas pessoas, dilui-se entre outras prioridades. Então, a consequência disto é que o pesquisador genuinamente brasileiro não costuma passar bem pelo período fundamental que é o pós doutorado. E aí os que conseguem vivenciar experiências fora do país vão embora. Muitos acabam voltando e assumindo cargos universitários. Muitos ficam. Uma vez, um amigo meu aqui tentava me explicar porque ele iria voltar ao Brasil depois de 5 anos aqui nos EUA. Ele me disse: “cara, aqui todo mundo é muito bom, e assim é difícil conseguir emprego. Mas lá no Brasil, o pessoal que volta daqui é considerado entre os melhores ... Bruno, você conhece quantos chefes de laboratório ou de serviços científicos que não tenham vindo de um pós doutorado fora do país? Parece pré-requisito!”. Esse meu amigo pode até estar exagerando, mas isso tem um quê de muita verdade. Por que será tão importante sair do país para virar uma referência? Tem mais: o cara publica uns papers aqui nos EUA e passa a ser idolatrado no Brasil. Esse cara volta, entra no sistema tupiniquim e aí, como fica? São poucos os que mantém um ritmo perto do que ele esperava. Por fim, a maneira com que a maioria dos acadêmicos brasileiros vê ciência é diferente da maneira com que o americano vê. Nem vou dizer que somos piores ou melhores, mas diferentes. E isso explica muito dos diferentes rendimentos científicos.
    Então pessoal, essa discussão de que nós brasileiros somos bons mas piores por causa disso ou daquilo não vai nos fazer crescer de verdade. Temos é que reformular a maneira com que pensamos o que é ciência e de como fazê-la. O que é um bom cientista? Para o resto, a gente dá aquele jeitinho brasileiro e resolve rsrsrsrsr (será que esse jeitinho tem alguma responsabilidade sobre a situação atual da nossa ciência? Isso é para outro post!)

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  12. Anonimo de 13:20,
    Tendo, por mais paradoxal que pareça, a concordar com você. Não tive a intenção de jogar um balde de água fria, como disse no texto original, tenho ouvido várias noticias boas, acho que o governo que passou realizou ações firmes e transformadoras na ciência (e em muitas outras áreas). Minha intenção, mesmo que isso não tenha ficado claro, foi de levantar um ponto de vista que isso é possível, está acontecendo, mas um caminho pé-no-chão (que é distinto de devagar, apenas não passar o carro na frente do boi) e sem a exaltação do nacional pode levar com que este crescimento seja ainda mais eficiente e duradouro. Mas estou com você nessa!

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  13. Caros,

    Poderia aqui ocultar a minha identidade como a maioria fez durante esta excelente discussão sobre o texto do Daniel, mas minhas opiniões são públicas e não tenho absolutamente nada a esconder.

    Postei vários destes artigos que exaltam o Brasil aqui no blog durantes estes últimos tempos, não com a intenção de insulflar o nacionalismo, mas sim com o intuito de gerar esta discussão que estamos tendo aqui.

    Para os que não me conhecem, sou professor em uma universidade federal em Minas Gerais, mas já morei nos USA e Suécia e sei muito bem sobre as diferenças existentes e quão distantes dos países ditos desenvolvidos estamos (em termos de ciência, para não entrarmos no resto).

    Contudo, posso afirmar a vocês que hoje temos uma facilidade muito maior de financiamento que pesquisadores de vários países europeus, o que por si só já é um espanto (pelo menos para mim).

    Daniel - como você, aqui no Brasil, fui educado no sudeste. Infelizmente (e bota infelizmente mesmo), este não é o padrão brasileiro. Sou da opinião que o Brasil deveria destinar 5-10% do PIB para todos os níveis de educação... isso iria se reverter em qualidade de ensino e consequente aumento na qualidade profissional em 20 a 30 anos...

    Longe de patriotismos, partidarismos, e demais... sinto que o meu dever, como funcionário público federal de uma instituição de ensino superior, é fazer o meu melhor para aumentar a qualidade dos novos profissionais formados.

    Para finalizar, respeito e muito os colegas que buscam oportunidades fora do Brasil. Este tipo de atitude denota, no mínimo, ausência de acomodação.

    Eu aqui continuarei minha luta diária para que melhoremos constatemente... fico muito satisfeito com a presença de todos no blog, discutindo os rumos (ou não) da ciência no país.

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