quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Amanhã de manhã

Nunca vi um camundongo até vir pros Estados Unidos. Antes disso trabalhei com ratos e timbus (fica pra proxima). Há 26 anos atras, quando comecei a trabalhar com camundongos, existiam 17 papers na literatura descrevendo camundongos transgenicos. Hoje existem 126.348+. Introduzir gens em camundongos, modifica-los, virou rotina, e e’ inconcebivel pensar na biologia contemporanea sem pensar nessas ferramentas. O termo transgenico é usado para definir animais geneticamente modificados em laboratorio (embora sejamos todos transgenicos gracas a nossa convivencia com virus, tambem assunto pra outra conversa). Quando comecei a trabalhar nessa area, a maneira mais facil de gerar um transgenico era inserir um transgen (uma construcao constando de um promotor que controlasse a expressao do transgen em algum tecido, e o gen de interesse) em ovos fertilizados de camundongo por microinjecao. Uma vez que esse transgen se incorporasse no genoma do embrio (o que acontece com frequencia inferior a 10% dos ovos injetados) ele poderia ser transmitido a prole. Assim comecamos a entender a funcao biologica de varios gens, a nivel de organismo. Esse avanco foi seguido por outro, mais espetacular ainda. No fim dos anos 80, com o advento das celulas tronco embrionarias e da descoberta do processo de recombinacao homologa em eucariotas, a tecnologia avancou muito dando origem aos knockouts e knockins, que hoje vem substituindo os metodos classicos de microinjecao….Por permitir a manipulacao na expressao de gens em animais (hoje possivel em varias especies) essa tecnologia teve aceitacao imediata por biologos em todo mundo. Abra qualquer revista que os tais dos transgenicos e knock-outs estao lá…E cada vez mais sofisticados….Bicho nos quais se pode deletar (ou expressar) gens em grupos especificos de celulas, em qualquer momento da vida, sao comuns hoje em dia…Contudo, o uso desses animais por cientistas brasileiros ainda é infrequente… Entao, a pergunta e’: porque estamos tao atras no uso de camundongos geneticamente modificados?
Existem duas respostas obvias…A primeira é que temos problemas historicos em importar bichos. Um troco lamentavel, pre-historico…Vou contar aqui uma pequena estoria. Um dia. minha amiga querida Veronica Coelho me pediu uns camundongos verdes que eu tinha feito. Muito bem, Claudia, a minha lab manager, teve que ir ao Consulado brasileiro aqui em Nova Iorque 3 vezes para que Dona Lurdinha resolvesse. Depois, outro pepino pra resolver como mandar. Carimbo disso, carimbo daquilo…. dona Lurdinha adora um carimbo…Afinal os bichos chegaram. Mas duas semanas depois alguem me ligou pedindo que eu voltasse ao Consulado para conseguir um outro papel, um outro carimbo. Convenhamos, ninguem tem tempo pra resolver isso… e’ um troco revoltante ter que obedecer tanta tolice. O papelorio e’ tal que ja escutei estorias de bichos presos na alfandega, de bichos morrendo no caminho. Isso tem que acabar de uma vez por todas. Hoje a nossa comunidade cientifica tem muito mais acesso e voz e nada justifica que nao tenhamos resolvido isso. Sei que muita gente ja tentou, mas o que acho e’ que temos que fazer um movimento de massa, nada de guerra de guerrilha… E isso nao e’ tudo…Qual fim tem os bichos que importamos a preco de sangue? Nao temos repositorios, e muitas vezes eles se perdem….Gostaria muito que alguem me corrigisse, e me dissesse que estou errado e que o processo de importacao mudou radicalmente nos ultimos anos.
A segunda é que ainda não temos uma cultura de fazer bicho. Temos uma imunologia muito boa, mas ainda nao incorporamos genetica no nosso dia-a-dia. Por que? Porque nao dominamos completamente a tecnologia. Em alguns casos porque nao temos promotores ou gens clonados para expressar em tecidos especificos. Em outros, por falta de empenho institucional, ou porque tenhamos receio que um grupo estrangeiro ja esteja fazendo um experimento semelhante e que o esforco (e custo) pra fazer os bichos seja extraordinario, e por fim, que nao talvez nao sejamos competitivos a nivel internacional …
Mas por que nao mudar essa situacao? Hoje se clona muito facilmente qualquer gen ou promotor por PCR. A infra-estrutura para fazer knockouts e knock-ins, que era cara 25 anos atras, hoje é bastante accessivel e qualquer bom lab fazendo cultivo celular e biologia molecular pode fazer modificacoes em celulas tronco embrionarias. O resto (por celulas em blastocistos ou fazer agregacoes com morulas e transferi-las para uma recipiente) nao e’ tao dificil assim, alguem pode ser treinado para fazer em algumas semanas. E aqui vai uma proposta: porque nao criar um centro de excelencia em genetica de camundongos, para prestar servicos pros laboratorios brasileiros (nao so de imunologia) e ser repositorio (criopreservados) de linhagens de uso comum? Esse tipo de iniciativa custaria uma fracao do que se investiu no sequenciamento de patogenos de plantas, e poderia contribuir para disseminacao da tecnologia para muitos labs no Brasil.
Entao pessoal, esse e’ o desafio….Pensem como animais transgenicos podem ajudar a resolver o problema no qual voces estao trabalhando. Amanhã de manhã batam na porta do seus orientadores, digam que querem fazer um bicho, e os convecam a ajuda-los. Garanto que se voces quiserem, e se empenharem, voces vao conseguir. Outra coisa: se precisarem de mim, é so dizer; estou as ordens.

7 comentários:

  1. Ótima matéria Dr. Sérgio. Infelizmente é imcompreensível essa distância científica entre países que se dizem parceiros. Importamos alimentos "transgênicos", materiais diversos, mas em relação a ciência, tudo é muito cheio de "carimbos" e "assinaturas". Acredito que temos sim tecnologia genética suficiente para criação de bichos knockouts e etc..., a grande questão que ouço sempre é a demanda. Mas acredito também que tendo este centro de excelência em produção de animais KO, a demanda será enorme. Façamos nós, em vez de esperarmos a presença extrangeira "amanhã de manhã" na nossa "Amazônia científica"!

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  2. Sérgio, continuamos tendo problema com a importação e com o domínio dessa tecnologia de transgênicos. Estamos trabalhando para resolver ambos os problemas.
    Precisamos de fato de sua ajuda para nos transferir o domínio dessa tecnologia.
    Obrigado
    Joao

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  3. Joao, pode contar comigo. Uma outra pessoa que pode dar uma grande ajuda e' Juan Lafaille. Tenho conversado muito com ele sobre esse assunto e ele tem se mostrado muito interessado em contribuir. Falar nisso, devemos convida-lo para participar do nosso blog...Barral, vamos convidar o Juan?

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  4. Sérgio, novamente um diagnóstico perfeito desta situação. Parabéns, Viola.

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  5. Ó, Sergio, minino, nós não temos nem biotério decente, sô! Na maioria doslugares o que existe é um biobostério.

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  6. E "fuçando" o blog da sbi leio esse post hoje e digo que já bati na porta e já vesti a camisa do desafio. Se Deus permitir, teremos bioterios de qualidade e modelos animais transgenicos para diversas doenças feitos em casa (no Brasil).

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