domingo, 30 de agosto de 2015

Journal Club IBA: ILC2 induz a queima de gordura e limita a obesidade


As células que compõem o tecido adiposo podem ser classificadas em diferentes cores que refletem, por sua vez, papéis metabólicos únicos. No estado alimentado, por exemplo,  adipócitos de gordura branca acumulam triglicérides como uma forma de estocar energia. Ao passo que, após a exposição ao frio, os  adipócitos em depósitos de gordura marrom aumentam a lipólise e a expressão/atividade de uma proteína desacopladora da cadeia de elétrons chamada UCP1, a qual estimula a termogênese por desviar a energia fornecida pela oxidação de lipídeos, em produção de calor e não geração de ATP.  No entanto, novos estudos sugerem a presença de um terceiro tipo de célula de gordura, denominado ''bege'': um adipócito marrom-like, presente principalmente em depósitos de gordura branca subcutânea, que podem ser induzidos por vários estímulos e aumentar o gasto energético pela produção de calor em um processo denominado de “amarronzamento” do tecido adiposo branco. Recentemente foi visto que células linfóides inatas do grupo 2 (ILC2), bem caracterizadas na proteção contra infeções por helmintos, quando presentes no tecido adiposo branco de camundongos parecem exercer um importante papel regulador na homeostase metabólica [1]. Nesse sentido, Brestoff e colaboradores [2] demonstraram, de maneira bastante elegante, o papel dessas células no processo de “amarronzamento” do tecido adiposo branco e consequente regulação da homeostase metabólica, no contexto de obesidade em humanos. Inicialmente, os autores identificaram as ILC2s também no tecido adiposo branco humano e demonstraram que a redução dessas células é uma característica comum da obesidade, tanto em camundongos como em humanos. Através de uma série de experimentos utilizando modelos murinos knockouts para IL-33 e o tratamento de animais com rIL-33, além de experimentos com transferência adotiva de ILC2s, foi possível compreender o papel das ILC2s no amarronzamento do tecido adiposo branco. Os animais knockouts para IL-33 apresentam aumento no peso corporal e massa do tecido adiposo. Por outro lado, os animais tratados com IL-33 apresentam redução na adiposidade, aumento nas ILC2s e no tecido adiposo bege. Experimentos de transferência adotiva elucidaram que a ação da IL-33 no amarronzamento do tecido adiposo branco é dependente das ILC2s. Além disso, por meio da análise da expressão gênica dessas ILC2s foi identificado aumento na expressão do gene Pcsk1, que codifica a pró-proteína convertase subtilisina/kexina tipo 9 (PCSK9), a qual promove a clivagem de pró-hormônios em suas formas ativas. Adicionalmente e de forma bastante interessante, foi também observado o aumento na expressão de Penk, a pró-encefalina A, que é clivada pela PCSK9 gerando peptídios como a metionina encefalina (MetEnK). Por fim, foi demonstrado que as ILC2s produzem a MetEnk e que essa proteína atua diretamente em receptores presentes no adipócito bege, induzindo dessa forma, a expressão de UCP1 e o “amarronzamento” do tecido adiposo branco. Em conjunto, o trabalho demonstrou uma nova função para a via de IL-33/ILC2s regulando a homeostase energética através da produção de peptídeos de encefalina que atuam nesse processo de “amarronzamento”.


Figura 1: Via de IL-33/ILC2s na regulação da obesidade. A produção de IL-33 atua nas ILC2s, induzindo a síntese de citocinas e peptídeos de encefalina, que atuam diretamente no tecido adiposo branco, aumentando a expressão de UCP1, convertendo esse tecido em tecido adiposo bege, resultando em maior gasto energético e redução da adiposidade, consequentemente evitando a obesidade. Em situações de obesidade as ILC2s estão reduzidas no tecido adiposo branco, resultando em menor expressão de UCP1 e menor gasto energético, e em consequência maior adiposidade levando ao aumento de peso.

1.         Molofsky, A.B., et.al. Innate lymphoid type 2 cells sustain visceral adipose tissue eosinophils and alternatively activated macrophages. J. Exp. Med, 210, p.535–49, 2013.
2.         Brestoff, J.R., et al. Group 2 innate lymphoid cells promote beiging of white adipose tissue and limit obesity. Nature, 519(7542), p. 242-6, 2015.

Post de Amanda Zangirolamo e Gabriela Pessenda, alunas de doutorado IBA/FMRP-USP.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

A harmonia de tensões com a microbiota


A relação harmônica com as bactérias intestinais é importante para a defesa do nosso organismo e requer mecanismos tolerogênicos que impeçam o sistema imunológico de montar respostas inflamatórias indesejadas. Três estudos recentes que descreveram novas maneiras de alcançar essa tolerância da mucosa foram destacados pela Nature Reviews desse mês de agosto.

O primeiro deles, descrito por um grupo chinês (Zhang et al.), foca nas células de Paneth que estão localizados na parte inferior das criptas intestinais e mantém a função de barreira epitelial através da secreção de peptídeos antimicrobianos (AMPS). Os autores observaram que os camundongos sem o gene Lrrk2 (que codifica repetições ricas em leucina quinase 2 e são mais susceptíveis à inflamação intestinal) não conseguiram controlar a infecção intestinal com Listeria monocytogenes, que depende da atividade bactericida das células de Paneth. A análise da expressão de proteínas revelou que a deficiência de Lrrk2 levou à uma redução específica na produção do antimicrobiano lisozima pelas células de Paneth, mas não de outros AMPs. Notavelmente, foi também encontrado alteração na liberação de lisozima mediada pela Lrrk2 em camundongos germ-free, sugerindo que bactérias comensais são necessárias para a adequada triagem e liberação da lisozima.

No segundo trabalho, Wang et al. descreveram como a detecção de bactérias comensais por receptores do tipo Toll (TLRs) nas células T reguladoras (Tregs) em placas de Peyer estabelece uma resposta imune tolerogênica focada na produção de IgA que mantém uma flora microbiana saudável. Camundongos com uma depleção da molécula adaptadora de TLR MYD88 específica nas células Treg tiveram número reduzido da população de Treg e aumento das células Th17 na mucosa intestinal, o que contribuiu para uma colite mais grave. A deficiência de MyD88 específica nas células Treg também conduziu à uma redução no número de células T reguladoras foliculares (TFR) e auxiliares (TFH). Como consequência, a produção de IgA intestinal foi prejudicada e bactérias comensais foram mal controladas; houve um crescimento excessivo de bactérias filamentosas segmentadas e aumentou a carga microbiana em tecidos profundos. Os autores concluíram que a deficiência de MYD88 e STAT3 na diferenciação de TFR e TFH a partir das Tregs na placa de Peyer prejudica a geração de resposta de IgA para controlar a invasão bacteriana e o estabelecimento do comensalismo.

O terceiro artigo, por Sefik et al., descreve uma população distinta de células Treg que são cruciais para restringir a inflamação intestinal e apoiar a simbiose. Os autores mostram que um subconjunto de células T reguladoras, que expressam o receptor de fator de transcrição nuclear RORγ é induzido por vários, e ainda individuais, membros simbióticos da microbiota intestinal e contribuem substancialmente para a regulação da inflamação do cólon. Esse papel para RORγ no comensalismo contrasta com a noção aceita que RORγ antagoniza a função de FOXP3 de promover a diferenciação de células Th17. No entanto, a transcrição de RORγ diferiu entre as células Treg e Th17, sugerindo que a sua função e os resultados são altamente específicos ao contexto.

Leia mais em: 

Zhang, Q. et al. Commensal bacteria direct selective cargo sorting to promote symbiosis. Nat. Immunol. http://dx.doi.org/10.1038/ni.3233, (2015)

Wang, S. et al. MyD88 adaptor-dependent microbial sensing by regulatory T cells promotes mucosal tolerance and enforces commensalism. Immunity http://dx.doi.org/10.1016/j.immuni.2015.06.014, (2015)

Sefik, E. et al. Individual intestinal symbionts induce a distinct population of RORγ+ regulatory T cells. Science http://dx.doi.org/10.1126/science.aaa9420, (2015)

Bordon, Y. Microbiota-induced T cells block allergic inflammation. Nat. Rev. Immunol. 15, 468 (2015)

Bird, L. (2015). "Mucosal immunology: Living in harmony." Nat Rev Immunol 15(9): 527-527

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Vacinação – um problema cultural!



Por Jacy Andrade  - Médica infectologista e professora Titular da Universidade Federal da Bahia, Membro do Comitê de Imunização da SBI

Na assistência à saúde deve ser rotina a abordagem do indivíduo, qualquer que seja a idade, em relação ao seu calendário vacinal. Crianças e adultos com calendário de vacinação atualizado têm mais chances de se proteger contra um grupo de doenças chamadas de imunopreveníveis.

Quando o indivíduo usa uma vacina, está diretamente se protegendo contra aquela doença para a qual se vacinou e, ao mesmo tempo, está protegendo outras pessoas que estão no seu entorno e que não estão protegidas para a doença contra a qual ele utilizou a vacina. Desta maneira, quanto mais pessoas estão imunizadas, mais chance se tem de uma proteção coletiva contra a doença. Nossas coberturas vacinais ainda são muito heterogêneas, refletindo muitos fatores, entre eles a grande extensão do nosso país e dificuldade de acesso em algumas áreas geográficas. No contexto desta heterogeneidade, muitos outros fatores estão envolvidos e a consequência prática que tivemos este ano foi traduzida pela ocorrência de casos de sarampo registrados no Nordeste, sobretudo em Pernambuco e Ceará. 

Bebê recebendo vacina contra sarampo na Etiópia. Fonte: WikiMedia Commons

Os dados de monitoramento rápido de coberturas vacinais (MRC) contra sarampo do Programa Nacional de Imunizações (PNI), divulgados na web (acesso em 12 de agosto de 2015), disponíveis para a região Nordeste, evidenciam que em 2014 foram registrados 832 motivos para não vacinar crianças abaixo de 5 anos de idade. Dentre eles, chama atenção: 17,3% por falta de tempo; 9,7% perda ou sem comprovante de vacinação; 5,5% não estava agendado; 3,9% falta de vacina; 3,7% dificuldade de acesso ao posto de vacinação; 3,1% várias injeções ao mesmo tempo; 2% recusa de vacina; 0,6% contraindicação médica; 0,6% posto fechado. Estes dados mostram que questões culturais, operacionais, logísticas e de formação profissional interferem em nossas coberturas, sendo multifatorial a responsabilidade da heterogeneidade de nossas coberturas vacinais. Levando em conta que o adulto, gerenciador da saúde da criança, neste caso, menores de 5 anos de idade, não encontra tempo para vacinar suas crianças, fica fácil entender que ele próprio não tem tempo e nem valoriza a vacinação em adultos. Além disso, mesmo entre os profissionais de saúde, quando se fala em vacinação, habitualmente se pensa na população infantil, porque culturalmente “vacinação é coisa de criança”. Portanto, orientar vacinação para adultos em geral não faz parte da abordagem rotineira da assistência à saúde nessa faixa etária. A maioria dos adultos não tem registro de vacinas em caderneta de vacinação. Isso acontece com as mulheres e também com os homens. E são os adultos que são responsáveis pela adesão ou não aos esquemas de vacinação das crianças.

Barack Obama sendo vacinado contra H1N1, em 2009. Fonte: WikiMedia Commons

Algumas situações envolvendo recusa de vacinas têm motivado a mídia divulgar notícias a respeito de diferentes legislações em diversos países sobre o assunto. Recentemente, em função da epidemia de sarampo que envolveu mais de cem casos nos Estados Unidos, o estado da Califórnia é palco de grande discussão sobre vacinação e direitos pessoais à recusa deste procedimento. No Brasil, apesar da legislação federal, decreto no 78.231, de 12 de agosto de 1976, falar em vacinação obrigatória e o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei federal no 8069 de 13 de julho de 1990 também se referir à obrigatoriedade de vacinação das crianças quando recomendado pelas autoridades sanitárias, na prática estas determinações não funcionam. Além disso, não temos nenhuma punição para os indivíduos que não seguem estas determinações. No livro “Recusa de vacinas: causas e consequências”, o Dr. Guido Levi faz uma abordagem bastante ampla do problema com revisão bibliográfica extensa e atualizada sobre o tema.

O profissional de saúde tem papel importante nas chamadas ‘falsas contraindicações’ às vacinas. Conceitos errôneos sobre o assunto, desconhecimento e crenças pessoais, na maioria das vezes, justificam esta postura. A imunização precisa ser mais divulgada no meio acadêmico para que os estudantes da área de saúde possam se familiarizar com a diversidade de indicações das vacinas e dessa forma beneficiar a população com medidas preventivas que sabidamente trazem resultados positivos. Vacinação não deve ser privilégio da criança: ela vai do recém-nascido ao idoso.