domingo, 29 de março de 2015

Journal Club IBA: Imuno-complexos: apenas espectadores inocentes durante uma infecção crônica viral?



Figura 1 - Figura demonstrando que ICs se ligam em receptores FCgR presentes em macrófagos, saturando os receptores disponíveis, fazendo com que esses macrófagos não sejam capazes de reconhecer e fagocitar células infectadas

Imuno-complexos (ICs) normalmente se formam quando anticorpos se ligam a antígenos, dando origem a grandes complexos antígeno-anticorpo. Enquanto a formação de ICs é inevitável durante uma resposta imune efetiva, atuando no clearance de antígenos patogênicos, uma geração/deposição inapropriada desses complexos pode resultar em patologias (aqui).
Ao longo de uma infecção crônica viral, por exemplo, é sabido que ocorre uma grande deposição desses ICs. No entanto, não se sabia ao certo se esses ICs desempenhavam algum papel patogênico ou protetor durante a infecção; ou se eles seriam apenas “espectadores”, sem desempenhar qualquer papel proeminente.
Nesse sentido, os trabalhos de Yamada et al. (aqui) e Weiland et al. (aqui), publicados na edição de fevereiro deste ano na revista Immunity, vieram descrever o mecanismo pelo qual a formação exacerbada de imunocomplexos durante o modelo de infecção crônica pelo vírus da coriomeningite linfocítica (LCMV) prejudica diversas funções efetoras mediadas por anticorpos, como: opsonização, citotoxicidade dependente de anticorpo e apresentação cruzada.
Quando animais naïve são tratados com anticorpos monoclonais anti-CD20, anti-CD4, anti-CD8, etc, para depleção, é observado um desaparecimento rápido dessas células na periferia. No entanto, quando os animais são infectados com LCMV e tratados posteriormente com esses mesmos “anticorpos depletantes” (do inglês, depleting antibodies), essas células simplesmente não desaparecem da periferia. Utilizando das mais diversas ferramentas, os autores conseguem mostrar que isso ocorre devido à deposição de ICs. Esses ICs ligam-se em receptores FCgR presentes em macrófagos (excluíram a participação de neutrófilos, células dendríticas e células NK), saturando os receptores disponíveis, fazendo com que esses macrófagos não fossem capazes de reconhecer e fagocitar as células conjugadas com os anticorpos depletantes (Figura 1). 
Além da opsonização, foi demonstrada uma falha no killing de células infectadas em um ambiente com altos índices de ICs. Para provar isso, células dendríticas foram infectadas com uma cepa viral que é neutralizada por um anticorpo anti-LCMV-KL25. Quando essas células infectadas estavam em um ambiente rico em ICs, os anticorpos anti-LCMV-KL25 não foram capazes de neutralizá-las, indicando outra função efetora prejudicada pela alta deposição de ICs. Por fim, foi demonstrado que a apresentação cruzada para células T CD8+ também estava prejudicada em um ambiente com altos índices de ICs. Para provar isso, células T CD8+ específicas para OVA (OT-I) foram transferidas para camundongos infectados com LCMV (altas concentrações de ICs) e posteriormente foi administrado OVA+anti-OVA para esses animais. Foi observado que, ao contrário do que ocorre em animais naïve (baixas concentrações de ICs), as células T CD8+ não proliferaram em um ambiente rico em ICs, sugerindo que (nas palavras do próprio autor): “the high concentrations of ICs generated during persistent infection suppress FcgR-mediated cross-presentation by APCs to limit de novo CD8+ T cell responses to secondary antigens”.
Rituximab (anti-hCD20) é uma droga rotineiramente utilizada em linfomas de células B, uma neoplasia que pode ser associada com artrite reumatóide (onde altos níveis de ICs são encontrados). Acredita-se que o “efeito vacinal” aconteça quando os complexos de Rituximab-célula B são reconhecidos por FcgR e internalizados para a apresentação cruzada e ativação de células T CD8+. Esta resposta levará ao desenvolvimento de uma resposta de memória de células T que é capaz de prevenir a recorrência do tumor por anos após o tratamento com Rituximab (aqui). Portanto, a inibição de receptores FcgR devido a altos índices de ICs na circulação (devido a uma infecção crônica ou a um quadro de auto-imunidade) poderia prevenir esse efeito a longo prazo do tratamento com Rituximab. Assim, os trabalhos de Weiland et al. e Yamada et al. são de grande relevância clínica, uma vez que é demonstrado a necessidade do desenvolvimento de novos anticorpos terapêuticos, com domínios Fc reconhecendo com maior afinidade os FcgRs (Fc engineering), aumentando assim a eficácia desses anticorpos monoclonais.

Post de Frederico Ribeiro e Morgana Prado (doutorandos IBA/FMRP-USP)

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